Constitucionalismo transformador: entre casas de máquinas e 'engenharia social judicial'

AutorDiego Werneck Arguelhes, Evandro Proença Süssekind
CargoProfessor Associado do Insper, Instituto de Ensino de Pesquisa (São Paulo ? SP). É Doutor em Direito pela Universidade Yale, EUA, e Bacharel e Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). / Pesquisador no Varieties of Constitutionalism Project (VACOM), Universidade de Erfurt (Alemanha). Doutorando em Direito...
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N.04, 2022, p.2557-2594.
Diego Werneck Arguelhes e Evandro Proença Süssekind
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/70939 ISSN: 2179-8966
Constitucionalismo transformador: entre casas de máquinas
e “engenharia social judicial”
Transformative Constitutionalism: between engine rooms and “judicial social
engineering”
Diego Werneck Arguelhes¹
¹ Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail:
diegowa@insper.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7522-3717.
Evandro Proença Süssekind²
² Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: e.p.sussekind@usp.br.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4952-6957.
Artigo recebido em 26/10/2022 e aceito em 27/10/2022.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N.04, 2022, p.2557-2594.
Diego Werneck Arguelhes e Evandro Proença Süssekind
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/70939 ISSN: 2179-8966
Resumo
O artigo discute conceitualmente, comparativamente e normativamente o constitucionalismo
transformador (“CT”), entendido como um projeto de transformação social por meio do
direito constitucional. A partir de uma breve visão das experiências com CT na América Latina,
e em países como a África do Sul, discute uma série de problemas que surgem no debate
global nas últimas décadas, com ênfase nas instituições necessárias para o cumprimento de
suas promessas. Criticando e ampliando o foco típico da teoria constitucional em direitos e
tribunais, propõe uma perspectiva institucional, que inclui a reforma de processos políticos
decisórios e a criação de instituições inclusivas (a “casa das máquinas”, na expressão de
Gargarella) como condições necessárias para a implementação de um projeto transformador.
Por fim, discute-se potenciais tensões entre certas concepções de CT e a própria ideia de
democracia. Aponta-se riscos de se tratar o constitucionalismo transformador como uma
espécie de “engenharia social judicial”, em que juízes definem os próprios fins últimos da
comunidade sem deixar espaço para a discussão política democrática sobre o que os
compromissos constitucionais exigem em termos de transformação.
Palavras-chave: Constitucionalismo transformador; Democracia; Direito constitucional
comparado; Teoria constitucional; Tribunais Constitucionais.
Abstract
The article discusses conceptually, comparatively, and normatively the phenomenon of
transformative constitutionalism (TC), understood as a project of social transformation
through constitutional law. Presenting an overview of the experiences of the phenomenon in
Latin America, as well as in other countries such as South Africa, the paper discusses the
relationship between CT and the institutions necessary to fulfill its promises. We adopt a
broader institutional perspective on the phenomenon, by discussing recent theories that
criticize the exclusive focus on rights and judicial institutions, and by bringing into the debate
the reform of political decision-making processes and the creation of inclusive institutions as
ways of achieving the transformative project itself. Finally, we discuss potential tensions
between certain conceptions of TC and the very idea of democracy, pointing to the risks of
conceiving transformative constitutionalism as a kind of "judicial social engineering.”
Keywords: Transformative constitutionalism; democracy; Comparative constitutional law;
Constitutional theory; constitutional courts.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N.04, 2022, p.2557-2594.
Diego Werneck Arguelhes e Evandro Proença Süssekind
DOI: 10.1590/2179-8966/2022/70939 ISSN: 2179-8966
1. “Constitucionalismo transformador” como projeto(s) constitucional(is)
A elaboração de um texto constitucional é um processo tanto de criação, quanto de
reprodução e adaptação de ideias e modelos que já estão em circulação. As Constituições
dos EUA (1787) e da Espanha (1812, a Constituição de Cádiz) inspiraram muitas outras
constituições no século XIX, em especial na América Latina; por sua vez, a Constituição do
Chile de 1833 adaptou essas ideias de maneira influente nas outras constituições da
região no período (Gargarella 2013). O século XX, porém, ampliou largamente o repertório
constitucional mundial, em vários aspectos, levando a um progressivo e relativo declínio
da proximidade entre novos textos constitucionais e aqueles existentes no século anterior
(Law e Versteeg 2012).
1
No caso da América Latina, em particular, a desigualdade - ou a
“questão social”, no vocabulário da época - se torna central no debate constitucional já
no início do século XX. Embora a "questão social" já estivesse em pauta na região no
século XIX, , sua importância nos textos promulgados era mais reduzida. Prevaleceram
preocupações de conservadores com a manutenção da ordem social e política, bem como
(na esteira dos EUA) preocupações liberais com a limitação do poder estatal (Gargarella
2013).
A partir da constituição do México (1917), a pauta constitucional da região se
expande para incluir direitos sociais e direitos a prestações positivas do estado (Grote
2017). A transformação se dá não apenas no conteúdo das constituições, mas quanto ao
papel esperado do estado e às próprias ambições constitucionais. Constituições passam a
conter tipos de elementos mais variados do que o "modelo" liberal dos EUA e demais
constituições do século XIX, mas também passam a expressar objetivos distintos. O que
se pode e o que se deve esperar de um texto constitucional se amplia.
Toda Constituição, em sentido jurídico, é evidentemente uma criatura do mundo
do dever ser; não pretende, nem pode perfeitamente descrever nenhuma sociedade.
Mais ainda, toda Constituição é, em alguma medida, expressão de aversão a algum tipo
de prática política ou social com a qual aquela sociedade conviveu e que deseja impedir
que ocorra novamente.
2
Mas, no caso de constituições que hoje chamamos de
1
A pauta de modelos possíveis passa a incluir maior variedade de instituições - como o semipresidencialismo
de Weimar (1919), ou o tribunal constitucional da Áustria (1919) -, mas também há transformação nas
próprias ideias sobre a que fins constituições podem e devem servir, e como podem ajudar a atingi-los.
2
Esses elementos de rejeição a aspectos específicos da ordem política do passado podem ser dominantes ou
mais evidentes em alguns textos constitucionais (Scheppele 2003).

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