Capítulo III - Responsabilidade Civil

AutorJosé Carlos Manhabusco - Gianncarlo Camargo Manhabusco
Ocupação do AutorAdvogado. Membro Acadêmico Efetivo da Academia de Direito Processual de Mato Grosso do Sul ? Conselho Editorial - Advogado. Mestrando em Direito Processual Civil ? UNIPAR
Páginas51-61

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3.1. Evolução da responsabilidade civil

Para que se discorra sobre a evolução da Responsabilidade Civil no Brasil, é indispensável que se faça remissão ao Direito Romano, visto que se pode dizer que foram eles os precursores no estudo deste instituto.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho33, citando Alvino Lima, fazem um breve histórico da Responsabilidade Civil:

Partimos, como diz Ihering, do período em que o sentimento de paixão predomina no direito; a reação violenta perde de vista a culpabilidade, para alcançar tão somente a satisfação do dano e infiigir um castigo ao autor do ato lesivo. Pena e reparação se confundem; responsabilidade penal e civil não se distingue. A evolução operou-se, consequentemente, no sentido de se introduzir o elemento subjetivo da culpa e diferenciar a responsabilidade civil da penal. E muito embora não tivesse conseguido o direito romano libertar-se inteiramente da ideia de pena, no fixar a responsabilidade aquiliana, a verdade é que a ideia do delito privado, engendrando uma ação penal, viu o domínio de sua aplicação diminuir, à vista da admissão, cada vez mais crescente, de obrigações delituais, criando uma ação mista ou simplesmente reipersecutória. A função da pena transformou-se, tendo por fim indenizar, como nas ações reipersecutórias, embora o modo de calcular a pena ainda fosse inspirado na função primitiva da vingança; o caráter penal da ação da lei Aquília, no direito clássico, não passa uma sobrevivência.

Era vigente ao tempo do direito primitivo, no tempo das civilizações pré-romanas, o modelo da vingança privada, em que se permitia ao agredido fazer justiça com as próprias mãos, já que eles ainda não concebiam a possibilidade de reparação do dano causado.

A decadência da vingança privada teve como marco inicial a edição, pelos romanistas, da Lei das XII Tábuas, a qual determinava em quais casos seria permitido ao ofendido fazer vingança com as próprias mãos. Ocorre, porém, que na própria Lei das XII Tábuas já existia disposição no sentido de se permitir uma composição entre vítima

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e ofensor, composição esta que era obrigatória em determinados casos. Ressalte-se que a referida Lei estipulava determinados valores para que se entregasse certa quantia em dinheiro ou determinado bem, visando à compensação do dano.

Ainda que se considere que a Lei das XII Tábuas tenha sido uma grande evolução quando se fala em responsabilidade civil, deve-se esclarecer que após ela foi editada a Lei que pode ser considerada um divisor de águas no que concerne ao estudo deste tema. A chamada Lei Aquília inovou totalmente o sistema, porquanto tinha como principal objetivo a permuta das penas fixas por penas proporcionais aos danos causados.

Caio Mário da Silva Pereira34 ressalta a importância da edição da Lei Aquília, senão, veja-se:

Onde se realiza a maior revolução dos conceitos jus-romanísticos em termos de responsabilidade civil é com a Lex Aquilia, de data incerta, mas que prende aos tempos da República (Leonardo Colombo, Culpa Aquiliana, p. 107). Tão grande a revolução que a ela se prende a denominação de aquiliana para designar-se a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual. Foi um marco tão acentuado que a ela se atribuiu a origem do elemento "culpa", como fundamental na reparação do dano. A Lex Aquilia, bem assim a consequente actio ex lege Aquilia, tem sido destacada pelos romanistas e pelos civilistas, em matéria atinente à Responsabilidade Civil... Seu maior valor consiste em substituir multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado.

Juntamente com a Lei Aquília foi introduzido no sistema o elemento acidental "culpa", que permitiu a diferenciação da Responsabilidade Civil e Responsabilidade Penal. Sucede, entrementes, que somente a introdução do elemento culpa não foi capaz de solucionar todos os casos existentes, daí o surgimento de novas teorias que consagraram, até mesmo, a responsabilidade independente de culpa, baseando-se somente no risco criado, que é atualmente conhecida como Responsabilidade Objetiva.

