Os contratos nas técnicas de reprodução assistida

AutorBeatriz Capanema Young
Ocupação do AutorMestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduada em Direito pela IBMEC-RJ. Advogada
Páginas3-18
OS CONTRATOS NAS TÉCNICAS DE
REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Beatriz Capanema Young
Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduada
em Direito pela IBMEC-RJ. Advogada.
Sumário: 1. Introdução. 2. Técnicas de reprodução assistida. 2.1 A inseminação articial. 2.2.
A fertilização in vitro e a preservação criogênica de embriões. 2.3 A gestação por substituição.
3. O consentimento livre e esclarecido na reprodução assistida. 4. Considerações nais.
1. INTRODUÇÃO
A contemporaneidade trouxe novas situações que estão mudando os conceitos ou-
trora “naturais”, arraigados nos indivíduos em razão da cultura e da moral. Sexo sem repro-
dução e, principalmente, reprodução sem sexo são algumas das mudanças da sociedade
pós-moderna. Por meio de dois grandes saltos evolutivos da ciência, chegou-se ao atual
cenário. O primeiro passo ocorreu em 1960, com a criação da pílula anticoncepcional;
o segundo, a partir da década de 1970, com a difusão dos métodos de reprodução assis-
tida e seus bons resultados. Este segundo momento signif‌icou importante progresso no
combate a dois dos problemas mais antigos da sociedade: a infertilidade e a esterilidade.1
Com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana2 e da paternidade
responsável, a Constituição da República de 1988, em seu artigo 226, § 7º, reconhece
a todos o direito ao livre planejamento familiar. Tal direito abrange não somente a não
interferência no exercício do direito de fundar uma família, mas também o direito à
procriação.3 A regulamentação trazida pela Lei nº 9.263/96 prevê,4 em seu artigo 9º, o
1. LEWICKI, Bruno. O homem construtível: responsabilidade e reprodução assistida. In: BARBOZA, Heloisa Helena;
BARRETO, Vicente de Paulo. (Org.). Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 102.
2. Este valor fundamental ocupa uma posição eminente na ordem constitucional, signif‌icando que “a personalidade
humana não é redutível, nem mesmo por f‌icção jurídica, apenas à sua esfera patrimonial, possuindo dimensão
existencial valorada juridicamente na medida em que a pessoa considerada em si e em sua humanidade, constitui
o ‘valor fonte’ que anima e justif‌ica a própria existência de um ordenamento jurídico”. MARTINS-COSTA, Judith.
Bioética e dignidade da pessoa humana: rumo à construção do biodireito. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC,
Rio de Janeiro: Padma, v. 3, jul./set. 2000, p. 69.
3. Neste sentido: BARBOZA, Heloisa Helena. Reprodução humana como direito fundamental. In: Carlos Alberto
Menezes Direito; Antônio Augusto Cançado Trindade; Antônio Celso Alves Pereira. (Org.). Novas Perspectivas do
Direito Internacional Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 788; e TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado.
Conf‌lito positivo de maternidade e a utilização do útero de substituição. In: CASABONA, Carlos María Romeo;
QUEIROZ, Juliane Fernandes (Coord.). Biotecnologia e suas implicação ético-jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey,
2004, p. 311.
4. Lei 9.263/96, Art. 9º: “Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e
técnicas de concepção e contracepção cientif‌icamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das
pessoas, garantida a liberdade de opção”.
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BEATRIZ CAPANEMA YOUNG
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exercício do direito ao planejamento familiar, por meio do oferecimento dos métodos
e técnicas de concepção e contracepção cientif‌icamente aceitos. Apesar de não estar
expressamente no texto constitucional, entende-se que, como forma de concretizar o
direito à procriação, as “técnicas de concepção” devem abranger igualmente àquelas
referentes à reprodução assistida, caso haja alguma impossibilidade natural para tal.5
As técnicas de reprodução humana assistida consistem na interferência, auxilio
e facilitação da prática reprodutiva por meio da manipulação de gametas e embriões,6
criando novas possibilidades para que casais inférteis, casais homossexuais, famílias
monoparentais e, inclusive, pessoas já falecidas se reproduzam por meio da inseminação
artif‌icial, seja na forma homóloga ou heteróloga,7 da criação de embriões humanos in
vitro para sua posterior implantação ou até mesmo da gestação por uma mulher do f‌ilho
que será de outra.
Tais possibilidades e situações geradas a partir das novas técnicas de gestação
demonstram a importância de existir uma regulamentação adequada da matéria, de
ampla repercussão jurídica, especialmente no que diz respeito às estruturas familiares,
já profundamente abaladas em sua concepção original. O dinamismo e a rapidez com
que ocorrem os avanços no campo das relações sociais e tecnológicas coloca o direito
em descompasso com a ciência, o que deixa diversas questões carentes de respostas do
legislativo. A prova disso é a ausência de lei formal e específ‌ica para tratar sobre o tema.
Quanto às técnicas de reprodução assistida, o Código Civil dedicou ao assunto
apenas três incisos do artigo 1.597,8 que trata da presunção de paternidade dos f‌ilhos
havidos do casamento decorrentes da aplicação das técnicas de reprodução assistida,
gerando mais dúvidas do que soluções. Isso porque, além da imprecisão quanto às
nomenclaturas científ‌icas,9 o dispositivos apenas abordam as hipóteses de paternidade
por presunção durante o casamento heteroafetivo, deixando descoberta a situação da
gestação por substituição, em que a presunção de maternidade cai por terra, bem como
as situações de casais homoafetivos, uniões estáveis e pessoas solteiras.
As Resoluções do Conselho Federal de Medicina sobre o tema são, no momento,
a melhor regulamentação sobre o tema, pois a cada dois anos, o CFM tem buscado atu-
alizar as normas éticas ali trazidas com base nas demandas sociais.10 Entretanto, a des-
5. BARBOZA, Heloisa Helena. Proteção da autonomia reprodutiva dos transexuais. Revista Estudos Feministas,
Florianópolis, v. 20, n. 2, mai./ago. 2012, p. 552.
6. FREITAS, Márcia de; SIQUEIRA, Arnaldo A. F.; SEGRE, Conceição, A. M. Avanços em reprodução assistida. Revista
Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 93, 2008.
7. Será homóloga, quando se utiliza gametas do casal, cujos integrantes serão os pais da criança a nascer, ou heteró-
loga, na hipótese de o material ser doado por terceiro.
8. Teor do artigo 1.597 após a alteração promovida pela Lei 11.105/05 – Lei de Biossegurança: “Presumem-se conce-
bidos na constância do casamento os f‌ilhos: III – havidos por fecundação artif‌icial homóloga, mesmo que falecido
o marido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção
artif‌icial homóloga; V – havidos por inseminação artif‌icial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do
marido”.
9. Enunciado no 105 da I Jornada de Direito Civil, do Conselho de Justiça Federal (CJF): As expressões “fecundação
artif‌icial”, “concepção artif‌icial” e “inseminação artif‌icial” constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do
art. 1.597 deverão ser interpretadas como “técnica de reprodução assistida”.
10. Atualmente a resolução vigente é a de nº 2.168/2017, tendo revogado as anteriores de ns. 2.121/2015, 2.013/2013,
1.957/2010, 1.358/1992.
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