É válida a negociação coletiva direta da empresa com o comitê de representantes dos trabalhadores sob a ótica dos direitos fundamentais?

AutorRodrigo Chagas Soares
Ocupação do AutorMestrando em Direito do Trabalho (PUC-SP), Professor Convidado de Direito do Curso de pós-graduação de Direito Sindical, de Direito Processual e do Trabalho da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - ESA/OAB-SP
Páginas101-116

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Ver nota 1

1. Introdução

Ainda que existam controvérsias, não é de hoje que a doutrina e jurisprudência vêm interpretando pela possibilidade de a empresa firmar diretamente com seus empregados um acordo coletivo sem a participação da entidade sindical. Muito embora haja entendimento pelo monopólio atribuído aos sindicatos para a negociação coletiva à guisa do art. 8º, VI, CF, há correntes, cada vez maiores, pela admissão de que um comitê de trabalhadores, eleito pelos próprios trabalhadores da empresa, negocie diretamente com o empregador sem a participação de entidade sindical.

É nesse contexto que se insere o presente artigo jurídico que colima dar viabilidade a uma negociação coletiva quando uma entidade sindical recusar em prosseguir a negociação coletiva, deixando os trabalhadores desamparados sem que haja um justo motivo, que será demonstrado ao longo deste trabalho.

É possível que depois de firmado um acordo diretamente entre empregados e empregadores, surja uma ação trabalhista ajuizada individualmente por um dos trabalhadores que ficou descontente com os termos ou mesmo uma demanda proposta pelo sindicato ou pelo Ministério Público do Trabalho.

Com o propósito de perquirir meios para dar validade ao instrumento celebrado diretamente com o comitê de representantes de empresas é que se entende pela possibilidade de socorro do Judiciário e do próprio Ministério Público do Trabalho

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que, conquanto se entenda pela não interferência estatal nas relações coletivas, é a válvula de escape da qual o empregador e empregados poderão se socorrer quando um sindicato deixa de cumprir com a sua finalidade instituída no art. 8º, III, CF.

2. Teoria dos direitos fundamentais sobre o direito de representação dos trabalhadores nas empresas

A Organização Internacional do Trabalho aprovou na 56ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra - 1971), com entrada em vigor no plano internacional em 30.6.73, a Convenção n. 135 que versa sobre a proteção de representantes de trabalhadores.

Nada obstante, na 67ª reunião, em 1981, vigorando internacionalmente em 11.8.83, a OIT aprovou a Convenção n. 154 que preconiza sobre o "Fomento à Negociação Coletiva", ratificada pelo Decreto n. 1.256/94. Ambas tratando sobre a negociação coletiva e sua forma de aplicação.

Combinado a isso, a OIT assinou, aos 19.6.98, a Declaração sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho, que em seu item 2 resta declarado que "o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva" é princípio relativo ao direito fundamental, sendo que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado determinadas convenções, têm um compromisso derivado de respeitar, promover e tornar realidade esses direitos fundamentais2.

O Brasil ratificou a Convenção n. 135 por meio do Decreto n. 131, de 22.5.91, com vigência nacional a partir de 18 de maio de 1991. O art. 3º da referida norma internacional3 define representantes dos trabalhadores que podem ser: sindicais ou representantes eleitos, tema que será aprofundado mais adiante. Porém, o que se afere é a proteção dada pela OIT ao direito de negociação coletiva, reconhecendo-a como direito fundamental.

De igual maneira, quis o constituinte brasileiro inserir o direito de representação dos trabalhadores para promoção de entendimento direto com o empregador, inserto

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no art. 11, CF, dentro do Título II que versa sobre os "Direitos e garantias fundamentais", alçando essa negociação de representantes dos trabalhadores ao patamar de garantia fundamental, tal como preconizado pela OIT.

O debate doutrinário que será demonstrado e se impõe em torno do assunto é a necessidade de participação ou não de representante sindical no referido comitê de trabalhadores nas empresas. A negociação coletiva e a representação de trabalhadores nas empresas é uma garantia fundamental de eficácia plena à guisa, dentre outros, do §1º, do art. 5º, CF4.

3. Comitê de representantes de empresas e o justo motivo da recusa pelo sindicato

A discussão quanto à descentralização ou centralização das negociações cole-tivas precede a questão do Comitê de Representantes de Empresas que tem o seu nascedouro na era pós-fordista. Em um período mais recente, a globalização alterou o modo de produção e de trabalho, impactando nas relações trabalhistas tal como leciona Túlio de Oliveira Massoni5:

A reestruturação produtiva, sob a lógica de mundialização do capital, tende a impulsionar as metamorfoses do trabalho industrial e a fragmentação da classe trabalhadora. A investigação das principais causas da crise apontadas por sociólogos do trabalho, economistas, cientistas políticos e juristas é extremamente necessária na medida em que somente a partir da identificação das mesmas é que poderão ser formuladas e avaliadas as propostas e as alternativas para a superação da crise de que ora se cuida.

Aspectos históricos demonstram o surgimento desta descentralização6: a) surgimento do outsourcing como uma opção de gerenciamento mais viável, com a fragmentação da cadeia de produção em diferentes empresas de modo a resultar em sérias dificuldades para a representatividade de sindicatos profissionais ante a fragmentação de trabalhadores em categorias que pressiona, por sua vez, a negociação coletiva em direção a níveis mais específicos, reduzindo o campo de projeção dos ajustes coletivos e favorecendo a descentralização; b) aumento da competição internacional que leva empresas a se interessarem por sistemas de remuneração mais flexíveis e condicionados ao desempenho individual; c) o declínio do sindicalismo relacionado com a migração dos postos de trabalho das empresas e categorias de alta representatividade sindical para novas empresas e categorias, normalmente sem história de representatividade sindical, em virtude da expansão do outsourcing.

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O aumento da competição internacional que leva empresas a se interessarem por sistemas de remuneração mais flexíveis e condicionados ao desempenho individual, que muito embora se refira às representações internas de trabalhadores, é certo que o TST vem se desdobrando para corrigir as imperfeições do surgimento de sindicatos que colimam reduzir direitos a pretexto de fracionamento sindical (dissociação ou desmembramento). Para tanto, o TST vem aplicando os Princípios da Agregação e da Anterioridade que, em apertada síntese, o mais legítimo e representativo seria o sindicato que agrega categoria profissional mais larga e abrangente (agregação) e, em caso de dúvida sobre qual entidade sindical é mais representativa, considera-se como tal aquele que é mais antigo (anterioridade), in verbis:

... a diretriz da especialização pode ser útil para a análise de certos aspectos de outras relações jurídicas, sendo, porém incompatível para a investigação da estrutura sindical mais legítima e representativa, apta a melhor realizar o critério da unicidade sindical determinado pela Constituição (art. 8º, I e II CF/88) e concretizar a consistência representativa que têm de possuir os sindicatos (art. 8º, III e VI CF/88). Para a investigação sobre a legitimidade e a representatividade dos sindicatos torna-se imprescindível, portanto, o manejo efetivo e proporcional do princípio da agregação, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho. (TST RR 126600-88.2010.5.16.0020, 3ª Turma, Min. rel. Mauricio Godinho Delgado, julgamento em 26.6.2013, DJe 1º.7.2013)

Essa crise do sindicalismo brasileiro que fomenta a representação interna de trabalhadores de uma empresa é detidamente analisada por Renato Rua de Almeida7 que, defendendo o caráter neocorporativista do modelo sindical brasileiro atualmente - também designado semicorporativista ou corporativista fora do Estado -, ensina que poderá haver a violação de direitos fundamentais dos trabalhadores em razão de exclusão ou omissão destes empregados da proteção sindical:

Ademais, esse nosso modelo de unicidade sindical, sustentado pelo sistema da categoria a priori e pela contribuição sindical compulsória, resulta-nos um sindicalismo monopolista autoritário, com a perpetuação no poder do grupo dominante (não há limite legal no exercício do poder sindical como existe na representação dos empregados na CIPA)...

Por essas razões, o nosso modelo é neocorporativista ou semicorporativista, ou ainda, se permitirem, corporativista fora do Estado.

Esse modelo sindical enseja, como lembra o constitucionalista português, José Carlos Vieira de Andrade, em sua obra Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, editada pela Edições Almedina, Coimbra, que "nas relações privadas de poder, quando uma entidade disponha de poder especial de caráter privado sobre outros indivíduos, pode ocorrer a violação dos direitos fundamentais desses indivíduos", e exemplifica com os poderes dos sindicatos sobre os trabalhadores representados, quando excluem ou omitem determinados trabalhadores de sua proteção. Essa

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exclusão ou omissão de determinados trabalhadores da proteção sindical enseja violação da liberdade sindical, como direito fundamental, desses trabalhadores excluídos ou omitidos pelos sindicatos que os representam.

Prossegue o doutrinador trazendo o exemplo de aposentados de determinada categoria que foram prejudicados por negociação coletiva de sindicato na década de 90 que celebrou acordo coletivo deixando de "pagar aos aposentados tanto as duas gratificações anuais (previstas no Regulamento do Pessoal), porque foram substituídas pela PLR, como também a própria PLR, que, por definição, é, em princípio, devida somente ao pessoal da ativa". Nesse caso, os aposentados se...

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