Cinco modelos de adjudicação administrativa (justiça administrativa)

AutorMichael Asimow
CargoVisiting Professor of Law na Stanford Law School (Stanford, Estados Unidos da América). Professor Emérito de Direito, UCLA School of Law
Páginas129-165
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Licensed under Creative Commons
Como citar esse artigo/How to cite this article: ASIMOW, Michael. Cinco modelos de adjudicação administrativa (Justiça Admi-
nistrativa). Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 1, p. 129-165, jan./abr. 2017. DOI: 10.5380/rinc.v4i1.50154.
* Versão em inglês disponível em: http://dx.doi/org/10.5131/AJCL.2015.0001. Traduzido por Ricardo Perlingeiro (Desembargador
Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, e Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminen-
se (UFF)) e Renato Pessanha (Juiz Federal no Rio de Janeiro e Mestrando do Programa de Pós-Graduação Justiça Administrativa
da UFF). Os tradutores agradecem a colaboração de Carmen Silvia Arruda, Juíza Federal no Rio de Janeiro e Doutoranda do
Programa de Sociologia e Direito da UFF, e de Flávia Martins Aonso, Advogada da União no Rio de Janeiro e Doutoranda do
Programa de Pós-Graduação Justiça Administrativa da UFF.
** Visiting Professor of Law na Stanford Law School (Stanford, Estados Unidos da América). Professor Emérito de Direito, UCLA
School of Law. Juris Doctor – JD (University of California, Berkeley). E-mail: asimow@law.stanford.edu.
Eu agradeço a generosa ajuda de José M. Baño Fos, Yoav Dotan e Robert Rabin. Mais adiante neste artigo eu reconhecerei a
ajuda de colegas que me auxiliaram a melhor compreender os sistemas de adjudicação de países especícos. Versões prelimi-
nares deste artigo foram apresentadas a pesquisadores docentes da Stanford Law School; Faculdade de Direito de Guanghua
(Guanghua Law School), Universidade de Zhejiang (Hangzhou) (Zhejiang University (Hangzhou)); Faculdade de Direito da Uni-
versidade Hebrew e Faculdade de Direito de Bar Ilan (Israel) (Hebrew University Law School and Bar Ilan Law School (Israel));
Faculdade de Direito Torcuato di Tella e Faculdade de Direito de San Andres (Buenos Aires) (Torcuato di Tella School of Law
and San Andres School of Law (Buenos Aires)); e Faculdade de Direito de Chulalongkorn (Bangkok) (Chulalongkorn Faculty of
Law (Bangkok)). Ele foi também apresentado na conferência anual da Law ; Society Association em São Francisco e em uma
conferência de professores de direito administrativo na Universidade de Luxemburgo (University of Luxembourg). Reconheço
com gratidão as contribuições de todos aqueles que zeram comentários nessas apresentações.
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v4i1.50154
Cinco modelos de adjudicação administrativa
(Justiça Administrativa)*
Five models of Administrative Ajudication
MICHAEL ASIMOW**
Stanford Law School (United States of America)
asimow@law.stanford.edu
Recebido/Received: 12.01.2017 / January 12th, 2017
Aprovado/Approved: 11.02.2017 / February 11th, 2017
129
Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 1, p. 129-165, jan./abr. 2017.
Abstract
Regulatory and benet-distribution schemes give rise to
large numbers of individualized disputes between govern-
ment agencies and private parties. Every country needs
a system of administrative adjudication to resolve such
disputes accurately, fairly, and eciently. Such systems
generally provide for three phases — initial decision, ad-
ministrative reconsideration, and judicial review. However,
the details of the various systems employed around the
world are bewilderingly diverse and dierent countries tend
to invest most of their adjudicatory resources in only one
Resumo
Regimes regulatórios e de distribuição de benefícios oca-
sionam um grande número de disputas individuais entre
agências governamentais e particulares. Cada país pre-
cisa de um sistema de adjudicação administrativa para
solucionar essas disputas corretamente, com justiça e
eciência. Esses sistemas geralmente compreendem três
fases – decisão inicial, reconsideração administrativa e
revisão judicial. Entretanto, os detalhes dos vários siste-
mas empregados ao redor do mundo são impressionan-
temente diferentes, e muitos países tendem a investir a
Untitled-1 129 22/10/2018 17:35:06
Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 1, p. 129-165, jan./abr. 2017.
