A construção jurisprudencial do novo jus gentium: relatos ao longo dos anos

Páginas321-346
Capítulo XI
A CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL
DO NOVO JUS GENTIUM: RELATOS AO
LONGO DOS ANOS
Sumário: I. Corte Interamericana de Direitos Humanos. 1. Duas Sentenças
para a História – Parte I. 2. Duas Sentenças para a História – Parte II. 3.
Dois Pareceres para a Humanidade. II. Corte Internacional de Justiça. 1.
Os Novos Rumos da Corte da Haia – Parte I. 2. Os Novos Rumos da Corte
da Haia – Parte II. 3. Os Novos Rumos da Corte da Haia – Parte III. 4. Os
Novos Rumos da Corte da Haia – Parte IV. 5. Os Novos Rumos da Corte
da Haia – Parte V. 6. Os Novos Rumos da Corte da Haia – Parte VI. 7. Os
Novos Rumos da Corte da Haia – Parte VII.
I. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.
1. Duas Sentenças para a História – Parte I1.
Ao completar quase meia década no honroso exercício da Presidência da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, permito-me destacar, em retros-
pectiva, o extraordinário desfecho do cumprimento de duas das recentes Sen-
tenças da Corte, nos casos do Tribunal Constitucional, relativo ao Peru, e do
lme “A Última Tentação de Cristo”, atinente ao Chile. A singularização das
duas Sentenças se deve a sua transcendência histórica, e, em particular, a suas
profundas implicações para o exame das relações entre o direito internacional
e o direito interno no presente domínio de proteção dos direitos da pessoa
humana.
Em sua Sentença de 31 de janeiro de 2001, no caso do Tribunal Constitucio-
nal, a Corte Interamericana condenou, como violatória da Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos, a destituição de três magistrados do Tribunal
Constitucional peruano (Manuel Aguirre Roca, Guillermo Rey Terry e Delia
Revoredo Marsano), como sanção resultante de juízo político por parte do Po-
der Legislativo, em razão da emissão de resolução aclaratória em resposta a
1 In: Correio Braziliense – Suplemento `Direito e Justiça, Brasília, 15.03.2004, p. 1.
Book-3a.ED-TRIBUNAIS INTERNACIONAIS.indb 321 01/12/18 14:44
ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE
322
um recurso interposto pelo Colégio de Advogados de Lima que questionava a
possibilidade de reeleição do então Presidente da República, Alberto Fujimori.
Em Sentença anterior (de 24.09.1999) no mesmo caso, ao armar sua compe-
tência para adjudicá-lo a Corte Interamericana declarou inadmissível a pre-
tensão do Estado demandado de “retirar-se” de sua competência contenciosa
com “efeito imediato”: ponderou a Corte que sua competência não podia estar
condicionada por atos distintos de suas próprias atuações, e que tampouco po-
dia a Convenção Americana estar à mercê de limitações não previstas por ela,
impostas subitamente por um Estado Parte por vicissitudes de ordem interna.
Preservada assim a integridade do mecanismo de proteção da Conven-
ção Americana, prosseguiu a Corte no exame do caso. Mesmo antes da ce-
lebração da audiência pública na sede da Corte em San José da Costa Rica,
em 22.11.2000, o Congresso peruano anulou as resoluções de destituição e
reinstalou os três magistrados em seus postos no Tribunal Constitucional. Na
referida Sentença, sobre o mérito do caso, de 31 de janeiro de 2001, a Corte
Interamericana ordenou, como formas de reparação, que o Estado efetuasse
uma investigação para a determinação dos responsáveis e os sancionasse, que
publicasse os resultados da investigação, que pagasse os salários vencidos dos
três magistrados e as demais prestações a que tinham direito, e que lhes restitu-
ísse os gastos em que haviam incorrido para fazer valer os seus direitos.
Ponderou a Corte Interamericana que a aplicação do artigo 8 da Conven-
ção Americana (violado no caso) não se limita aos recursos judiciais stricto
sensu, mas abarca o conjunto de requisitos a ser observados nas instâncias
processuais que possibilitem aos indivíduos defender-se adequadamente ante
qualquer tipo de ato emanado do poder público do Estado que possa afetar
os seus direitos. O direito à proteção judicial (sob o artigo 25 da Convenção)
requer do Estado o provimento de recursos judiciais ecazes contra atos vio-
latórios dos direitos protegidos pela Convenção. Enm, enfatizou a Corte o
imperativo da garantia da “independência de qualquer juiz em um Estado de
Direito e, em especial, do juiz constitucional em razão da natureza dos assun-
tos submetidos a seu conhecimento” (parágrafo 75 da Sentença). O Tribunal
Constitucional peruano veio há pouco a ser presidido por um dos três juízes
destituídos e nele reinstalados.
Em duas recentes visitas ociais ao Peru (em 12.09.2001 e 18.11.2003),
em que fui recebido em Lima tanto pelo Presidente da República Alejandro
Toledo como pelos magistrados do Tribunal Constitucional, dentre outras au-
toridades (também do Poder Legislativo), assim como por representantes de
entidades da sociedade civil, foi-me comentado que os desmandos do caso do
Tribunal Constitucional são considerados por muitos como o início da queda
Book-3a.ED-TRIBUNAIS INTERNACIONAIS.indb 322 01/12/18 14:44

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT