O Código Florestal de 2012 sob a ótica do Supremo Tribunal Federal: a consolidação do retrocesso socioambiental

AutorDanielle de Andrade Moreira, Daniela Marques de Carvalho de Oliveira, Letícia Maria Rêgo Teixeira Lima
CargoDoutora e Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com atuação junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito e ao Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (NIMA/PUC-Rio). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no ...
Páginas291-324
Revista de Direito da Cidade vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2021.44459
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Revista de Direito da Cidade, vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721. pp.314-347 337
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consolidadas,
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assim como para a manutenção e recomposição das RLs em áreas consolidadas.
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Em resumo, o STF considerou constitucional o estabelecimento de dois regimes jurídicos
diferentes, quais sejam: (i) o regime mais rigoroso, com parâmetros mais protetivos e com maiores
restrições à supressão de vegetação, aplica-se como regra geral àquelas propriedades em que a legislação
florestal foi regularmente cumprida até 22/0 7/2008; (ii) o regime mais permissivo, com parâmetros bem
menos protetivos e com menores restrições à ocupa ção de APPs, aplica-s e, ironicamente e de modo não
isonômico, àquelas propri edades que apresentem ocupação antrópica (com edificações, benfeitorias ou
atividades agrossilvipastoris) irregular, por vezes criminosa e caracterizada como dano ambiental, desde
que a irregularidade seja preexistente a 22/07/2008.
Foi declarada a constitucionalidade dos a rtigos 61 -A, 61-B, 61-C, 63 e 67, s ob o fundamento de
que ao Poder Legislativo caberia legitimidade constitucional para criação de regimes de transição entre
marcos regulatórios, considerando que os artigos mencionados abordam apenas critérios para
recomposição da vegetação, sem levar em consideração o flagrante desrespeito ao princípio da isonomia
ao diferenciar parâmetros de proteção ambiental. D a mesma forma, ao considerar válido o critério do
tamanho da propriedade para cálculo da metragem da área a ser recomposta, ignorou-se por completo o
princípio da vedação ao retrocesso, posto que se legitimou o desmatamento ilegal ocorrido anteriormente
ao marco temporal de 22/07/2008, assim como foram reduzidos substancialmente padrões mínimos de
proteção ambiental, que já se encontravam estabelecidos e em vigor pela legislação revogada pelo atual
Código Florestal (BRASIL, 2019b, p. 19).
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Fachin e Ricardo Lewandowski, reconhecer a constitucionalidade do art. 61- 
p. 671-672).
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O STF decidiu, por maioria, vencidos os Ministros Marco Auréli o, Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo
            
Ministros Marco Aurélio, Edson Fachin, e, em parte, o M inistro Ricardo Lewandowski, reconhecer a
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Fachin, e, em parte, o Ministro Ricardo Lewandowski, reconhecer a constitucionalidade do art. 66, § 6º, do Código
Florestal
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em parte, o Ministro Edson Fachin, r
p. 665).
Revista de Direito da Cidade vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721
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Como o artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal institui a tríplice responsabilização
ambiental (penal, administrativa e civil) para aqueles que praticarem condutas lesivas ao meio ambiente,

ter considerada a incompatibilidade dos artigos 59 e seguintes da Lei 12.651/2012 com a normativa
constitucional. Em outras palavras: a suspensão de penalidades administrativas ou criminais, seguida da
sua extinção em razão do cumprimento de obrigações estabelecidas no PRA ou no termo de compromisso,
não deveria afastar o dever constitucional, autônomo, de recuperação do dano ambiental causado.
Ocorre que a Lei 12.651/2012, ao estabelecer parâmetros mais flexíveis para a regularização do uso de

do dano ambiental, e, também, autorizar uso que compromete a integridade dos atributos que justificam
a proteção esperada para o espaço protegido (seja APP ou RL), em dissonância com o disposto no
parágrafo 1º, inciso III, e 3º, do artigo 225 da Constituição Federal. Soma-se a isso, mais uma vez, a violação
ao princípio da isonomia, já que padrões protetivos mais rigorosos continuam sendo exigidos em
propriedades que, regularmente, sempre observaram e respeitaram a legislação florestal.
Dentre os dispositivos que receberam interpretação conforme, de modo a afastar sua
inconstitucionalidade, merecem destaque os artigos 3º, incisos XVII e XVIII, e 4º, inciso IV, da Lei
12.651/2012,
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Neste caso, o STF fixou o entendimento de que são áreas de preservação permanente o entorno de
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40
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; XVIII -     
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[...] IV - as áreas no entorno das nas
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Cármen Lúcia (Presidente), dar interpretação conforme a Constituição ao art. 3º, XVII, do Código Florestal, para fixar
a interpretação de que os entornos das nascentes e dos olhos d´água intermitentes configuram área de preservação

fixar a interpretação de que os entornos das nascentes e dos olhos d'água intermitentes configuram área de
preservação ambiental, vencidos o Ministro Gilmar Mendes e, em parte, os Ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia

Revista de Direito da Cidade vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2021.44459
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Quanto à intervenção excepcional em APPs por interesse social ou utilidade pública, prevista no
artigo 8º da Lei 12.651/2012,
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o STF determinou que esta fica condicionada também à in existência de
alternativa técnica ou locacional à atividade proposta.
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Além disso, foram reduzidos os casos
ódigo, tendo sido
excluídas da lista, por inconstitucionais, as obras de gestão de resíduos e as vinculadas à realização de
competições esportivas.
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Sem a pretensão de esgotar a análise do julgamento final sobre cada dispositivo reputado
inconstitucional nas ações propostas, deve-se destacar que a declaração d e inconstitucionalidade se
limitou a questões pontuais do Código Florestal, enquanto assuntos sensíveis, como a anistia de infratores
ambientais da obrigação de recuperar integralmente os pas sivos de Reserva Legal e Área de Preservação
Permanente, foram validados pelo STF. Como já destacado, a legitimação e a perpetuação dos danos
ambientais foram confirmadas a partir do momento em que se considerou constitucional a existência de
dois regimes jurídi cos diferentes de proteção das APPs e RLs, sendo o mais rigoroso exigido como regra
geral e o mais brando e menos protetivo exigido em áreas consolidadas, submetidas à supressão irregular
de sua vegetação até o dia 22/07/2008.
Deve-se destacar, ainda, que, nos termos do voto do Ministro Relator Luiz Fux, a aplicação do
princípio da vedação ao retrocesso, no caso em tela, foi rechaçada sem debate aprofundado a respeito da
teoria que embasa o princípio e em descompasso com a própria interpretação do Supremo Tribunal
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somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de i nteresse social ou de baixo impacto ambiental previstas

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Decidiu-    
modo a se condicionar a intervenção excepcional em APP, por interesse social ou utilidade pública, à inexistência de
alternativa técnica e/ou locacional à atividade proposta, vencidos, em parte, os Ministros Gilmar Mendes e Celso de

44
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            
necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou i nternaciona


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