O controle da extimidade pelo neoliberalismo

AutorIuri Bolesina, Tássia A. Gervasoni e Felipe da Veiga Dias
Páginas487-502
O CONTROLE DA EXTIMIDADE
PELO NEOLIBERALISMO
Iuri Bolesina
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Espe-
cialista em Direito Civil pela Faculdade Meridional – IMED. Advogado. Professor do
Curso de Direito na Faculdade Meridional – IMED. Sócio Fundador da “Visual Jus” (@
visual.jus), startup de visual law. Associado ao IBERC – Instituto Brasileiro de Estudos
de Responsabilidade Civil. Pesquisador do Grupo de Pesquisas Direitos Fundamentais,
Democracia e Desigualdade, vinculado ao CNPQ. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-
5290-152X. E-mail: iuribolesina@gmail.com
Tássia A. Gervasoni
Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, com período sanduíche
na Universidad de Sevilla (Espanha). Mestre e Graduada em Direito pela Universidade
de Santa Cruz do Sul. Professora de Direito Constitucional na Faculdade Meridional
– IMED. Professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado na Facul-
dade Meridional – IMED. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Direitos Fundamentais,
Democracia e Desigualdade, vinculado ao CNPq. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-
8774-5421. E-mail: tassiagervasoni@gmail.com
Felipe da Veiga Dias
Pós-doutor em Ciências Criminais pela PUC/RS. Doutor em Direito pela Universidade
de Santa Cruz do Sul (UNISC) com período de Doutorado Sanduíche na Universidad de
Sevilla (Espanha). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade
Meridional (IMED) – Mestrado. Professor do curso de Direito da Faculdade Meridional
(IMED) – Passo Fundo – RS. Brasil. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Criminolo-
gia, Violência e Controle”. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8603-054X. E-mail:
felipevdias@gmail.com
Sumário: 1. Introdução – 2. Da aceitação da ideia de extimidade aos desaos nascidos da sua prática...
O seu sequestro – 3. Neoliberalismo, individualização e competição – 4. Conclusão – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Em artigo originalmente publicado no ano 2000, Wendy Brown1 analisa os
dilemas trazidos por determinados direitos e os paradoxos nem sempre considera-
dos no âmbito de um contexto (neo)liberal em que se coloca a existência de alguns
direitos que “não se pode não querer”. A autora chega a questionar “o que se perde
ao se conquistar (?)” determinadas posições jurídicas.
1. BROWN, Wendy. Sofrendo de direitos como paradoxos. Revista Direito Público. V. 18, n. 97, Brasília, jan.-fev.
2021. Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/5409. Acesso
em: 29 out. 2021.
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O paradoxo em questão adequa-se com facilidade à discussão proposta pelo
presente texto: o que se perde com o exercício do direito à extimidade? Não obstan-
te o conceito de extimidade venha a ser desbravado ao longo do primeiro capítulo,
pode-se antecipar que dentre suas premissas encontra-se o anseio e a valorização
do revelar-se para o mundo, consubstanciando uma espécie de releitura do cogito
cartesiano para “mostro, logo existo/resisto”. Evidente que isso se desenvolve no
âmbito de altamente complexas intersecções de dimensões individuais e sociais.
No entanto, ao passo que a extimidade ressignif‌ica e, de certo modo, expande
o próprio direito à intimidade, favorecida sobremaneira pelos diversos recursos
tecnológicos disponíveis, é também cooptada por esses mesmos recursos, não só
dispostos a f‌inanceirizar qualquer bem da vida, como capazes de capturar e conduzir
a extimidade, moldando e controlando subjetividades de maneiras perigosamente
imperceptíveis à maioria dos indivíduos.
Aliado a isso, as sociedades contemporâneas encontram-se imersas numa
racionalidade neoliberal que se alastra a todos os domínios imagináveis, impondo
uma dinâmica de individualização e concorrência não apenas interpessoal, como
individual. Eis o contexto em que se propõe questionar os sequestros da extimidade
pelo neoliberalismo.
Num primeiro momento, analisar-se-á um percurso desde a aceitação da ideia de
extimidade até os seus desaf‌ios mais recentes para, num segundo estágio, decompor
os principais discursos e estratégias do ethos neoliberal na imposição de uma lógica de
controle e concorrência que subjugam, inclusive, a extimidade. Para tanto, metodo-
logicamente valer-se-á de uma abordagem fenomenológico-hermenêutica, tomando
o objeto de investigação pela sua forma de “ser no mundo”, no que se inserem os
parâmetros daquele que observa. Quanto ao método de procedimento, empregar-se-á
o monográf‌ico, combinado com a técnica de pesquisa de documentação indireta por
meio da pesquisa bibliográf‌ica.
2. DA ACEITAÇÃO DA IDEIA DE EXTIMIDADE AOS DESAFIOS NASCIDOS DA
SUA PRÁTICA... O SEU SEQUESTRO
Os primeiros reality shows e as redes sociais pioneiras foram gatilhos para discus-
sões acerca da noção de extimidade. Os âmbitos de debate foram variados, tocando
aspectos cultuais, jurídicos e políticos sobre essa prática bastante aclarada com a
massif‌icação da internet2. Por quase duas décadas, a contar de 2000, o foco recaiu
2. Os atos de extimidade não dependem, necessariamente da rede mundial de computadores. A internet e suas
aplicações são canais de facilitação. Por exemplo, Bauman, assume que o primeiro ato contemporâneo de
extimidade ocorreu em um talk show francês, na década de 1980, quando uma esposa participante revelou ao
público que nunca havia tido um orgasmo em seu casamento em razão de seu esposo padecer de ejaculação
precoce. A partir do caso, Bauman admite que o fato em si causou duas rupturas na divisão público-privado:
uma de levar acontecimentos da intimidade para o público; outra de valer-se da arena pública para debater
a intimidade. BAUMAN, Zygmunt. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 227.
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