Capítulo X

AutorPaulo Rubens Salomão Caputo
Ocupação do AutorBacharel em Direito - UFMG. Especialista em Direito Processual - PUC Minas
Páginas339-368

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150. Tutela jurisdicional

Como visto detidamente nos itens 19 a 24, na própria nomogênese constitucional, a sociedade impõe fazeres ao Estado.

Entre as prescrições impostas ao Estado e como condição mesmo de sua criação/estabelecimento, reconhecimento de legitimidade e atuação concreta324, estão a do exercício de funções típicas, em número de três, a saber: função preponderantemente legislativa; função preponderantemente administrativa; e função preponderantemente jurisdicional.

Todo o exercício do poder legislativo volta-se para a prática da legislação, cujo ato legislativo resultante, convencionalmente e por excelência, é a lei.

Todo o exercício do poder administrativo volta-se para a prática do ato administrativo, que convencionalmente e por excelência é o ato administrativo propriamente dito (e pontualmente tem designações variadas, desde uma mera portaria, até um decreto ou mesmo decisão administrativa).

Todo o exercício do poder jurisdicional volta-se para a prática do ato jurisdicional, por uma das modalidades de provimentos típicos que o Estadojurisdição está autorizado a expedir (Código de Processo Civil de 1973, art. 162 e §§; NCPC, art. 203 e §§, notadamente e por excelência a sentença); e ainda e mais adequadamente, no caso de acolhimento de pretensão posta em juízo, o Estado-jurisdição estará a expedir genuína tutela jurisdicional (Código de Processo Civil de 1973, art. 2º c/c art. 269, I; NCPC, arts. 2º e 6º c/c arts. 487, I e 490).

Assim se reafirma a terceira fonte (termo este aqui empregado do ponto de vista formal, não querendo indevidamente substituir nomos325) de normatividade

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do sistema, além do contrato e da lei, que é a coisa julgada ou caso julgado, de emanação unicamente possível da tutela jurisdicional dada por um devido ou justo processo.

É um falso problema, pois, o da supremacia da lei para com a jurisdição, ou da antinomia entre a lei (ou o direito material referencial veiculado por ela) e o direito processual (referencial igualmente veiculado pela lei) ou aquilo que em ultima ratio resulta do processo (a norma de decisão ou norma concreta), uma vez que não há diferença ontológico-constitucional entre as atividades do Estado, e suas autoridades decorrem do mesmo poder constituinte originário. Repita-se:

Depois de todo o visto, devemos apenas sintetizar a imprecisão da utilização da expressão “tripartição de poderes”. Isso porque o poder é uno e indivisível. O poder não se triparte. O poder é um só, manifestando-se através de órgãos que exercem funções. ... Assim, todos os atos praticados pelo Estado decorrem de um só poder, uno e indivisível. Esses atos adquirem diversas formas, através do exercício das diversas funções pelos diferentes órgãos. Assim, o órgão legislativo exerce uma função típica, inerente à sua natureza, além de funções atípicas, conforme vimos no quadro anterior, ocorrendo o mesmo com os órgãos executivo e jurisdicional.326Então, tanto aquilo que é resultado do exercício do poder legislativo pelo Poder Legislativo (a que se convenciona, no que aqui interessa, chamar de lei); como aquilo que é resultado do exercício do poder administrativo ou executivo pelo Poder Executivo (a que se convenciona, no que aqui interessa, chamar de ato executivo ou ato administrativo); bem ainda aquilo que é resultado do exercício do poder jurisdicional pelo Poder Judiciário (a que se convenciona, no que interessa aqui, chamar de provimento, o qual pode ou não conduzir à tutela jurisdicional327) – têm pelo menos dois pontos de observação relevantes: um, todos os atos típicos que resultam destes poderesdeveres funcionais têm natureza jurídica material; dois, com relação aos fins pretendidos pela sociedade/povo-nação político-juridicamente organizado, ordenado, têm caráter instrumental, ou mais precisamente, medial.

Apenas e tão somente cada um destes atos funcionais típicos finalísticos tem o seu momento328e requisitos próprios para terem lugar e se verificarem de modo materialmente legítimo e formalmente válido.

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E mais: para se evitar deletéria colisão interna ao sistema jurídico, obviamente que não pode ser sancionado na pós-ordenação (quando do exercício da atividade jurisdicional) aquele que, na preordenação, agiu conforme o ordenamento. Por isso não se é de admitir mesmo a assertiva de que há sobreposição da atividade legislativa à atividade jurisdicional, e nem o contrário, já que ambas confluem para os mesmos objetivos329.

