A consolidação processual

Páginas77-264
2
A CONSOLIDAÇÃO PROCESSUAL
2.1 A INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E A SUBORDINAÇÃO DE
INTERESSES NOS GRUPOS DE FATO
Entre as razões que justicam a reunião de múltiplos devedores num único
processo de recuperação judicial, a principal decorre da necessidade de atender
à realidade econômica dos grupos de empresas1, em que as múltiplas persona-
lidades jurídicas dos seus integrantes compõem uma única grande empresa2.
funcionando de modo integrado3 segundo uma direção econômica unitária4.
Nesse tipo de estrutura, os interesses individuais das sociedades acabam sendo,
em maior ou menor grau, subordinados ou afetados pelos interesses do grupo5
(interesse di grupo6).
1. FLORES SEGURA, Marta. Los concursos conexos. Pamplona: Civitas, 2014. p. 45.
2. Diante de grupos societários, o economista sabe que, embora neles se articule uma pluralidade de fra-
cionamentos, está na presença de uma única grande empresa. No original: “Frente a los grupos socie-
tarios el economista sabe que, aunque articulada en su interior una pluralidad de fraccionamientos
está ante la presencia de una única gran empresa” (GALGANO, Francesco. La empresa de grupo. In:
ROITMAN, Horacio (Coord.). Los grupos societarios: dirección y coordinación de sociedades. 2. ed.
Bogotá: Universidad del Rosario, 2012. p. 33; tradução livre).
3. OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Manual de corporate nance. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2017. p. 238.
4. Ensinando que a direção unitária constitui o elemento central de identicação do grupo, conram-
-se, entre outros: DI MAJO, Alessandro. I gruppi di imprese tra insolvenze e diritto societario. Torino:
Giappichelli, 2012. p. 21-30; EMBID IRUJO, José Miguel. Algunas reexiones sobre los grupos de
sociedades y su regulación jurídica. RDM, São Paulo, n. 53, p. 18-40, 1984; ARRIBA FERNÁNDEZ,
María Luisa de. Derecho de grupos de sociedades. Madrid: Civitas, 2004. p. 84. Para Sérgio Campinho,
independentemente da forma ou do instrumento de estruturação das relações entre as sociedades
formadoras do grupo econômico, não haverá grupo sem que haja direção econômica unitária (In:
TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de (Coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empre-
sas. São Paulo: Ed. RT, 2021. p. 507). Em sentido contrário, sustentando que o vínculo determinante
da existência dos grupos não é a direção unitária, mas o poder de controle, conra-se Vio, Daniel de
Avila. Grupos societários. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 195-198.
5. Interesses que, para Jorge Lobo, “muitas vezes não coincidem nem com o interesse perseguido pela
sociedade dominante, nem com os propósitos das sociedades dominadas” (Grupos de sociedades.
Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 636, 1988. p. 28). Disso resultaria, segundo assinala Alessandro
di Majo, um aparente conito entre o interesse da sociedade controladora e o das sociedades contro-
ladas, interesse esse que, por outro lado, harmoniza-se com os objetivos do grupo como um todo e,
portanto, com o próprio interesse do grupo (I gruppi di imprese tra insolvenze e diritto societario, cit.,
p. 21-22). Por outro lado, Jorge Manuel Coutinho de Abreu critica, com propriedade, a ideia de que
EBOOK RECUPERACAO JUDICIAL DOS GRUPOS DE EMPRESAS.indb 77EBOOK RECUPERACAO JUDICIAL DOS GRUPOS DE EMPRESAS.indb 77 09/02/2023 10:31:2309/02/2023 10:31:23
RECUPERAÇÃO JUDICIAL DOS GRUPOS DE EMPRESASPEDRO REbELLO bORtOLInI
78
6
A formação dos grupos de sociedades é fenômeno7 representativo da evo-
lução do capitalismo8, decorrendo do próprio modo de expansão da atividade
empresária9. Por conta dos enormes benefícios decorrentes desse tipo de estrutura
organizacional, como a economia de escala e o aumento da eciência produtiva,
operacional e de gestão, os grupos assumiram o papel de ator central10 do sistema
econômico.
