A evolução do direitointernacional contemporâneo: feitos marcantes
Páginas | 243-278 |
Capítulo VIII
A EVOLUÇÃO DO DIREITO
INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEO:
FEITOS MARCANTES
Sumário: I. O Centenário da II Conferência de Paz da Haia de 1907.
II. A Declaração Universal dos Direitos Humanos ao Longo das Seis
Últimas Décadas. III. A Corte Internacional de Justiça. IV. Balanço dos
Resultados da II Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993).
1. Observações Preliminares. 2. O Forum Mundial das Organizações
Não-Governamentais. 3. A Abertura da Conferência de Viena: As Ideias
Centrais. 4. A Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993: Breves
Reexões. 5. A Multiplicidade de Atores e Contribuições à Conferência
de Viena. 6. Observações Finais – De Viena ao Novo Século: A Nova
Dimensão da Onipresença dos Direitos Humanos.
I. O CENTENÁRIO DA II CONFERÊNCIA
DE PAZ DA HAIA DE 19071.
HAIA, 8 de setembro de 2007. – Concluímos ontem, no Palácio da Paz,
jusinternacionalistas de distintas procedências (de todos os continentes), o
evento histórico de comemoração do centenário da II Conferência de Paz da
Haia de 1907, que convocamos e organizamos, os membros do Curatorium da
Academia de Direito Internacional da Haia, e que contou com a presença de
nossos convidados, os Juízes da Corte Internacional de Justiça e membros do
Institut de Droit International. Todos os selecionados participantes do evento
nos conhecíamos e nos reconhecíamos há anos, por nossas obras publicadas
em distintos países e pela dedicação constante, ao longo das últimas décadas,
a nossa causa comum do cultivo e da contribuição à evolução do Direito In-
ternacional.
1 A.A. Cançado Trindade, “O Centenário da II Conferência de Paz da Haia”, in Suplemento
`Direito e Justiça’ / Correio Braziliense, 24.09.2007, p. 1 (1a. ed.); e in 11 Revista Jurídica
Consulex – Brasília (15.10.2007) n. 258, pp. 23-27 (2a. ed. ampliada).
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ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE
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Por honrosa designação de meus pares, coube-me discorrer, em nome da
América Latina, no histórico conclave aqui ontem encerrado, sobre a presença
dos países latino-americanos na II Conferência de Paz da Haia de 1907. Minha
exposição se baseou em pesquisa que realizei, ao longo dos dois últimos anos,
nas Atas ociais da Conferência de 1907, depositadas nos arquivos do Palá-
cio da Paz aqui na Haia, assim como nos arquivos diplomáticos dos países da
América Latina, aos quais tive acesso graças à colaboração das Chancelarias
dos países da região. O estudo completo que realizei a respeito será publicado
integralmente pela Academia da Haia no próximo ano. A Conferência de Paz
de 1907 revestiu-se de enorme signicação para os países latino-americanos,
pois marcou seu ingresso denitivo no concerto universal das nações, o qual
se mostrou decisivo para a evolução do Direito Internacional.
Dos 26 Estados que haviam participado da I Conferência de Paz da Haia
de 1899, apenas um (o México) provinha da América Latina; oito anos depois,
dos 44 Estados participantes da II Conferência de Paz da Haia de 1907, 18
eram latino-americanos2. Esta signicativa mudança de composição tem uma
explicação histórica. Em nosso continente, a série de Conferências Internacio-
nais dos Estados Americanos teve início em 1889, ou seja, uma década antes
da I Conferência de Paz da Haia. E entre as duas Conferências de Paz da Haia
(de 1899 e 1907), nas duas Conferências dos Estados Americanos realizadas,
respectivamente, na Cidade do México em 1901 e no Rio de Janeiro em 1906,
os países de nossa região endossaram os resultados da I Conferência da Haia
de 1899, e inclusive os levaram adiante, sobretudo no tocante ao recurso à
arbitragem e ao não-uso da força (recorde-se que a célebre nota do Chanceler
argentino Luis María Drago, sobre a proibição do uso da força na cobrança de
dívidas públicas contratuais, data de 29.12.1902).
Assim, ao início da II Conferência de Paz da Haia, os Estados latino-ame-
ricanos tinham conquistado, por seus próprios méritos, seu espaço no concerto
universal das nações. E, ao longo da II Conferência da Haia (que se estendeu de
15 de junho a 18 de outubro de 1907), imprimiram aos trabalhos da mesma seu
espírito de universalidade (quanto a sua participação em bloco, assim como – e
sobretudo – quanto a sua visão do futuro do Direito Internacional). Já os unia, há
anos, um forte sentimento de solidariedade, que manifestaram, em conjunto, na
2 A saber: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, El Salvador, Equador,
Guatemala, Haiti, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana,
Uruguai e Venezuela. Cf. II Conférence Internationale de la Paix – Actes et documents, vol. I:
Séances plénières de la Conférence, La Haye, Ministère des Aaires Étrangères/Imprimerie
Nationale, 1907, pp. 689-701.
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OS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS E A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA
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aprovação pela Conferência de 13 Convenções3, na consolidação dos princípios
a estas subjacentes (que retêm plena validade em nossos dias), e no chamado
nal da Conferência à limitação de armamentos e ao desarmamento.
Da redação, um tanto dramática, deste chamado, transpareceram as pre-
ocupações que se faziam sentir, já em 1907, entre as Delegações dos Estados
participantes da II Conferência de Paz da Haia, com o que poderia vir a ocor-
rer. Tratou-se de um verdadeiro apelo à razão, à recta ratio, na forma de “vo-
tos” (voeux), no sentido de que os Estados participantes viessem a dar aplica-
ção efetiva às Convenções adotadas, e ademais a encontrar meios de reduzir os
gastos com armamentos (que haviam aumentado “consideravelmente” desde
a realização da I Conferência de Paz da Haia de 1899), imbuídos do mesmo
espírito de cooperação internacional que revelaram ao longo da II Conferên-
cia de Paz da Haia de 1907, em prol do “bem comum da humanidade” (“bien
commun de l’humanité”)4.
As contribuições dos Estados latino-americanos aos trabalhos da II Confe-
rência de Paz da Haia de 1907, e aos desenvolvimentos subseqüentes, concen-
traram-se particularmente em quatro temas, a saber: o recurso à arbitragem
e o não-uso da força, a igualdade jurídica dos Estados, o fortalecimento da
jurisdição internacional, e o acesso direto dos indivíduos à justiça internacio-
nal. No tocante ao primeiro, a Convenção Drago-Porter contou com o apoio
dos Estados latino-americanos, e alguns deles formularam reservas inclusive
ao recurso residual à força em caso de falha no recurso à arbitragem. Abriram,
assim, caminho para o Pacto Briand-Kellogg de 1928, o Pacto Saavedra Lamas
de 1933, e o artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas.
No tocante ao segundo, o mais eloqüente defensor da igualdade jurídica
dos Estados foi o Delegado brasileiro Ruy Barbosa, como consta das Atas da
3 A saber: I Convenção sobre Solução Pacíca de Controvérsias Internacionais; II Convenção
[Drago-Porter] sobre a Limitação do Uso da Força para a Cobrança de Dívidas Contratuais;
III Convenção sobre a Abertura das Hostilidades; IV Convenção sobre as Leis e Costumes
da Guerra Terrestre; V Convenção sobre os Direitos e Deveres das Potências e Pessoas
Neutras em Caso de Guerra Terrestre; VI Convenção sobre o Regime dos Navios Mercantes
Inimigos no Início das Hostilidades; VII Convenção sobre a Transformação dos Navios
Mercantes em Navios de Guerra; VIII Convenção sobre a Colocação de Minas Submarinas
Automáticas de Contato; IX Convenção sobre o Bombardeio por Forças Navais em Tempo
de Guerra; X Convenção para a Adaptação à Guerra Marítima dos Princípios da Convenção
de Genebra; XI Convenção sobre Certas Restrições ao Exercício do Direito de Captura na
Guerra Marítima; XII Convenção sobre a Criação de uma Corte Internacional de Presas;
e XIII Convenção sobre os Direitos e Deveres das Potências Neutras em Caso de Guerra
Marítima. Além dessas 13 Convenções, a II Conferência da Haia de 1907 também adotou
uma Declaração sobre a Proibição de Lançar Projéteis e Explosivos por Meio de Balões.
4 Cf. II Conférence Internationale de la Paix – Actes et documents, vol. I: Séances plénières de la
Conférence, La Haye, Ministère des Aaires Étrangères/Imprimerie Nationale, 1907, p. 700.
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