Enfim, tanto mais segurança jurídica no estabelecimento e manutenção do ordenamento democraticamente instituído ter-se-á, quanto mais eficiente e convergente forem todos os meios de que os cidadãos, no exercício do seu poder material de auto-organização, lançam mão para a consecução dos seus fins maiores, entre eles a legislação e a jurisdição.

Reforce-se que no plano desta obra a tutela jurisdicional (itens 19, 21, 23, 24, 26, 30 e 31) não se confunde com uma simples resposta jurisdicional (itens 12, 28, 29, 31, 111, 115, 144, 168 e 169).

Assim, e não obstante não poder a ação, enquanto manifestação específica do direito de petição, ser a priori obstada, o seu exercício in concreto passa pela verificação de requisitos de admissibilidade quanto à tutela jurisdicional pleiteada (relembre-se, no sentido aqui posto de apreciação, para fins de rejeição ou acolhimento, no todo ou em parte, do pedido mediato, isto é, da pretensão material, ou mérito).

Do contrário, não obstante obrigado a uma resposta jurisdicional, o Estado-jurisdição não está obrigado sempre à uma resposta de mérito (tutela jurisdicional propriamente dita), podendo, como sabido, extinguir o processo sem resolução do mérito.

É que, embora seja, em regra, vedada a autotutela, remanescem na estrutura da vida em sociedade várias instâncias heterônomas de resolução de conflitos que não só a jurisdicional, a qual, para ser provocada eficazmente, não dispensa mesmo alguns requisitos, até porque, em um Estado Democrático, a posição do outro cidadão não pode pura e simplesmente ser desconsiderada, sendo a ação, quanto a este, portanto e ao menos, um direito bilateral. Não pode a isonomia no acesso ser desconsiderada em face dos princípios constitucionais que modelam o processo na modernidade.

151. Efeitos da tutela jurisdicional e sua antecipação: apenas uma questão de momento procedimental

A tutela jurisdicional (provimento de mérito) em regra conterá uma carga de eficácia, apta a, não sendo adimplido voluntariamente o comando da

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sentença, ensejar a ativação dos poderes de império do Estado, deflagrando-se o cumprimento ou execução forçados (arts. 513 e ss. c/c arts. 771 e ss.).

Somente as ações declaratórias puras (positivas ou negativas) e constitutivas (positivas ou negativas–desconstitutivas) supostamente não teriam carga de eficácia, o que se restringiria, nos termos do art. 515, às decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa. O mais seria tratado diretamente, no âmbito dos poderes gerais do Estado-jurisdição, inclusive o de determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, até mesmo nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV), e tudo o mais que oferece o art. 771.

De qualquer sorte, todo o nosso sistema de justiça é dotado de mecanismos (cada qual de modo mais ou menos perfeito) que assegurem o cumprimento/execução da carga de eficácia contida no ato que representa a tutela jurisdicional.

Não obstante a previsão do art. 5º LXXVIII da CF/88 e do art. 4º do NCPC (veja-se itens 12 e 110), no sentido de que as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa, isso nem sempre se dará, ou, ante determinadas circunstâncias de fato, será aconselhável para a proteção dos direitos das partes que se aguarde a definitividade (alcançada somente com o trânsito em julgado) da tutela jurisdicional que venham a obter.

O momento procedimental pode ser, em casos tais, antecipado (ver itens 17, 30, 143, 153, 156 e 165).

Portanto, seja o provimento de perfil cautelar, seja de conhecimento, seja com fundamento na urgência ou na evidência, o que se antecipa é o momento procedimental e, neste sentido (e em muitos outros, infelizmente, em que o legislador não andou bem tecnicamente), quando o parágrafo único do art. 294 diz tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, está a confundir isto com outros temas, como a natureza dos provimentos jurisdicionais, por exemplo. Também aí, quando faz menção à urgência, a contraposição seria à evidência, e não à cautelar ou antecipada.

Se fosse realmente para mudar e melhorar, partindo-se do correto critério do momento procedimental, o gênero seria antecipação. A partir deste gênero, ter-se-ia a antecipação dos efeitos da tutela cautelar e a antecipação dos efeitos da tutela principal (ou não cautelar). A provisoriedade é uma consequência da antecipação, e não o contrário!

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No entanto não é isso que veio no NCPC e, assim, antes de incursionar pelos detalhamentos legislativos oferecidos sobre a tutela provisória, de se deixar claro que...

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