O confisco alargado no processo penal brasileiro: uma análise de suas normas probatórias

AutorVítor Souza Cunha
CargoDoutorando em Processo Penal pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Procurador da República. São Paulo/SP. E-mail: vitor85@gmail.com
Páginas782-814
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 2. Maio a Agosto de 2021
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 782-814
www.redp.uerj.br
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O CONFISCO ALARGADO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: UMA
ANÁLISE DE SUAS REGRAS PROBATÓRIAS
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EXTENDED CONFISCATION IN THE BRAZILIAN CRIMINAL PROCEDURE: AN
ANALYSIS OF ITS EVIDENTIARY RULES
Vítor Souza Cunha
Doutorando em Processo Penal pela Universidade de São
Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Católica de
Brasília. Procurador da República. São Paulo/SP. E-mail:
vitor85@gmail.com
RESUMO: O presente artigo busca analisar a estrutura normativa probatória do confisco
alargado no processo penal brasileiro, com especial ênfase na alegação de que ele promove
a inversão do ônus da prova em desfavor dos acusados. O trabalho demonstrará que o
confisco alargado é baseado em uma presunção legal relativa de ilicitude dos bens
incompatíveis de pessoas condenadas por crimes graves. O uso da presunção, como será
demonstrado, não implica a inversão do ônus da prova, uma vez que exige do órgão
acusador a apresentação de provas idôneas e suficientes para provar os fatos que dão
sustentação à presunção.
PALAVRAS-CHAVE: Confisco alargado. Regras probatórias. Ônus probatório. Standard
probatório. Investigação patrimonial.
ABSTRACT: The paper aims to analyze the evidentiary legal structure of the extended
confiscation in the Brazilian criminal procedure, focusing on the claim that extended
confiscation reverses the burden of proof by removing it from the prosecution and
transferring it to the accused. The paper will show that extended confiscation is based on a
relative legal presumption of illicit origin of the incompatible assets of those convicted of
serious crimes. The use of presumption, as will be shown, does not mean reversing the
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Artigo recebido em 09/07/2020 e aprovado em 29/03/2021.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 2. Maio a Agosto de 2021
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 782-814
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burden of proof, as it requires prosecutors to produce strong and sufficient evidence to
prove the facts that support the legal presumption.
KEYWORDS: Extended confiscation. Evidentiary rules. Burden of proof. Standard of
proof. Asset investigation.
1- Introdução
Não raramente, novidades legislativas provocam reações antagônicas. Por um
lado, deslumbrados defensores das mudanças advogam, de modo aguerrido, sua
importância, mesmo ao preço de omitirem aspectos merecedores de aperfeiçoamento. Por
outro, maledicentes críticos dedicam-se ao ofício da desconstrução pura e simples,
cerrando os olhos, de forma implacável, às possibilidades de melhorias.
Afortunadamente, entre as opiniões críticas inflexiveis e as excessivamente
entusiasmadas um significativo espaço para o debate construtivo e, sobretudo,
academicamente cuidadoso. É nesse local onde pretende colocar-se o presente estudo.
Entre as mudanças operadas pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019,
o instituto do confisco alargado, previsto no art. 91-A do Código Penal, é, decerto, um dos
que merece maior atenção.
É cediço que mesmo as medidas patrimoniais operadas no processo penal,
algumas das quais em vigor desde a década de quarenta do século passado, não vêm
recebendo o cuidado necessário da doutrina e da jurisprudência. Em comparação, a
situação ganha contornos de urgência quando se leva em conta que o confisco alargado é
discutido, no mundo, há cerca de 20 anos. No Brasil, as discussões precursoras sobre o
instituto são ainda mais recentes.
O fato é que o confisco alargado, com seus erros e acertos, está em vigor, o
que demanda que a ele sejam direcionados os holofotes.
Tanto do ponto de vista dogmático como político-criminal, o confisco
alargado suscita diversas questões merecedoras de zelosa reflexão. Busca-se, com este
artigo, considerando as suas limitações, abordar parte das questões probatórias
relacionadas ao instituto.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 2. Maio a Agosto de 2021
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Mais especificamente, será enfrentada a alegação de que o confisco alargado,
enquanto instituto processual, promove a inversão do ônus probatório. Segundo essa
corrente, a estrutura normativa do confisco alargado transfere, do órgão acusador ao réu, o
encargo de provar as hipóteses fáticas que dão suporte à aplicação da perda alargada de
bens. Essa inversão do encargo probatório, de acordo com essa visão, teria lugar ao se
chamar o réu para que demonstre a inexistência de incompatibilidade ou a procedência
lícita de seu patrimônio.
Não se pode concordar com esse entendimento. Como será demonstrado ao
longo do trabalho, o confisco alargado possui, em sua estrutura normativa, uma presunção
legal relativa de que os bens incongruentes do condenado derivam de atividade criminosa.
Essa presunção exige do Ministério Público a apresentação de provas idôneas e suficientes
para que se repute demonstrado o fato base que dá ensejo aos efeitos da perda alargada de
bens. A alegação de inversão do ônus da prova, segundo será demonstrado, decorre de
incompreensão quanto aos conceitos jurídicos de presunção legal e de standard probatório.
Para justificar a conclusão, o artigo, inicialmente, apresentará, com maior
detalhamento, os argumentos que defendem ter havido inversão legal do ônus da prova.
Em seguida, será exposto breve histórico do desenvolvimento internacional do confisco
alargado, o que se considera essencial para a compreensão da estrutura normativa do
instituto. Depois de considerações teóricas sobre a utilização de presunções legais no
processo, é o momento de abordar a controvérsia. Demonstrar-se-á que o confisco
alargado, para a produção dos seus efeitos regulares, depende da atividade probatória do
órgão acusador. Isso não significa que o nível de suficiência probatória - ou seja, o
standard probatório - para a prova dos fatos seja idêntico ao exigido para a condenação
criminal.
2- Controvérsias probatórias relacionadas ao confisco alargado
No mundo, poucos institutos provocam tantos debates em relação aos
elementos jurídicos probatórios como o confisco alargado. A recorrência com que os temas
são enfrentados reflete, por razões lógicas, a velocidade com que o confisco alargado vem
sendo adotado pelos sistemas jurídicos estrangeiros. De acordo com recente relatório

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