Negociação coletiva e boa-fé objetiva

AutorRenato Rua de Almeida
Ocupação do AutorAdvogado trabalhista. Professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da PUC-SP. Doutor em Direito pela Universidade de Paris I-Panthéon-Sorbonne. Membro da ANDT e do IBDSCJ. Ex-advogado de Sindicatos de Trabalhadores
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1. Introdução

É preciso ressaltar a importância da negociação coletiva como procedimento tendente à regulação das relações de trabalho.

Para tanto, a negociação coletiva necessita de determinados pressupostos, tais como a liberdade sindical, examinada não apenas em seu aspecto conceitual, mas também como atividade dos trabalhadores organizados.

Há pressupostos ainda a serem alcançados no ordenamento jurídico brasileiro, para que a negociação coletiva possa atingir seu objetivo entre nós?

Enquanto não forem alcançados esses pressupostos, ficam ao menos parcialmente prejudicados os requisitos da boa-fé objetiva para conseguirmos a efetividade da negociação coletiva?

Em que termos, mesmo sem serem alcançados os pressupostos necessários para a plena efetividade da negociação coletiva, a boa-fé objetiva poderá contribuir para que a negociação coletiva seja mais bem aplicada no Brasil?

Essas questões introdutórias serão examinadas no corpo da presente exposição, compreendendo primeiramente a importância da negociação coletiva no contexto atual do mundo do trabalho, em segundo lugar a questão dos pressupostos necessários para a efetividade da negociação coletiva, e, por fim, o exame da boa-fé objetiva como instrumento complementar de efetividade da negociação coletiva.

2. Importância da negociação coletiva na atualidade

Alain Supiot, em obra denominada "Homo Juridicus", traduzida e publicada pela Editora Martins Fontes, afirma que, na conformidade da lição de Habermas, que conceitua o direito como uma "teoria da comunicação", em que se localiza o fenômeno da procedimentalização do direito, como resultado do caminho da regulamentação (normas heterônomas) para a regulação (normas autorreguladas

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pelos sujeitos das relações jurídicas privadas), a negociação coletiva, no direito do trabalho, é, por excelência, a expressão desse fenômeno jurídico contemporâneo.

Já previa Georges Scelle, em 1927, que, no âmbito do direito do trabalho, as relações jurídicas seriam, no futuro, reguladas pelas partes, como no passado foram reguladas pelo patrão, e, à época em que escreveu seu "Précis de Législation Indus-trielle", eram regulamentadas pelo Estado, resultando o famoso jargão "ontem foi a lei do patrão, hoje a lei do Estado e amanhã a lei das partes".

A propósito, a Declaração da OIT de 1998 enumera entre os princípios e direitos fundamentais do trabalho a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo da negociação coletiva ao lado da eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, da efetiva abolição do trabalho infantil e da eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação, o que bem demonstra a importância da negociação coletiva nos dias de hoje.

A Constituição Federal de 1988 filtrou essa tendência em seu art. 7º, inciso XXVI, ao eleger e reconhecer a convenção e o acordo coletivo como direito fundamental social.

Aliás, o Brasil já ratificara a Convenção n. 98 de 1949 (sobre a promoção da negociação coletiva e autonomia sindical), e, posteriormente, as Convenções n. 135 de 1971 (sobre a representação dos trabalhadores na empresa) e 154 de 1991 (sobre negociação coletiva), todas da OIT, tendo em vista a efetividade da negociação coletiva.

Ademais, é oportuno ressaltar que a negociação coletiva descentraliza-se cada vez mais do campo de aplicação do ramo de atividade (categorias) para o âmbito da empresa.

A publicação da obra "Au-delà de l’emploi" pela Editora Flammarion, que é um relatório de juristas da União Europeia sobre o direito do trabalho, coordenado por Alain Supiot, ressalta essa tendência da descentralização da negociação coletiva para o nível da empresa.

Da mesma forma, esse fenômeno jurídico da descentralização do nível da negociação coletiva para o âmbito da empresa é ressaltado por António Monteiro Fernandes, em sua obra intitulada "Direito do Trabalho", publicada pela Editora Almedina.

E por quê?

Porque, conforme ressalta João Leal Amado em sua recente obra denominada "Contrato de trabalho", publicada pela Coimbra Editora, com suas próprias palavras, "o direito do trabalho é um produto da empresa moderna, constituindo a empresa o fulcro, o "princípio energético" deste ramo do direito.

A propósito, o artigo 2º do Código de Trabalho português de 2009 prevê que o principal instrumento da negociação coletiva é a...

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