O avanço da Teoria da Responsabilidade Objetiva pode ser entendido pelo grande número de trabalhadores, que sofriam acidente do trabalho e acabavam por ficar desamparados, porque não havia qualquer forma de reparação do dano sofrido. A consagração dessa Teoria se deu com a redação do art. 927 do atual Código Civil35, que

estabeleceu, ainda que excepcionalmente, a responsabilidade independente de culpa.

Com relação ao Brasil, pode-se dividir a evolução da Responsabilidade Civil em três fases distintas, como bem destaca Caio Mário da Silva Pereira36:

Na primeira, observa-se que as Ordenações do Reino tinham presente o direito romano, mandado aplicar como subsidiário do direito pátrio, por força da chamada Lei da Boa Razão (Lei de 18 de agosto de 1769), cujo art. 2º

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prescrevia "que o direito romano servisse de subsídio, nos casos omissos, não por autoridade própria, que não tinha, mas por serem muitas as suas disposições fundadas na boa razão". A segunda fase inaugura-se com o Código Criminal de 1830, que esboça, no instituto da "satisfação", a ideia de ressarcimento, que encontra em Aguiar Dias apreciação encomiástica, ao dizer que as regras ali estabelecidas poderiam oferecer aos tribunais brasileiros, mesmo ainda hoje, "orientação segura para apreciar os casos de responsabilidade civil" (Da Responsabilidade Civil, v. I, n. 13). A terceira fase inicia- -se com Teixeira de Freitas, cuja genialidade nunca é demais encarecida. Opunha-se ele a que a responsabilidade civil estivesse geminada à criminal.

Vê-se, portanto, que a evolução da responsabilidade civil no Brasil seguiu, praticamente, a mesma sequência da evolução ocorrida na Antiguidade, ou seja, passo a passo, num processo lento e gradativo.

Não se pode deixar passar ao largo a magistral doutrina de José de Aguiar Dias37,

reconhecidamente um dos maiores expoentes na doutrina da responsabilidade civil com efeito de reparação de danos, sendo certo que, sob a égide da Lei Substantiva de 1916, ao se referir à codificação, concluiu que:

No direito brasileiro, é que libertando-se das fórmulas confusas das Ordenações, e estabelecendo-se, por certo tempo, em plano de melhor compreensão da responsabilidade civil, efetuou evidente retrocesso, por intermédio de várias disposições do Código Civil.

A citação possui como corolário demonstrar a então necessidade do estudo mais aprofundado do desenvolvimento daquele instituto na codificação do Novo Código Civil. A realidade acabou por brindar uma nova visão acerca da responsabilidade civil, particularmente quanto à responsabilidade sem culpa.

3.2. Conceito de responsabilidade civil

Em que pese a existência de vários conceitos sobre a responsabilidade civil, percebe-se que a maioria deles traz em seu bojo os mesmos elementos caracterizadores, como se verá naqueles expostos a seguir.

Para José Affonso Dallegrave Neto38, a responsabilidade civil pode ser concebida como:

A sistematização de regras e princípios que objetivam a reparação do dano patrimonial e a compensação do dano extrapatrimonial causados diretamente por agente - ou por fato de coisas ou pessoas que dele dependam - que agiu de forma ilícita ou assumiu o risco da atividade causadora da lesão.

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Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho39:

A noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências de seu ato (obrigação de reparar).

Raimundo Simão de Melo40 assevera que:

Responsabilidade Civil é a expressão usada na linguagem jurídica para diferenciá-la de outros tipos de responsabilidade, como a criminal, a administrativa, a trabalhista etc. Designa responsabilidade civil o dever de reparação do dano injustamente causado a outrem, como provém da velha máxima romana inserta no neminem laedere (não lesar a ninguém). A responsabilidade civil é o tipo de responsabilidade que se apura para que se possa exigir a reparação civil como pena imposta ao agente ou responsável pelo ato ilícito com a indenização do dano ou ressarcimento das perdas ou prejuízos trazidos à pessoa vitimada pelo ato ou...

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