O consentimento livre e esclarecido na jurisprudência dos tribunais brasileiros

AutorGabriela Guz
Páginas95-122
95
Revista de Direito Sanitário, São Paulo v. 11, n. 1 p. 95-122 Mar./Jun. 2010
O CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO NA
JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS(*)
INFORMED CONSENT IN THE BRAZILIAN CASE LAW
Gabriela Guz(**)
RESUMO
O consentimento livre e esclarecido corresponde à concretização do
respeito à autonomia do paciente na prática de assistência médica,
representando profunda mudança de paradigma para a relação médico-paciente.
A bioética e os tribunais estadunidenses concorreram para o seu nascimento e
desenvolvimento. Entretanto, a maneira como os tribunais delinearam o tema
acabou por reduzi-lo ao cumprimento dos deveres de obter o consentimento do
paciente e de informá-lo. Além disso, a popularização dos formulários com
informações padronizadas para fins de prova documental distanciou o tema de
seu originário fundamento. No Brasil, o consentimento livre e esclarecido foi
primeiramente desenvolvido pela Bioética e, apenas recentemente, passou a
se esboçar a abordagem jurídica do tema. No que se refere a sua abordagem
pelos tribunais brasileiros, verificou-se em levantamento jurisprudencial que a
temática do consentimento livre e esclarecido faz-se presente nos tribunais
fundamentalmente em função do questionamento sobre o dever de informar do
médico. Tal questionamento, por sua vez, mostra-se impulsionado pela aplicação
do Código de Defesa do Consumidor à relação médico-paciente. Assim, são
aspectos da legislação consumerista, como a utilização de um padrão objetivo
de informação, que vão delinear a abordagem dos tribunais brasileiros sobre o
consentimento livre e esclarecido na prática de assistência médica. A aceitação
e até mesmo a exigência da utilização de formulários padronizados foram
verificadas em diversas decisões obtidas. Há indícios, portanto, de que a
abordagem judicial do consentimento livre e esclarecido no Brasil está seguindo
o caminho trilhado pela jurisprudência estadunidense.
(*) Artigo elaborado a partir da dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Saúde Pública
da Universidade de São Paulo sob o título: ‘O consentimento livre e esclarecido na prática de
assistência médica: um estudo da jurisprudência dos tribunais brasileiros’.
(**) Advogada, especialista em Bioética pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. E-mail:
. Recebido em 14.09.09. Aprovado em 13.01.10.
96
Palavras-chave
Bioética; Ética Médica; Relação Médico-Paciente.
ABSTRACT
Informed consent corresponds to the concretion of the respect for
patient’s autonomy in medical care practice, representing a deep change of
paradigm to the doctor-patient relationship. Bioethics and American courts
had concurred for its birth and development. However, the way informed
consent has been delineated by the courts has restricted it to the fulfillment of the
legal duties to obtain patient’s consent and to disclose information. Moreover,
the popularization of consent forms containing standardized information for the
purpose of evidence of the fulfillment of such duties has moved informed consent
away from its original foundation. In Brazil, informed consent was first developed
by Bioethics and only recently the legal approach has started to emerge.
Regarding its approach by the Brazilian courts, it was verified in a study of case
law that informed consent is a reality in such courts, basically due to the
questioning on the doctor’s duty to disclose information. Such questioning is
based on the application of the Consumer’s Statute to the doctor-patient
relationship. Thus, Consumer’s Statute aspects — such as the use of an objective
standard of information and the focus in the protection of the consumer — have
delineate the understanding of the Brazilian courts on informed consent in
medical care practice. The acceptance and even the requirement of the
standardized forms utilization were mentioned in many of the obtained decisions.
Therefore, there are indications, that the judicial approach of informed consent
in Brazil is following the path trod by the American case law.
Keywords
Bioethics; Doctor-patient Relationship; Medical Ethics.
I. A VALORIZAÇÃO DO RESPEITO À AUTONOMIA DO PACIENTE(1)
A relação médico-paciente foi marcada, ao longo da história da
medicina, pelo poder decisório do médico sobre a saúde do paciente e,
consequentemente, pela desconsideração da vontade deste no processo de
tomada de decisão sobre a própria saúde.
(1) O vocábulo ‘paciente’ está sendo aqui utilizado em seu sentido original (do latim patiens: aquele
que sofre, que padece).
Revista de Direito Sanitário, São Paulo v. 11, n. 1 p. 95-122 Mar./Jun. 2010
Gabriela Guz

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT