Demais consequências do não retorno do objeto da doação em antecipação de herança para a partilha

AutorLeandro Reinaldo da Cunha
Páginas157-178
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DEMAIS CONSEQUÊNCIAS
DO NÃO RETORNO DO OBJETO DA
DOAÇÃO EM ANTECIPAÇÃO
DE HERANÇA PARA A PARTILHA
Como já consignado, tem-se a sensação de que o dever de colacionar não é ob-
jeto de muita atenção na prática, havendo um certo descaso com o direito sucessório
como um todo ante a uma falsa ideia de que se trata simplesmente de se fazer uma
divisão aritmética entre os herdeiros do que foi deixado pelo falecido e nada mais.
Contudo aqueles que têm a perfeita compreensão do sistema sucessório como
um todo sabem que se trata de algo realmente complexo e que depende de uma aten-
ção elevada para que não se corra o risco de agir de forma imperita no trato de tema.
Os poucos que se lembram da existência do dever de colacionar normalmente
o associam apenas com a pena de sonegados caso não seja cumprido, desconside-
rando as demais consequências que podem decorrer de tal omissão, de sorte que se
faz imprescindível trazer aqui tais hipóteses.
Como desenvolvido no presente trabalho a pena de sonegados tem o fulcro
de gerar uma sanção no âmbito do direito sucessório para o caso do sujeito não
cumprir com o dever de colacionar, todavia isso não o exime de consequências que
atingem outras esferas do direito. Nessa senda pontua-se de plano que aqui não se
deitará sobre as possíveis consequências penais, já que eventualmente a conduta de
não colacionar poderia conf‌igurar crime (apropriação indébita ou do estelionato),
atendo-se apenas à perspectiva civil atinente ao tema.
Evidente que o elemento mais clássico atrelado ao ato de não colacionar é uma
sanção ou pena civil1 de natureza sucessória que pode não ser a única consequência
para a conduta indevida do herdeiro/donatário, fazendo-se imprescindível se pensar
nos demais desdobramentos decorrentes da omissão do benef‌iciário da liberalidade
em antecipação da herança, oriundas do fato em si, e que não são suplantadas pela
imposição da pena de sonegados.
Assim, é de se entender que a perda do bem sonegado ou a condição de inven-
tariante podem não ser os únicos desdobramentos para o herdeiro/donatário por
1. GOMES, Orlando. Sucessões. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 238.
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SUCESSÕES: COLAÇÃO E SONEGADOS • Leandro reinaLdo da Cunha
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não colacionar, havendo de ser apreciado se tal conduta não conduziu o sonegador
a benefícios indevidos.
As situações que não são atingidas pela pena de sonegados, mas que encerram
em si deveres decorrentes do fato de não terem sido considerados na sucessão os
bens recebidos a título de doação não podem restar incólumes, de forma que se
passa a tecer algumas considerações que se assentam fora do escopo dos sonegados.
4.1 SOBREPARTILHA
Tudo o que não tenha sido objeto da partilha no inventário originalmente
realizado é passível de ser posteriormente atribuído aos herdeiros por meio da
sobrepartilha. Inicialmente é de se pontuar que a sobrepartilha não dá azo a qual-
quer sorte de desfazimento da partilha realizada, mas apenas sana uma questão
ignorada anteriormente, ensejando uma complementação daquele inventário que
já se encerrou.
Uma das situações em que podemos considerar a necessidade da realização da
sobrepartilha é exatamente quando da condenação do herdeiro/donatário na pena de
sonegados, vez que os bens não colacionados deverão reverter ao monte partível, ante
a sua restituição ao espólio”2 para a sobrepartilha, bem como quaisquer outros bens
da herança a que se venha a ter conhecimento após a partilha, como assevera o art.
2.022 do Código Civil3, o que é replicado no art. 669, I do Código de Processo Civil4.
Para a sobrepartilha serão aplicados todos os conceitos reservados para o pro-
cesso de inventário e de partilha, prevalecendo o prazo de 10 (dez) anos para que o
interessado exerça tal pretensão, contados do momento em que se tomou conheci-
mento da existência do bem a ser colacionado ou da decisão da ação de sonegados.
Até mesmo em caso de não condenação na pena de sonegados há a hipótese
em que se faz imperioso que se restitua o bem aos herdeiros para a realização de
sua partilha quando na posse de outrem, como se pode constar nos casos em que
o herdeiro/donatário venha a falecer e, ante a natureza personalíssima da pena de
sonegados, seus herdeiros não possam vir a ser por ela atingidos. O fato de não se
2. VELOSO, Zeno. In: TAVARES, Regina Beatriz (Coord.). Novo Código Civil comentado. 9. ed. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 1928.
3. Art. 2.022. Ficam sujeitos a sobrepartilha os bens sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se
tiver ciência após a partilha.
4. Art. 669. São sujeitos à sobrepartilha os bens:
I – sonegados;
II – da herança descobertos após a partilha;
III – litigiosos, assim como os de liquidação difícil ou morosa;
IV – situados em lugar remoto da sede do juízo onde se processa o inventário.
Parágrafo único. Os bens mencionados nos incisos III e IV serão reservados à sobrepartilha sob a guarda e
a administração do mesmo ou de diverso inventariante, a consentimento da maioria dos herdeiros.
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