Cidadania ambiental e participação popular: efetividade da legislação ambiental em um parque de energia solar no Piauí

AutorAna Keuly Luz Bezerra, Afonso Feitosa Reis Neto, Maristela Oliveira de Andrade
CargoDocente do eixo tecnológico de Gestão e Negócios do Instituto Federal do Piauí - Campus Avançado Dirceu Arcoverde. Doutora e Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFPI. Graduada em Administração e Direito. Orientadora do Programa de Mestrado em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí. Instituto Federal do Piauí, Instituto ...
Páginas192-218
Revista de Direito da Cidade vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2021.56396
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Revista de Direito da Cidade, vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721. pp.207-233 222
nas sociedades d emocráticas; do outro, sua inflação normativa, evidencia a ausência de respostas e
de alternativas de encaminhamento material (LAVALLE, 2003).
No processo da audiência, que era presidida pelo órgão ambiental responsável (Secretaria
de Meio Ambiente do Estado do Piauí-SEMAR/PI) conforme Resolução CONAMA 09/87 e Lei
Complementar Federal 140/11, ficava evidente que as questões ambientais foram deixadas de lado
em vi rtude do argumento emprego/renda. Esse f ator era a todo momento destacado pelos
responsáveis do empreendimento. Salvo raras exceções presentes no debate (ins tituição de ensino,
associação de moradores e alguns políticos locais), grande parte dos presentes não f ez
questionamentos sobre os possíveis impactos ambientais gerados na fase de implantação e operação
do projeto.
Essa conjuntura pode ser analisada por duas vertentes. A pri meira diz respeito à forma de
apresentação dos resultados para a comunidade. Diversos dados excessivamente técnicos foram
apresentadas em uma linguagem que não facilitava a compreensão por parte da população. Essa forma
de exposição de grandes empreendimentos ocorre com frequência e é amplamente questionada
(PALHETA; NASCIMENTO; SILVA, 2017).
A segunda hipótese resi de n a oportunidade trazida pela empresa p ara aquela l ocalidade,
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Essa ótica pode ser apontada em razão dos dados econômicos do município: 56,3% da população
economicamente ativa recebe até ½ salário mínimo (IBGE, 2019). O empreendimento era a chance de
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Nossa cidade tem uma grande parcela da população abaixo da linha da pobreza e a vinda do Parque
Solar s erá decisiva para a mudança da nossa realidade, o que nos deixa mui to feliz e com grande
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A expectativa gerada foi confirmada. Com a obtenção da Licença Prévia (LP) e consequente
Licença de Instalação (LI) (BRASIL, 1986) , a construção do Parque Solar iniciou em 22/10/2018 em
diversas etapas e com a contratação de aproximadamente 1.500 trabalhadores de diversas regiões do
Piauí (ass im como do município), do Brasil e da Itália (sede da responsável pelo empreendimento)
(RIBEIRO, 2019). Para uma pequena cidade no interior do Piauí que possui cerca de 3.000 habitantes,
e 60% da população localizada abaixo da linha da pobreza (IBGE, 2019), as modificações fora m
profundas.
Queiroz e Veiga (2012) afirmam que impactos sociais e à saúde das populações de pequenas
localidades longe dos grandes centros urbanos com a chegada de empreendimentos energéticos de
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grande porte s ão inúmeros. Aumento dos índices de doenças sexualmente tr ansmissíveis (DSTs),
alcoolismo, depressão, prostituição, uso de entorpecentes são alguns exemplos que podem ser
trazidos à baila (QUEIROZ; VEIGA, 2012; UTSUNOMIYA, 2014). Além desses, a intensa movimentação
de pessoas e demanda crescente por serviços como hosp edagem, saúde, lazer e alimentação
induziram uma verdadeira alteração na dinâmica social no município de São Gonçalo e cidades
vizinhas.
Apesar desses fatores, a sociedade até então não tinha se org anizado para questionar os
impactos socioambientais gerados pela implantação do Parque Solar. Dentre as alterações realizadas
merece destaque a construção de estruturas para o barramento das águas das chuvas (barragens de
contenção) e consequente redução do escoamento superficial nas áreas do Parque. Com o alto índice
pluviométrico ocorrido no final de 2019, as bacias construídas no entorno do parque fi caram
totalmente cheias e se romperam. As enxurradas desceram da Serra de Santa Marta, onde fica o
Parque, para as áreas mais baixas, levando muito entulho, areia e lama, provocando em fevereiro de
2020, o rompimento de b arragens do complexo que causou destruição de fazendas/pr opriedades
(Figura 3A), morte de animais e aterramento de trecho do Rio Gurgueia (Figura 3C), além de nascentes
na região (Figura 3B).
De acordo com a regulamentação prevista na Constituição Federal de 1988 (Art. 225, IV), na
Resolução CONAMA 01/86 (Art. 5º, II) e na PNMA (Art. 9º, III) todos os potenciais impactos ambientais
devem ser identificados e class ificados, devendo, além dessa classificação, propor medi das
mitigadoras para os impactos negativas a fim de minimizar os prováveis danos ambientais (SANCHEZ,
2006). A intenção da legislação ambiental é justamente mini mizar os riscos e ter, de antemão, um
planejamento estabelecido para eventuais sinistros que possam ocorrer. No EIA/RIMA elaborado para
obra não existe nenhuma menção sobre a construção das barragens de contenção (ALBA ENERGIA,
2017). A SEMAR/PI também afirmou que não tinha conhecimento dessas estruturas (CALIXTO, 2020a).
A omissão dessa informação no EIA/RIMA por si só constitui uma infração administrativa e
um crime ambiental. Essa interpretação pode ser l evantada com base no art. 69-A da Lei Federal nº
9.605/98, com pena cominada de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa em caso de comprovação
do dolo e de de tenção, de 1 (um) a 3 (três) anos na modalidade cul posa. Ademais, com base no § 2º
do mesmo artigo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se há dano significativo ao
meio ambiente em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa (BRASIL, 1997).
De acordo com Brasil (1997), o objetivo do licenciamento ambiental é obter, junto ao
empreendedor, os dados adequados para avaliar a viabilidade ambiental do empreendimento,
levando em consideração as ações efe tivas ou potencialmente poluidoras ou daquelas qu e, sob

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