Michael Asimow
130
of the three phases (and private parties who have dispute
with government tend to have more condence in one of
the phases than in the other two). This article proposes a
methodology for classifying such systems. It identies four
key variables: combined function agencies or separate tri-
bunals, adversarial or inquisitorial procedure, judicial re-
view that is open to introduction of new evidence or closed
to new evidence, and judicial review by generalized or spe-
cialized courts. The article identies ve models in common
use around the world that involve dierent combinations of
these variables. The United States, for example, uses com-
bined function agencies, adversarial procedure, and closed
judicial review in generalist courts. On the other hand, the
United Kingdom employs an independent tribunal to re-
consider initial agency decisions. And France employs open
judicial review in a specialized court. Each of these models
can deliver accurate and ecient decisions while preserving
fairness. Finally, the article discusses transplants from one
administrative adjudicatory system to another. There are
numerous examples of successful transplants. The article
suggests that the United States should consider adopting a
Social Security tribunal (similar to the tribunals in the Unit-
ed Kingdom and Australia) to replace the present system of
adjudication of Social Security disputes.
Keywords: administrative justice; administrative jurisdic-
tion; judicial review, administrative proceedings; Compar-
ative Law.
maior parte dos recursos adjudicatórios em apenas uma
dessas três fases (e os particulares que têm uma disputa
com o governo tendem a conar mais em uma das fases
do que nas outras duas). Este artigo propõe uma meto-
dologia para a classicação desses sistemas. Ele identi-
ca quatro variáveis importantes: agências com funções
combinadas ou tribunals separados; procedimento in-
quisitório ou adversarial; revisão judicial que pode ser
aberta à introdução de novas provas ou fechada a elas;
e revisão judicial feita por cortes de competência comum
ou especializada. O artigo identica cinco modelos mais
usados ao redor do mundo, que envolvem diferentes
combinações dessas variáveis. Os Estados Unidos, por
exemplo, utilizam agências com funções combinadas,
procedimento adversarial e revisão judicial fechada pro-
cedida por cortes de competência comum. Por outro
lado, o Reino Unido utiliza um tribunal independente
para reconsiderar decisões iniciais das agências. A França
utiliza o sistema de revisão judicial aberta efetuada por
uma corte especializada. Cada um desses modelos pode
oferecer decisões corretas e ecientes, preservando a
justiça. Finalmente, o artigo discute transplantes de um
sistema de adjudicação administrativa para outro. Exis-
tem vários exemplos de transplantes bem sucedidos. O
artigo sugere que os Estados Unidos deveriam conside-
rar a adoção de um tribunal para a seguridade social (à
semelhança dos tribunals do Reino Unido e da Austrália)
para substituir o atual sistema de adjudicação nos litígios
envolvendo a seguridade social.
Palavras-chave: justiça administrativa; jurisdição admin-
istrativa; revisão judicial; processo administrativo; Direito
comparado.
SUMÁRIO
1. Introdução; 2. Três Fases, Quatro Variáveis e Cinco Modelos; 3. Descrição Detalhada dos Modelos; 3.1.
Modelo 1: Funções combinadas / Audiência adversarial / Revisão judicial fechada em cortes de compe-
tência comum – Os Estados Unidos; 3.2. Modelo 2: Decisão inicial e reconsideração inquisitórias – União
Europeia; 3.3. Modelo 3: Tribunals – Reino Unido, Austrália; 3.4. Modelo 4: Revisão Judicial Aberta – Chi-
na, Argentina e Japão; 3.5. Modelo 5: Revisão judicial em cortes especializadas – França e Alemanha; 4.
