O controle de constitucionalidade

AutorJosé Adércio Leite Sampaio
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG. Professor do Curso de Graduação e Pós-Graduação da PUC-MG. Procurador da República
Páginas181-244
C
APÍTULO
IV
O CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE
Um ponto central da jurisdição constitucional, como vimos, é o
da fiscalização de constitucionalidade dos atos normativos. Por isso
mesmo, nosso estudo se deterá um pouco mais em alguns traços
característicos desse controle, analisando, de maneira comparada,
os parâmetros usados (I), os objetos controlados (II) e os efeitos das
decisões tomadas pelos tribunais da jurisdição constitucional (III).
SEÇÃO I
PARÂMETRO, REFERÊNCIA,
CÂNON OU BLOCO
DE CONSTITUCIONALIDADE
A Constituição é o ponto de partida do controle de constitu-
cionalidade. Mas se deve ficar atento às variações desse ponto de
partida, pois esconde diversos problemas. Em primeiro lugar, deve-
se analisar o efeito do tempo sobre ele e indagar se uma Constitui-
ção passada pode ser usada como parâmetro; ou, assim, trechos da
Constituição revogados. Às duas perguntas, a resposta, em geral, é
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182 A CONSTITUIÇÃO REINVENTADA
negativa. Mas há exceções. Na Costa Rica e no Panamá a Consti-
tuição pretérita compõe o bloco de constitucionalidade.
1
No Brasil,
a via incidental permite que se exerça a fiscalização de norma edi-
tada à época da vigência da Constituição ou do trecho constitucio-
nal revogado.
2
A via de ação ou direta, não.
3
Não se pode deixar de
notar também que o alcance objetivo do parâmetro é muito função
do processo que se usa e da própria teoria da Constituição que domina
em cada País. Por certo que o controle de constitucionalidade das
leis exige a Constituição inteira como parâmetro, porém os confli-
tos de competência ou os writs constitucionais vão exigir uma pas-
sagem apenas de seu texto. Assim como uma concepção de Consti-
tuição material, todavia normativa, permite a ampliação do cânon
de constitucionalidade, enquanto uma concepção puramente formal
conduz à direção oposta. Lembremos, para esse efeito, a extensão
do parâmetro de constitucionalidade na Itália, movida pela teoria
de “Constituição material” dominante naquele País, e a escassa
aplicação dos princípios constitucionais gerais como cânon de con-
trole, até bem recentemente na Áustria.
4
Na maioria das vezes, é a
Constituição abstratamente considerada, passada e presente; outras
vezes – e, na prática, em muitas vezes – é a Constituição que
resulta aplicada pelo órgão de jurisdição constitucional (Panamá)
ou segundo uma jurisprudência constante ou “direito vivente” (Itália).
5
A análise das experiências dos vários sistemas de jurisdição
constitucional nos pode fornecer uma idéia mais precisa de que
setor da Constituição tem servido mais a pôr em funcionamento o
processo de fiscalização. Veremos que a parte material da Consti-
1HOYO. El Control Judicial y el Bloque de Constitucionalidad en Panamá, p. 797, 801.
2De tantos exemplos, citem-se alguns poucos: Pleno. RE n. 118.585-SP. Rel. Min. Ilmar Galvão;
todavia em recurso extraordinário, não: Acórdão que julga não recebida pela Constituição
norma editada antes do início de sua vigência. Ausência, no caso, de declaração de
inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. RE n. 210.912. Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
3BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. 74-RN. Rel. Min. Celso de Mello.
RTJ v. 143, t. 2, p. 355-385. Por óbvio que não cabe, no âmbito de controle concentrado
perante o Supremo, contrastar lei local em face da Constituição estadual: ADInMC n. 717-
AC. Rel. Min. Ilmar Galvão. RTJ v. 143, t. 2, p. 504-506.
4ZAGREBELSKY. La Giustizia Costitucionale, p. 147 et seq.; CERRI. Corso di Giustizia
Costituzionale, p. 63, 147 et seq.; AJA e BEILFUSS. Conclusiones Generales, p. 267.
5ITÁLIA. Corte Constitucional. Sentença n. 202/1985; ZAGREBELSKY. La Dotrinna
Costituzionale del Diritto Vivente, p. 1148 et seq.
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O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
tuição, em que se declaram e garantem os direitos fundamentais, é,
de longe, o trecho constitucional mais acionado. Com intensidade
menor, mais nem por isso desprezível, vamos encontrar as normas
definidoras de competências, tanto na distribuição horizontal, quanto
na repartição vertical de poderes. Não será surpresa, todavia, se
nos depararmos com um uso menos constante dos chamados prin-
cípios fundamentais ou estruturais, como Estado de Direito ou va-
riantes e Democracia, dada a fluidez de sentidos que expressam;
nem gerará perplexidade maior a conclusão de que os Preâmbulos,
cuja positividade era dúvida até bem pouco tempo, não são empre-
gados como parâmetro. Na verdade, um e outro são recursos, qua-
se sempre retóricos, de interpretação ou reforço de convencimen-
to, embora se destaquem algumas exceções. Em Portugal, é a Cons-
tituição que remete os princípios a cânones de constitucionalidade
(art. 277.1), induzindo o Tribunal Constitucional a uma elaboração
mais detalhada de princípios como Estado de Direito democrático,
a separação de poderes, a reserva ou a prevalência da lei ou mesmo
o postulado de justiça, que já levou, por exemplo, a se considerar
inconstitucional a exclusão de indenização de trabalhadores demiti-
dos de uma empresa que fora fechada por força de um Decreto-lei
(sentença n. 162/1995). Também na Espanha, vez ou outra, apare-
cem como parâmetro a liberdade, a justiça, a igualdade e o pluralismo
político, pela inspiração do seu artigo primeiro que estatui ser a
Espanha um Estado social e democrático de Direito, propugnando
como valores superiores de seu ordenamento jurídico tais princípios.
6
Na França, o Conselho Constitucional, em decisão histórica datada
de 16 de julho de 1971,
7
baseando-se no valor jurídico do Preâm-
bulo da Constituição de 1958 e de suas remissões às declarações de
direitos de 1789 e de 1946, terminou por ampliar significativamen-
te o parâmetro de controle, introduzindo o conceito de bloco de cons-
titucionalidade, a congregar o próprio texto da Constituição de 1958,
a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto
de 1789, os “princípios políticos, econômicos e sociais particular-
mente necessários em nosso tempo”, presentes no Preâmbulo da
Constituição de 1946, “os princípios fundamentais reconhecidos
pelas leis da República”, vale dizer, nas legislações das I, II e III
6ESPANHA. Tribunal Constitucional. Sentença n. 53/1985. PUERTO. Jurisdicción Cons-
titucional y Procesos Constitucionales, I, p. 193.
7FRANÇA. Conselho Constitucional. Decisão n. 71-44. Recueil des Décision du Conseil
Constitutionnel, p. 244.
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