A pessoa humana e a justiça internacional

Páginas297-320
Capítulo X
A PESSOA HUMANA E A JUSTIÇA
INTERNACIONAL
Sumário: I. O Acesso Direto dos Indivíduos à Justiça Internacional. II.
Um Novo Primado da Razão. III. O Acesso à Justiça Internacional e os
Direitos da Pessoa Humana. IV. Novo Paradigma do Direito Internacional.
V. O Brasil e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. VI. Dez Anos
de uma Decisão Histórica. VII. Reponsabilidade do Estado e do Indivíduo.
VIII. A Importância da Jurisdição Internacional. IX. Direito e Justiça em
Choque – I. X. Direito e Justiça em Choque – II.
I. O ACESSO DIRETO DOS INDIVÍDUOS À
JUSTIÇA INTERNACIONAL1.
Neste início do século XXI, o Direito Internacional dos Direitos Humanos
vem de lograr a consolidação da capacidade jurídico-processual dos indiví-
duos nos procedimentos perante os tribunais internacionais de direitos hu-
manos, que buscam determinar a responsabilidade internacional dos Estados
Partes por violações dos direitos protegidos. No continente europeu, o acesso
direto (jus standi) à nova Corte Européia de Direitos Humanos (que substi-
tuiu as antigas Corte e Comissão Européias) passou a ser outorgado a todos
os indivíduos sujeitos à jurisdição dos Estados Partes pelo Protocolo n. 11 (de
1994) de Reformas à Convenção Européia de Direitos Humanos (em vigor
desde 01.11.1998). No continente americano, a Corte Interamericana de Direi-
tos Humanos vem de dar um passo de grande transcendência: com a entrada
em vigor, no dia 01 de junho de 2001, de seu novo Regulamento (adotado em
24.11.2000), passa a assegurar, pela primeira vez em sua história, a participação
direta dos indivíduos demandantes em todas as etapas do procedimento, em
denúncias – a ela enviadas pela Comissão Interamericana de Direitos Huma-
nos – de violações dos direitos consagrados na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos.
1 A.A. Cançado Trindade, “O Acesso Direto à Justiça Internacional”, in: in Correio Braziliense
/ Suplemento `Direito e Justiça´, Brasília, 06.08.2001, p. 1.
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ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE
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Trata-se, – como me permiti assinalar aos Chanceleres dos Estados-mem-
bros da Organização dos Estados Americanos (OEA), em minha intervenção
na Assembléia Geral da OEA em 04 de junho último, – de ponto culminante
de um longo processo histórico de gradual emancipação do ser humano vis-
-à-vis o próprio Estado. Como não é razoável conceber direitos sem a corres-
pondente capacidade processual de vindicá-los, esta evolução se consolidará
no dia em que se adotar – como venho sustentando há anos – um Protocolo à
Convenção Americana outorgando acesso direto dos indivíduos à Corte Inte-
ramericana (passando, assim, do locus standi ao jus standi). Mas já com o novo
Regulamento do Tribunal, os indivíduos demandantes passam a desfrutar de
igualdade processual com os Estados demandados.
O acesso direto dos indivíduos à jurisdição internacional constitui uma
verdadeira revolução jurídica, que lhes possibilita vindicar seus direitos
contra as manifestações do poder arbitrário, e que dá um conteúdo ético às
normas tanto do direito público interno como do direito internacional. Sua
importância, como última esperança dos esquecidos do mundo, vem de ser
ilustrada, para citar um exemplo (dentre vários outros), pelo caso paradig-
mático dos assassinatos dos “Meninos de Rua (caso Villagrán Morales e Ou-
tros), em que as mães dos meninos assassinados, tão pobres e abandonadas
como os lhos, tiveram acesso à jurisdição internacional, compareceram a
juízo (audiências públicas de 28/29.01.1999 e 12.03.2001), e, graças às sen-
tenças da Corte Interamericana (quanto ao mérito, de 19.11.1999, e quanto
às reparações, de 26.05.2001), que as ampararam, puderam ao menos recu-
perar a fé na Justiça humana.
No continente africano, o primeiro Protocolo (de 1998) à Carta Africana
de Direitos Humanos e dos Povos dispõe sobre a criação de uma Corte Afri-
cana de Direitos Humanos e dos Povos, em claro reconhecimento de que a
solução judicial representa efetivamente a forma mais evoluída da proteção
dos direitos da pessoa humana. Nos tribunais de direitos humanos o indivíduo
gura como sujeito ativo, ao passo que, nos tribunais penais internacionais
ad hoc (para a ex-Iugoslávia e para Ruanda, criados em 1993 e 1994, respec-
tivamente), somados ao Estatuto de Roma de 1998 do futuro Tribunal Penal
Internacional permanente, voltados à determinação da responsabilidade penal
internacional dos indivíduos (por crimes de genocídio, crimes contra a hu-
manidade, e crimes de guerra), – gura como sujeito passivo; mas tampouco
aqui se pode excluir a responsabilidade internacional do Estado (certamente
distinta da penal), na medida em que os crimes perpetrados por indivíduos
conguraram uma política de Estado.
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