Constitucionalismo, direitos fundamentais e estado de direito na Índia contemporânea: análise da literatura constitucional indiana e suas variantes no contexto de uma jurisdição constitucional ativista

AutorDiva Julia Safe Coelho/Saulo de Oliveira Pinto Coelho/Ricardo Martins Spindola Diniz
CargoUniversidade Federal de Goiás, Goiás - GO, Brasil/Universidade Federal de Goiás, Goiânia - GO, Brasil/University of Luxembourg, Luxemburgo
Páginas129-167
Constitucionalismo, direitos fundamentais e
estado de direito na Índia contemporânea:
análise da literatura constitucional indiana
e suas variantes no contexto de uma
jurisdição constitucional ativista1
Constitutionalism, fundamental rights, and rule of law in
contemporary India: analysis of the Indian constitutional
scholarship and its variations in the context of an activist
constitutional jurisdiction
Diva Julia Safe Coelho*
Universidade Federal de Goiás, Goiás – GO, Brasil
Saulo de Oliveira Pinto Coelho**
Universidade Federal de Goiás, Goiânia – GO, Brasil
Ricardo Martins Spindola Diniz***
University of Luxembourg, Luxemburgo
1. Introdução
O presente artigo relata pesquisa direcionada à compreensão das caracterís-
ticas do constitucionalismo indiano contemporâneo, quanto à sua relação
1 Artigo produzido com apoio financeiro do PPGDP-UFG por meio das instituições conveniadas.
* Doutora em Direito pela Universidade de Barcelona. Mestre em Filosofia Política pela Univer-
sidade Federal de Goiás. Realizou Estágio Pós-Doutoral na Universidade Federal de Uberlândia.
Professora adjunta da Universidade Federal de Goiás, Regional Cidade de Goiás. E-mail: diva.
julia@hotmail.com.
** Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Realizou Estágio Pós-Doutoral
na Universidade de Barcelona. Professor efetivo da Faculdade de Direito da Universidade Fede-
ral de Goiás. E-mail: saulopintocoelho@yahoo.com.br.
*** Doutorando em Direito pela University of Luxembourg. Mestre Direito pelo Programa de
Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília. Bacharel em Direito pela Universidade
Federal de Goiás. E-mail: ricardo.ms.diniz@gmail.com.
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com a ideia de estado de direito, de direitos humanos e fundamentais, bem
como com sua própria cultura tradicional pregressa e os desafios atuais do
modelo constitucional indiano para a efetivação de direitos.
Buscou-se compreender, a partir da própria literatura constitucional
indiana, quais são as variáveis de abordagem dos problemas centrais que
dominam o debate constitucional.
A República da Índia é considerada a segunda nação mais populosa
do mundo e ocupa o sétimo maior território do mundo. Com uma riqueza
cultural ímpar, e um recente crescimento e desenvolvimento econômico
e tecnológico, a Índia ocupa o status de uma grande potência emergente.
É nesse cenário que se buscou analisar as nuances do constitucionalismo
indiano contemporâneo e verificar, desde uma perspectiva de confrontação
entre discurso normativo e dos discursos intelectuais, o papel dos direitos
humanos e fundamentais nessa nação. Para lograr a feitura desse intento,
devemos esclarecer que se evitaram análises comparativas superficiais e,
geralmente, equivocadas, no sentido de impor, a partir de uma pré-com-
preensão calcada na cultura jurídica brasileira, uma interpretação de outro
sistema com tantas particularidades próprias como é o sistema jurídico
indiano; buscou-se evitar fazer interpretações ocidentais da Índia, como
preconiza Amartya Sen2. Quer-se compreender a linguagem constitucional
indiana, buscando dialogicamente apreendê-la, na medida em que a pró-
pria Índia oferta elementos e fatores para a seu entendimento.
Com efeito, não se poderia proceder a essa análise sem antes abordar
alguns tópicos importantes sobre cultura, religião, tradição e costumes na
formação da normatividade indiana. Afinal, uma das questões aqui pro-
postas é analisar a importante relevância dos costumes e das tradições in-
dianas e verificar até que ponto permeiam o debate constitucional atual,
bem como preponderam, na prática cotidiana, em detrimento dos direitos
institucionalmente normatizados. Trata-se de entender os problemas de
inefetividade dos direitos na experiência constitucional indiana e para tal é
preciso compreender a tensão entre cultura tradicional e constitucionalis-
mo de base ocidental na Índia.
Ademais, como se verá, constatou-se que a linguagem intelectual do
direito constitucional indiano se pauta numa centralidade, nas investiga-
ções e debates acadêmicos, da Suprema Corte da Índia e de sua prática, re-
2 SEN, 2007.
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Saulo de Oliveira Pinto Coelho
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sultado, dentre outros motivos, da postura ativista adotada pela Corte em
função do contexto e existências de uma constituição de 1950, num mode-
lo de common law, a perdurar no tempo, num país marcado por desigual-
dades sociais. Para o mapeamento dessa discussão, recorreu-se à análise de
uma diversificada amostragem da produção jurídico-acadêmica indiana.
Da amostragem construída acerca da literatura constitucionalista indiana,
concluiu-se que essa tendência de enfoque se desdobra em diferentes abor-
dagens, que transitam entre posturas laudatórias e posturas críticas, com
respeito à centralidade da construção judicial das bases de proteção e pro-
moção dos direitos no Estado constitucional indiano contemporâneo e dos
problemas daí decorrentes.
Por se tratar, a partir do conhecimento dos autores, do primeiro ar-
tigo em português dedicado a cartografar a autocompreensão subjacente
e operativa da linguagem intelectual do direito constitucional indiano, a
motivação ou fundamento para esse esforço investigativo se encontra na
noção de diferencialismo, desenvolvida por Pierre Legrand. Tal noção tra-
duz algo que deveria engendrar, na verdade, qualquer intento compara-
tivo. Assumindo que toda a metafórica dos transplantes de sistemas ou
modelos jurídicos tem uma compreensão abstrata e acultural do direito,
compreensão que contraria aquela da equipagem conceitual empregada
neste texto, a qual apresenta o direito como experiência3, e que é essa mes-
ma metafórica que parece render, equivocadamente, o direito comparado
como um instrumento para buscar soluções a nível de estrutura ou função
em institutos e instituições jurídicas estrangeiros violentamente enquadra-
dos como equivalentes àqueles institutos ou instituições locais que se quer
transformar, o presente artigo se lança ao seu intento comparativo buscan-
do na experiência estrangeira elementos para desoperacionalizar a auto-
compreensão do direito local que aparece como situação hermenêutica dos
autores, ao invés de buscar no outro soluções para reforçar e preservar essa
autocompreensão. Admitindo, ainda, que um grau de instrumentalidade
se faz sempre presente, quer-se que essa seja a menor instrumentalização
possível, ainda na esteira de Legrand4.
3 Para uma elaboração desse marco teórico, ver COELHO, 2017.
4 Ver: LEGRAND, 2011. Para uma outra articulação da motivação comparativista, GINGS-
BURG, 2010.
Constitucionalismo, direitos fundamentais e estado
de direito na Índia contemporânea

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