Avaliando e transplantando sistemas de adjudicação; 5. Conclusão; 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Os sistemas de regulação governamental e de distribuição de benefícios geram
disputas entre o governo e os particulares. Essas disputas podem envolver a negati-
va de um pedido de concessão de benefícios governamentais, uma decisão sancio-
natória, como a imposição de uma multa civil ou a revogação de uma licença, ou uma
ação regulatória que obrigue um particular a fazer ou deixar de fazer algo. O direito
Untitled-1 130 22/10/2018 17:35:06
Cinco modelos de adjudicação administrativa (Justiça Administrativa)
131
Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 4, n. 1, p. 129-165, jan./abr. 2017.
administrativo deve prescrever um sistema de adjudicação que resolva essas disputas
de um modo correto, justo e eciente.1
Pela expressão “adjudicação administrativa” rero-me a todo sistema de solução
de conitos individuais entre particulares e agências administrativas governamentais
(government administrative agencies),2 começando com a investigação administrativa
e a decisão preliminar da agência (agency’s preliminary or “front-line” decision3), pros-
seguindo com o processo pelo qual o particular desaa essa decisão preliminar e con-
cluindo com a revisão judicial.4
Uma lista dos tipos de adjudicação administrativa poderia ser quase innita.
Apenas para mencionar alguns: estaria realmente incapacitado o requerente de um be-
nefício? Estaria em perigo um não cidadão caso viesse a ser deportado para o seu país
de origem? Teria um professor assediado sexualmente um estudante? Teria o titular de
uma licença infringido a legislação ambiental? Teria um corretor de ações cometido
fraude contra os consumidores? Se uma agência nega um benefício ou impõe uma san-
ção ou outra limitação administrativa, o que fazer? Se alguma infração é identicada,
quais são as consequências? Deveria um professor ser demitido? Deveria uma licença
ser revogada? Poderia a agência exigir uma multa? A maioria desses casos exige uma
solução de disputas versando sobre fatos adjudicáveis,5 a aplicação das leis aos fatos,
ou o exercício da discricionariedade administrativa,6 ao invés de questões de direito ou
de política pública.
Os sistemas estabelecidos pelos países para resolução desses conitos variam
muito e são de difícil comparação. Este artigo destaca cinco modelos utilizados por
diversos países que podem facilitar o exercício dessa comparação.
A adjudicação administrativa é um tema importante e que merece uma maior
atenção acadêmica do que efetivamente recebe. De fato, a adjudicação não é a área
1 Na maioria dos países funcionários da Administração solucionam disputas entre particulares (e também as
disputas entre particulares e o governo). As cortes são sensíveis ao risco que a atribuição da tarefa de decidir
os conitos envolvendo particulares e agências pode representar ameaça aos poderes judiciais. Este artigo não
discute a forma como os diferentes países enfrentam essa tensão. Do mesmo modo, o artigo não discute ações
administrativas de caráter geral, como a elaboração de normas. Ele também não trata das disputas que são
direcionadas às cortes, e não às agências administrativas, para a decisão inicial, como as demandas propostas
contra o governo envolvendo responsabilidade civil ou contratual.
2 Uso o termo “agência (agency)” na acepção em que ele é usado no direito dos EUA, signicando uma unidade
governamental (diferente de uma corte ou de um órgão legislativo) com poder delegado para afetar direitos
e obrigações através da elaboração de normas, adjudicação ou funções similares. O termo inclui unidades
governamentais de várias espécies usadas pelo mundo, incluindo ministérios e departamentos.
3 Ver nota 8.
4 Em muitos países as decisões administrativas de adjudicação proferidas pelas agências governamentais são
referidas como “atos administrativos”, “decisões” ou “atos unilaterais”.
5 Uso o termo “adjudicative facts para me referir àqueles que têm relação especíca com as partes envolvidas
na controvérsia, em oposição a “legislative facts que são aqueles de aplicação geral.
6 Uso o termo “discretion” para me referir à prerrogativa de uma agência de fazer escolhas entre alternativas na
aplicação de uma norma, como, por exemplo, na decisão sobre a intensidade de uma sanção.
Untitled-1 131 22/10/2018 17:35:06

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT