Colação

AutorLeandro Reinaldo da Cunha
Páginas3-120
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COLAÇÃO
O ordenamento jurídico pátrio trata da colação (ou conferência) do art. 2.002
ao 2.012 do atual Código Civil, sendo de se entender o instituto, em linhas pano-
râmicas, como o dever do herdeiro de trazer para o inventário os bens recebidos do
falecido em antecipação da herança, com o objetivo de igualar as legítimas.
A expressão colação tem origem no latim collatio, que signif‌ica ajuntamento,
encontro, agregação, oriundo do termo collatum, derivado do verbo conferre, que em
português é sinônimo da palavra conferência, e que há de ser entendida por reunir,
trazer juntamente, ajuntar, agregar1.
Originada na collatio emancipati ou collatio bonorum criada pelos pretores em
Roma2, funda-se na presumida vontade do falecido de dispensar aos f‌ilhos perfeita
igualdade de tratamento”3. A colação (collatio bonorum) tinha lugar quando o sujeito
falecia sem deixar testamento (ab intestato) e se chamava a sucedê-lo seus herdeiros,
passando-se, também, a chamar à sucessão seus f‌ilhos emancipados além daqueles
que estivessem sujeitos ao seu pátrio poder (bonorum possessio ab intestato y bonorum
possessio contra tabulas)4.
A inclusão dos emancipados se impunha para evitar injustiças quando da divisão
do patrimônio, fazendo com que eles restituíssem à massa hereditária as benesses
recebidas entre o momento da emancipação e a morte do pater famílias, fundando
o pretor (Séc. I d.C) seu entendimento no fato de que não fosse a emancipação tais
bens integrariam o patrimônio do falecido segundo as regras do Direito Romano
vigentes à época.
Assim, visando evitar as disparidades decorrentes do fato de os emancipados
poderem adquirir a propriedade de toda sorte de bens e direitos para si enquanto tais
atos dos não emancipados revertiam em proveito do pater familia, os que estavam
sob o poder familiar podiam exigir daqueles parte do que conseguiram enquanto
1. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 614.
2. FERREIRA, Nelson Pinto. Da colação no direito civil brasileiro e no direito civil comparado. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2002, p. 8.
3. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. 25. ed. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 450. v. 6.
4. FERREIRA, Nelson Pinto. Da colação no direito civil brasileiro e no direito civil comparado. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2002, p. 9.
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SUCESSÕES: COLAÇÃO E SONEGADOS • Leandro reinaLdo da Cunha
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emancipados5, sendo que, posteriormente, se estendeu tal imposição até a mulher
do indivíduo, dando ensejo à collatio dotis.
Foi com o Imperador Justiniano (527 a 656 d.C.) que a colação atingiu, no
período romanístico, seu ponto de maior completude, com a f‌ixação de que caberia
a todos os descendentes benef‌iciados com liberalidades em vida do de cujos o dever
de devolvê-las ao monte partível a f‌im de evitar desigualdades6. Note-se, portanto,
que a origem da colação vincula-se à atividade pretoriana com o intuito de buscar
uma equidade que não se fazia presente nas XII Tábuas, e que conferiu maior mo-
dernidade ao direito romano, ante a introdução de uma ordem sucessória nova que
atingia indivíduos até então ignorados7.
Já superada essa fase inicial, Teixeira de Freitas ressaltava que na vigência das
Ordenações conferia-se aos f‌ilhos a quem se atribuíra doação ou dote a possibilida-
de de abster-se da herança e f‌icar com o objeto da liberalidade8, sendo tal hipótese
inserida na sua Consolidação das Leis Civis no art. 1.1969.
Nas palavras de Itabaiana de Oliveira, ainda sob a égide do Código Civil ante-
rior, a colação poderia ser def‌inida como o “ato pelo qual os herdeiros descendentes,
concorrendo à sucessão do ascendente comum, são obrigados a conferir, sob pena de
sonegados, as doações e dotes, que dele em vida receberam, a f‌im de serem igualadas
as respectivas legítimas”10.
Diversos são os fundamentos trazidos pela doutrina para sustentar o dever de
colacionar11, transitando da vontade presumida do ascendente à compropriedade
familiar e ao interesse superior da família, mas a perspectiva da antecipação da herança
e da igualdade entre os descendentes são as diretrizes que melhor se enquadram no
disposto em nosso ordenamento jurídico12.
Todavia, em que pese tais variáveis, o art. 2.003 expressamente af‌irma que a
colação tem por f‌im igualar as legítimas, revelando que a natureza da colação está
essencialmente vinculada ao princípio da igualdade que preconiza a obrigação dos
herdeiros de partilharem em igualdade absoluta, que perpassa pela presunção de que
5. FERREIRA, Nelson Pinto. Da colação no direito civil brasileiro e no direito civil comparado. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2002, p. 12.
6. MOREIRA, José Carlos Alves. Direito Romano. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 840-842.
7. FERREIRA, Nelson Pinto. Da colação no direito civil brasileiro e no direito civil comparado. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2002, p. 8.
8. FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis. Ed. fac-sim. Brasília: Senado Federal, 2008. 2.
v. p. 689.
9. Art. 1196. Os f‌ilhos dotados pelo pai, ou pela mãi, ou por ambos juntamente, ou que delles receberão
doações, podem abstêr-se da herança, ou concorrer á partilha della com seus irmãos.
10. ITABAIANA DE OLIVEIRA, Arthur Vasco. Tratado de Direito das Sucessões. São Paulo: Max Limonad, 1952,
p. 824.
11. Para um maior aprofundamento quanto as diversas teorias que envolvem a natureza jurídica da colação
sugere-se: FERREIRA, Nelson Pinto. Da colação no direito civil brasileiro e no direito civil comparado. São
Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 41 e ss.
12. GOMES, Orlando. Sucessões. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 226.
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o autor da herança “tem para com seus herdeiros igual afeto”13, surgindo a colação
como “meio de emendar a ofensa à igualdade” operada por liberalidade realizada
em favor de um dos coerdeiros14.
Na legislação nacional a colação é instituto afeito à sucessão legítima, não
fazendo com que herdeiros testamentários ou legatários sejam atingidos por ele,
face à compreensão básica de que tem por f‌inalidade a equiparação das legítimas
garantidas aos herdeiros necessários. Assim, determina que doações recebidas sejam
consideradas como antecipação da herança e que tais liberalidades gerem ref‌lexos
na partilha a ser realizada.
Contudo a questão não é desprovida de dif‌iculdades, pois além da comple-
xidade inerente às características técnicas da colação há ainda que se considerar a
incidência do elemento temporal na realidade fática que a permeia. A possibilidade
da existência de um considerável lapso temporal entre a liberalidade e a abertura da
sucessão pode dar azo a inúmeros questionamentos que podem vincular-se a um
eventual esquecimento da ocorrência da doação, ou a uma alteração signif‌icativa
da condição patrimonial do doador, ou mesmo a um aumento de sua prole oriundo
de novos relacionamentos15.
A colação ao mesmo tempo que compele os donatários designados na lei a
colacionar também impele os benef‌iciários de liberalidades à obrigação de trazer à
sucessão as benesses recebidas, f‌irmando uma série de consequências para o des-
cumprimento de tal dever.
Nos termos da lei os herdeiros, com a abertura do inventário, têm a incumbên-
cia de informar os bens do falecido que encontram-se em seu poder, bem como os
que tenha recebido em adiantamento de herança, ou que tenha conhecimento que
estejam sob o poder de terceiros quando instados a manifestarem-se em sede de
inventário, sob pena da imposição de sanções.
Tem-se, portanto, que a essência da colação reside em se aferir o que o herdeiro
necessário recebeu a título de doação do falecido para que tal benesse seja consi-
derada quando da partilha do patrimônio, visando a equiparação das legítimas.
Contudo, adjacente a essa ideia nuclear, existe um grande contingente de aspectos
que precisam ser apreciados para se atribuir ao instituto os exatos limites f‌ixados
pelo ordenamento jurídico brasileiro.
13. FERREIRA, Nelson Pinto. Da colação no direito civil brasileiro e no direito civil comparado. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2002, p. 42.
14. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 615.
15. ARNT RAMOS, André Luiz; ALTHEIM, Roberto. Colação Hereditária e Legislação Irresponsável: Desca-
minhos da Segurança Jurídica no Âmbito Sucessório. Revista Eletrônica Direito e Sociedades, v. 6, n. 1, 2018,
p. 34.
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