Classificação social, modernidade/colonialidade e relações de gênero: uma abordagem decolonial do rompimento do tecido comunitário dos Povos Tupinambás

AutorVictória Taglialegna Salles, Rainer Bomfim, Margareth Diniz
CargoBacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS)/Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)/Pós-doutora em Educação Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e PUC MINAS
Páginas195-214
Criminalidade, desigualdade social
e penalização de adolescentes e jovens
195
Direito, Estado e Sociedade n. 61 jul/dez 2022
195
Classificação social,
modernidade/colonialidade e relações de
gênero: uma abordagem decolonial do
rompimento do tecido comunitário dos Povos
Tupinambás
Social classification, modernity/coloniality and gender
relations: decolonial approach to the disruption of the Povos
Tupinambás community web
Victória Taglialegna Salles*
Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto MG, Brasil
Rainer Bomfim**
Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto MG, Brasil
Margareth Diniz***
Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto MG, Brasil
* Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Mestranda em Direito pelo
Programa “Novos Direitos, Novos Sujeitos”, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Pesquisadora bolsista
CAPES. Membro do Grupo de Pesquisas “Ressaber – Estudos Decoloniais”. E-mail: victoriataglialegna@gmail.com.
** Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Mestrando em Direito pelo Programa “Novos
Direitos, Novos Sujeitos”, da Universidade Fed eral de Ouro Preto (UFOP). Membro do Grupo de Pesquisas
“Ressaber – Estudos Decoloniais”. E-mail: rainerbomfim@outlook.com.
*** Pós-doutora em Educação Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e PUC MINAS. Doutora e mestre em
Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bacharela em Educação pela PUC MINAS. Professora
adjunta da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), coordenadora do Observatório de Pesquisa Educacional
CAPES/FAPEMIG e líder do grupo de pesquisa Caleidoscópio UFOP/CNPQ. E-mail: dinizmargareth@gmail.com.
Direito, Estado e Sociedade n. 61 jul/dez 2022
196
1. Introdução
A classificação social imposta pelo modelo europeu hegemônico sobre as Américas em razão
do sistema de pr odução capitalista ocultou a história dos povos tradicionais
542
543
que aqui
se encontravam/encontram e sua forma relacional, tendo como uma de suas diversas
consequências a ruptura do tecido comunitário
544
das aldeias a partir de uma matriz de
poder, que impede a assunção da descontinuidade dessas comunidades fora do denominado
padrão social moderno
545
.
Compreender as relações de gênero e as modificações das comunidades indígenas
resultantes da colonialidade de poder é de suma importância em razão da expansão e
anexação do território das Américas, bem como analisar hipóteses para recuperar sua forma
interna de convivência a partir da transformação imposta no mundo -aldeia
546
, uma vez que
as relações de gênero, como demonstraremos, também foram impactadas a partir da
intrusão da ordem colonial/moderna nas comunidades da América Latina.
A imposição de um padrão definido pela modernidade/colonialidade teve por
consequência a determinação aos indivíduos que desempenhavam formas de
542
Paul Little (2004) afirma que o conceito de povos tradicionais está ligado primeiramente a uma razão histórica
regime de propriedade comum, sentido de pertencimento a um lugar específico e profundidade histórica da
ocupação guardada na memória coletiva. Surgiu no intuito de unir grupos sociais que defendem seus territórios em
coalizão com o apoderamento ilícito do Estado-nação, bem como para ambientalistas e preservacionistas lidarem
com grupos sociais residentes em Unidades de Conservação de Proteção Integral. Outro ponto abordado no contexto
ambientalista refere-se à proximidade entre socioambientalistas e grupos diversos que mostraram historicamente
outras formas de exploração dos recursos naturais de forma sustentável, proporcionando formas de gestão coletiva
do território. A partir dos debates sobre autonomia territorial o termo foi abordado politicamente e exemplificado
pela Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relacionando-o aos debates sobre direitos
dos povos. O conceito povos tradicionais oferece uma análise que une a existência de propriedades em comum, o
sentido de pertencimento a um lugar, a procura de autonomia cultural e práticas adaptativas sustentáveis,
possibilitando encontrar semelhanças na diversidade fundiária do Brasil, enquanto se insere no meio das lutas
territoriais aqui presentes. Separados, a palavra povos traz o debate sobre os direitos desses povos, que são
transformados como instrumento nas lutas por justiça social, tendo por objetivo o reconhecimento da legitimidade
dos regimes de propriedade e das leis que os fundamentam. A palavra tradicional tende a associá-la a noção de
imobilidade histórica e atraso econômico, mas ao mesmo tempo refere-se a realidades fundiárias plenamente
modernas, relativa às tradições culturais que se atualizam e se mantém em uma dinâmica de transformação (LITTLE,
2004, pp. 282-284).
543
Quanto a vertente jurídica do termo, sua inserção deu-se por meio de um decreto federal e nos termos artigo 1°
da Convenção n° 169 da OIT. O Decreto-Lei n° 6.040/2007 institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais e os conceitua em seu artigo 3°, inciso I, sendo povos e comunidades
tradicionais grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de
organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela
tradição (BRASIL, 2007). Conforme recorte metodológico do presente trabalho científico, os povos tradicionais que
nos referimos são os indígenas brasileiros.
544
Tecido comunitário é toda organização social das comunidades indígenas formadas por meio de uma relação
complementar e não hierárquica entre elas. Este processo histórico antecede à colonialidade, conforme
demonstraremos no decorrer do texto.
545
Entendemos por padrão social aquele imposto nos moldes europeus, considerado como acei tável a partir da
construção da família burguesa branca, binária e que adota o sistema econômico capitalista como modelo de produção
econômica.
546
Mundo-aldeia refere-se às realidades que caminham junto e ao lado do mundo sob a intervenção da modernidade
colonial e que, ao serem influenciadas pelo processo de colonização, tanto metropolitano, como republicano, foram
prejudicadas. Conceito que se opõe ao denominado mundo-Estado (SEGATO, 2012, p. 10).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT