Conclusão

AutorRenata Vilela Multedo
Páginas285-312
CONCLUSÃO
As palavras “direito” e “amor” são compatíveis ou con-
flitantes?637 Segundo os ensinamentos de Stefano Rodotà,
na experiência histórica, o direito se apoderou do amor. O
direito limitou o amor a apenas um perímetro, considerado
como o único juridicamente legítimo: o casamento. Um
contrato de direito público: vigiado pelo Estado; baseado
na estabilidade social, na procriação e na educação dos fi-
lhos; e portador de uma moral considerada como prevalen-
te, a católica. Era a obediência e a subordinação para as mu-
lheres, uma lógica autoritária e patrimonial, um bloco com-
pacto no qual o amor conseguia, com esforço, abrir alguma
brecha. Hoje encontramos o futuro declinado em modo
bem diferente do passado e parecemos despedir-nos de um
direito hostil ao amor.638
A racionalidade jurídica atual é a de uma história que
construiu um sistema constitucional de liberdade e de di-
reitos fundamentais, constituindo uma já sólida, ainda que
às vezes negada, referência a esses direitos. Justamente isso
é o que nos permite, hoje, demandar respeito pleno à pes-
soa humana, e, portanto, instituir sobre novas bases a rela-
285
637 RODOTÀ, Stefano. Amore ‘a bassa istituzionalizzazione’. In: Diritto
damore. Bari: Laterza, 2015. Disponível em: “https://tolinoreader.ibs.it/
library/library.html#!/epub?id=DT0245.9788858123645”. Acesso em: 3
fev. 2016.
638 RODOTÀ, 2015.
ção entre amor e direito.639 Só a família fundada na aptidão
pode responder ao mistério do amor, e só a comunicação
que habita cada ser humano pode livrá-lo do vazio e da so-
lidão. A família há de ser, portanto, plural, aberta e inspira-
da na liberdade, sendo a regra de ouro atribuir ao Estado
sua garantia e promoção, e ao homem, sua construção.640
No cenário que se desenha sobre um século já sedimen-
tado na prevalência dos interesses existenciais sobre os pa-
trimoniais, as situações jurídicas subjetivas devem ser indi-
viduadas em relação às circunstâncias concretas e devem,
ainda, considerar a historicidade e a relatividade do que é a
família.641 Partindo do contraponto entre liberdade e soli-
dariedade — que, traduzidas no plano da regulamentação,
exigem o reconhecimento de garantias e de tutelas diferen-
ciadas —, esta obra se propôs a realizar uma análise sobre a
intervenção estatal nas relações de família.
Ao analisar a presença do Estado, buscou-se, ainda, in-
vocar as ideias propostas pelo paternalismo libertário nor-
te-americano, sem se descurar de sua compatibilização
com a principiologia constitucional brasileira. Pelo cotejo
entre a ordem pública e a autonomia privada, refletiu-se
sobre o direito de família por meio de um prisma crítico.
Para tanto, analisou-se a temática sob um recorte definido,
286
639 No original: “La ragione occidentale è pure quella di una storia che ha
costruito un sistema costituzionale di libertà e diritti fondamentali, che cos-
tituisce ormai un saldo, anche se troppe volte negato, riferimento. Proprio
questo ci consente oggi di chiedere rispetto pieno della persona umana, e
quindi di istituire su nuove basi il rapporto tra amore e diritto.” (RODOTÀ,
2015).
640 VILLELA, João Baptista. Liberdade e família. Revista da Faculdade de
Direito da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 1980, p. 40.
641 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 1002.

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