Dividem-se em grupos de subordinação11 (cujos integrantes se encontram
numa relação vertical, de dependência hierárquica, da qual deriva a direção
o interesse do grupo possa ser tomado como um interesse comum às sociedades que o integram, ou
mesmo superior aos respectivos interesses particulares. Sustenta que “os grupos de sociedades não
paritários não são agrupamentos coordenados para a consecução de ns comuns, antes se baseiam em
relações de subordinação (fáticas e de direito) paras ns (fundamentalmente) unilaterais (da ‘cabeça
do dono’); nem são novas entidades (jurídicas) de grau superior com interesses próprios, diferentes
e superiores aos das entidades agrupadas. O ‘interesse do grupo’, faltando salvaguardas legais para as
sociedades dominadas, seus credores e sócios minoritários, traduzir-se-á anal em interesse da socie-
dade dominante; mesmo a promoção de interesses de uma ou outra sociedade dominada servirá, em
última instância, a estratégia ganhadora da sociedade dominante” (COUTINHO DE ABREU, Jorge
Manuel. Reformas e contrarreformas no direito das sociedades. RDM, São Paulo, n. 163, 2012. p. 25).
6. Conra-se, a propósito do tema, SCOGNAMIGLIO, Giuliana. Interesse sociale e interesse di grupo.
Quaderni di Giurisprudenza Commerciale, Milano: Giuré, p. 115-134, 2009.
7. S obre esse fenômeno, conra-se HOPT, Klaus J. Groups of companies: phenomenon, agency problems,
and regulation. In: GORDON, Jerey N.; RINGE, Wolf-Georg. e Oxford handbook of corporate law
and governance.Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 603.
8. Os grupos de empresas se expandiram além das fronteiras nacionais, passando a operar, simultanea-
mente, em diversos países. Sobre esse fenômeno e os reexos da insolvência de grupos multinacionais
(a chamada cross-border insolvency), conra-se CAMPANA FILHO, Paulo Fernando. A recuperação
judicial dos grupos societários multinacionais: contribuição para o desenvolvimento de um sistema
jurídico brasileiro a partir do direito comparado. 2013. Tese (Doutorado) –Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
9. Francesco Galgano observa que o grupo societário não é criação legislativa, mas fruto da imaginação
empresarial (La empresa de grupo, cit., p. 12). No mesmo sentido, ponderando ser o grupo de empresas
a forma natural de evolução do modo de expansão da atividade empresária mais do que uma estraté-
gia prévia e meticulosamente elaborada, conra-se CASTELLÕES, Leonardo de Gouvêa. Grupos de
sociedades. Curitiba: Juruá, 2008. p. 91.
10. Comentando sobre esse fenômeno, conra-se a lição de Engrácia Antunes: “A frieza dos números
não deixa senão espaço para uma conclusão: o átomo cedeu progressivamente o seu lugar à molécula,
tendo a sionomia da prática empresarial contemporânea deixado de ser elmente retratada pela
sociedade individual e isolada (empresa unissocietária) para passar a vir reetida essencialmente
na emergência de grupos societários (empresa de grupo ou empresa plurissocietária), que assim se
tornou verdadeiramente no ‘ator central do nosso sistema econômico’” (ENGRÁCIA ANTUNES,
José. Estrutura e responsabilidade da empresa: o moderno paradoxo regulatório. Revista da Escola de
Direito de São Paulo, São Paulo, v. 1, n. 2, 2005. p. 36).
11. “Dizem-se grupos de subordinação aqueles em que várias sociedades cam, como o próprio nome
indica, subordinadas à orientação de uma outra sociedade, que passa a determinar os rumos das res-
pectivas atividades empresariais. Do ponto de vista econômico, nos grupos de subordinação, há uma
orientação única, necessariamente seguida pelas sociedades subordinadas, seja em prol do interesse
da sociedade dominante, seja em prol de um interesse global do grupo” (MUNHOZ, Eduardo Secchi.
Empresa contemporânea e o direito societário: poder de controle e grupos de sociedades. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2002. p. 277).
EBOOK RECUPERACAO JUDICIAL DOS GRUPOS DE EMPRESAS.indb 78EBOOK RECUPERACAO JUDICIAL DOS GRUPOS DE EMPRESAS.indb 78 09/02/2023 10:31:2409/02/2023 10:31:24
79
2 • A CONSOLIDAÇÃO PROCESSUAL
econômica unitária12) e grupos de coordenação (formados a partir de uma rela-
ção horizontal entre os seus membros, sendo a direção econômica exercida em
comum, sem dependência societária13).
À vista dos propósitos deste estudo, serão abordados apenas os primeiros,
que têm no poder de controle seu elemento unicador14, já que a lei concursal
brasileira excluiu15 do âmbito da sua aplicação os consórcios16, modalidade na-
cional dos grupos de coordenação17.
2.1.1 Grupos de direito e grupos de fato
No Brasil, por inspiração do modelo alemão18, os grupos de subordinação
foram submetidos a uma disciplina bipartida19, que estabelece regimes jurídicos
diferentes conforme seja a natureza do vínculo20 entre seus membros.
De um lado guram os grupos de direito21 (ou “grupos de sociedades”, na deno-
minação dada pelo artigo 265, caput, da Lei das S.A.), formados e regidos por uma
convenção, que regula a combinação de recursos e esforços entre as sociedades para
a realização dos respectivos objetos ou a participação em atividades e empreendi-
mentos comuns22; de outro estão os grupos de fato, constituídos a partir das relações
12. OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Manual de grupos de sociedades. Coimbra: Almedina, 2017. p. 17.
13. OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Manual de grupos de sociedades, cit., p. 18.
14. COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1983. p. 28.
15. Artigo 2º, II, da LRF.
16. Acerca da disciplina jurídica dos consórcios, conra-se: PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios
de empresas. São Paulo: Livraria Pioneira, 1979.
17. São exemplos de grupos de coordenação o groupement d’intérêt économique, do direito francês, e o
agrupamento complementar de empresas, do direito português (cf. MUNHOZ, Eduardo Secchi. Em-
presa contemporânea e o direito societário, cit., p. 117). Determinadas modalidades de joint ventures,
do direito anglo-saxão, também constituem grupos de coordenação. É o caso das non-corporate joint
ventures, que resultam da união das empresas em prol da consecução de um objetivo comum, porém
sem a constituição de uma nova entidade dotada de personalidade jurídica.
18. COMPARATO, Fábio Konder. Os grupos societários na nova Lei de Sociedade por Ações. Ensaios e
pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 200.
19. Outros modelos encontrados no direito estrangeiro são: o modelo orgânico, que considera apenas a
participação societária para determinar a submissão ao regime dos grupos de empresas, denido de
um modo geral e abrangente, independentemente de qualquer convenção destinada à sua formação
(MUNHOZ, Eduardo Secchi. Empresa contemporânea e o direito societário, cit., p. 119); e o modelo
tipológico, que descreve de forma exaustiva as hipóteses que encerram a conguração dos grupos de
sociedades (PRADO, Viviane Muller. Grupos societários: análise do modelo da Lei 6.404/1976. Revista
Direito GV, São Paulo, v. 1, n. 2, 2005. p. 23).
20. PRADO, Viviane Muller. Grupos societários, cit., p. 11.
21. Designação dada pela doutrina para o “grupo de sociedades” disciplinado nos artigos 265 a 277 da Lei
das S.A., em oposição aos chamados grupos de fato, que seriam todos os demais.
22. De acordo com Jorge Lobo, “a convenção deverá, de forma minuciosa, completa, precisa e clara, prever
as relações entre as sociedades agrupadas, de modo a permitir a combinação de recursos e esforços, a
EBOOK RECUPERACAO JUDICIAL DOS GRUPOS DE EMPRESAS.indb 79EBOOK RECUPERACAO JUDICIAL DOS GRUPOS DE EMPRESAS.indb 79 09/02/2023 10:31:2409/02/2023 10:31:24

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT