Confisco alargado

AutorGeraldo Prado
Páginas93-124
93
CONFISCO ALARGADO1
No Estado de Direito, todos os poderes sujeitam-se à lei. Qualquer
intromissão na esfera jurídica das pessoas deve, por isso mesmo,
justificar-se, o que caracteriza o Estado de Direito como “rechts-
fertigender Staat”, como “Estado que se justifica”. Distingue a
doutrina dois aspectos complementares dessa “justificação”: o
material e o formal. A intromissão é materialmente justificada,
quando para ela existe fundamento: é formalmente justificada,
quando se expõe, se declara, se demonstra o fundamento. 2
1. Nova consulta formulada pelos advogados Fernando
Augusto Fernandes e Cezar Roberto Bitencourt
1.1. Em novembro de 2014 fui honrado com consulta formulada
pelos cultos advogados Fernando Augusto Fernandes e Cezar Roberto
Bitencourt e apresentei parecer sobre questões jurídicas relacionadas à
obtenção de provas por meios ilícitos, matéria concernente ao habeas
corpus n. 160.662-RJ, julgado pela e. Sexta Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) em 18 de fevereiro de 2014.
1 Parecer emitido no âmbito dos processos n. 2009.4.02.5101.810486-27,
2006.51.01.523722-9 e 2011.51.01.802205-0.
2 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. Segunda série. 2ª ed.
São Paulo: Saraiva: 1988, p. 89.
94
GERALDO PRADO
Releva notar que na oportunidade, e sem discrepância no âmbito
do referido colegiado, o STJ concedeu habeas corpus de ofício para declarar
a nulidade das provas produzidas nas interceptações telefônica e
telemática.
Asseveram os Consulentes que o e. Supremo Tribunal Federal
(STF), por sua Primeira Turma, julgou o habeas corpus autuado sob o n.
108.715/RJ, em 24 de setembro de 2013, e concedeu a ordem por
maioria para de ofício “trancar” a ação penal em relação a todos os
acusados quanto ao crime de lavagem de dinheiro, enquanto a e. Sexta
Turma do STJ decidiu, também em habeas corpus, dessa vez autuado sob
o n. 137.628, por unanimidade, conceder a ordem em parte para “trancar
a ação penal que apura o crime de descaminho” (2006.51.01.523722-9).
Este julgamento data de 26 de outubro de 2010.
Tendo em vista a emissão de sentença condenatória nos processos
em trâmite na 2ª Vara Federal Criminal, autuados sob os n.
2006.51.01.523722-9, 2009.51.01.810486-2 e 2011.51.01.802205-0,
que decretou a perda em favor da União dos valores e bens móveis
apreendidos, “tendo em vista que nos crimes da espécie o dinheiro ‘é
produto do crime’ ou ‘proveito auferido pelo agente com a prática do
fato criminoso’” (proc. n. 2006.51.01.523722-9) os Consulentes
formulam nova consulta, dessa vez acerca da fundamentação do decreto
de perda de bens.
1.2. Por isso os Consulentes indagam:
QUESITO COMPLEMENTAR
A decisão que decretou a perda de bens está fundamentada?
Ressalto que a matéria está revestida de especial interesse na esfera
de investigação acadêmica porque relaciona-se com o tema da
legitimidade político-jurídica do julgador no exercício do magistério
penal.
Sobre os elementos fáticos remeto à opinião proferida no âmbito
do processo de habeas corpus n. 160.662-RJ (STJ) e na consulta posterior.
95
CONFISCO ALARGADO
Devidamente analisadas as questões, passo a emitir sucinta opinião
jurídica.
2. Considerações preliminares
2.1. Os fatos são sobejamente conhecidos dos julgadores. É
desnecessário – além de exaustivo – submeter os leitores à infrutuosa
recapitulação.
Considero importante destacar que a partir do deferimento de
medidas cautelares declaradas ilícitas foram produzidos elementos que a
denúncia do processo n. 2006.51.01.523722-9 sublinha como formadores
da justa causa. Também com base nestes elementos foi ordenada a busca
e apreensão de novos elementos, que fomentaram o processo n.
2009.4.02.5101.810486-27.
Providências cautelares de natureza patrimonial igualmente foram
ordenadas. Os processos criminais seguiram seu curso e resultaram em
sentenças condenatórias em cujo bojo, no caso dos processos autuados
sob os n. 2006.51.01.523722-9 e n. 2009.4.02.5101.810486-27, foi
decretada a perda de bens e valores que encontram-se apreendidos.
Neste contexto, como salientei ao fim da consulta formulada em
novembro de 2014, a ilicitude da prova os afeta por igual.
Reproduzo o trecho do parecer:
O devido processo penal não configura uma garantia estrita da
liberdade de locomoção, mas de todos os direitos conformadores da
autodeterminação do indivíduo, que podem ser atingidos por uma
decisão criminal.
Por este ângulo é indiscutível que os efeitos jurídicos patrimoniais,
que as sentenças condenatórias ampliaram desmesuradamente, segundo
meu ponto de vista, não são válidos. Não custa aqui lembrar a lição de
João Conde Correia:
Por isso mesmo, sem prejuízos de alguns excessos localizados, a
generalidade dos mecanismos de confisco, mormente os nacionais,

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT