O controle judicial das omissões públicas como garantia de fruição dos direitos sociais pelos cidadãos

AutorJosé dos Santos Carvalho Filho
Páginas1-14

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1 Apresentação do tema

O Estado tal como é conhecido hoje1, Estado Nacional ou Moderno, composto por território, poder político e população, nasceu absolutista. A vontade do rei era lei e as regras jurídicas eram definidoras do poder exíguas, vagas e não reduzidas a escrito. Subdivide-se em dois períodos: direito divino e Estado de Polícia, que busca atribuir ao poder uma fundamentação racionalista. Em um segundo momento, influenciado pelas ideias do constitucionalismo, tornou-se Estado Representativo ou de Direito. Limitado pelas liberdades individuais, pela divisão do Poderes e pela redução ao mínimo de suas funções recuou na participação nas relações privadas.

Continuando seu processo de evolução, o Estado passou a hipervalorizar a democracia, a qual não mais era exercida apenas por meio da participação indireta, mas também pela atuação cada vez mais constante do povo nas decisões políticasPage 2 de seu país. Acresceram-se os direitos políticos dos cidadãos ao rol dos direitos fundamentais.

Com o passar dos anos, todavia, percebeu-se que o absenteísmo total do Estado não é o ideal, tendo em vista a necessidade de interferências estatais com o escopo de reduzir as desigualdades sociais. Assim, surgiu o Estado Social, o denominado Estado Providência.

Posteriormente, valores de solidariedade social e responsabilidade comum foram ganhando crescente espaço na sociedade civil.

Impende esclarecer que todo o exposto é uma breve introdução que se faz necessária para o melhor entendimento do contexto em que surgiram os direitos sociais, bem como da evolução dos direitos fundamentais, a qual passou por três dimensões coincidentes com os estágios de modificação estatal: absolutista para liberal, liberal para social e social para pós-social, consoante é explanado a seguir.

A doutrina classifica os direitos fundamentais como: primeira, segunda e terceira dimensões. Os primeiros são os individuais e políticos clássicos; os últimos são os direitos de solidariedade ou de fraternidade, que englobam os direitos a uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, a um meio ambiente equilibrado e a outros direitos difusos; os segundos, por fim, são os direitos econômicos, culturais e sociais, para os quais será dispensada maior atenção.

O estabelecimento de constituições escritas está diretamente ligado à edição de declarações de direitos do homem, uma vez que são as constituições que citam o rol dos direitos fundamentais a serem assegurados pelo Estado.

Inicialmente, surgiram os direitos de primeira dimensão, que exigem prestação negativa do Estado, um deixar de agir, funcionando como verdadeiras escusas aos tentáculos estatais. Com o passar dos tempos, surgiram os direitos de segunda dimensão que, em contraposição aos seus antecessores, imprescindiram de conduta ativa do Estado, transformando-o em Estado Assistencial, cuja função é tentar propiciar a igualdade material dos cidadãos em detrimento da mera isonomia formal.

A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe, em seu artigo sexto, que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, aPage 3 segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Todos são direitos de segunda dimensão e dependem de atuação estatal para serem respeitados. Ocorre que nem sempre o Poder Público executa os programas que lhe são impostos pela Constituição, seja por ações ineficientes, seja por inércia.

No Brasil, vige o princípio da Separação dos Poderes coexistindo harmonicamente, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. O primeiro atua na elaboração de normas regulamentadoras,;o segundo, na administração de políticas públicas; e o último atua subsidiariamente, agindo quando há insuficiência de um dos outros Poderes no exercício de suas atribuições, para solucionar conflitos de interesses.

Como a função do Poder Legislativo é elaborar normas, se ele não as fizer, impedindo, assim, que um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional dependente de regulamentação sejam exercidos, o Poder Judiciário entrará em cena fazendo o controle de constitucionalidade, mais especificamente, agirá para sanar a inconstitucionalidade por omissão, julgando ações diretas de inconstitucionalidade por omissão e mandados de injunção. Se elabora a norma, mas o faz de forma incompatível com as disposições constitucionais, o Judiciário atuará como legislador negativo, após provocação, por meio dos chamados processos objetivos, declarando a inconstitucionalidade da lei.

Não obstante existirem os meios de controle concentrados de constitucionalidade, que têm validade erga omnes, o Judiciário pode ainda ser provocado para agir dentro de um processo subjetivo, incidentalmente, situação em que fará o controle difuso de constitucionalidade, com validade inter partes.

O controle da atuação do Poder Executivo, por sua vez, é bem mais complicado.

Como dito supra, os direitos de segunda dimensão, nos quais estão inseridos os direitos sociais, exigem prestação positiva do Estado, um facere, a realização de políticas públicas que assegurem os direitos, liberdades e prerrogativas previstos na Constituição, a constar: saúde, moradia, educação e trabalho, dentre outros.

A efetivação de tais políticas, no entanto, está condicionada à existência de verbas disponíveis para sua realização; aqui reside o principal limite para a atuação da Administração Pública.

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Citar direitos sociais e dizer que o Poder Público tem a função de garanti-los, a Constituição fez muito bem, porém permaneceu desatenta à realidade sócio-política brasileira, que não tem condições fáticas para assegurar a grande quantidade de direitos nela previstos.

Sobre o tema, Manoel Gonçalves Ferreira Filho leciona de forma precisa:

A Constituição de 1988 agravou a governabilidade brasileira ao sobrecarregar o Estado de tarefas, sem providenciar os recursos para as mesmas, ou seja, preocupou-se com a distribuição das riquezas, não com a produção delas2.

Assim, ou o Poder Público paga uma quantia possível como salário mínimo aos seus servidores, ou leva o país à falência, pagando mais do que pode, para garantir salário capaz de atender ao trabalhador e à sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, vestuário, higiene, transporte, previdência social, além de ter que fazer reajustes periódicos para manter o seu poder aquisitivo (CF, art. 7º, IV). A questão parece ser simples, o Estado não faz o que ele não pode.

Todavia, em não cumprindo as ordens constitucionais, que expressamente estabelecem o dever do Estado de garantir salário-mínimo nessas condições, por exemplo, o Estado está esvaziando o conteúdo da Constituição.

Nesse contexto, surgem três teorias que são assaz importantes. A primeira delas é a teoria das normas programáticas, a qual preceitua que as normas que estabelecem os direitos sociais têm caráter programático, não sendo esses direitos exigíveis do Estado de imediato.

Sobre o assunto, José Afonso da Silva afirma que:

O problema que se coloca agudamente na doutrina recente consiste em buscar mecanismos constitucionais e fundamentos teóricos para superar o caráter abstrato e incompleto das normas definidoras de direitos sociais, ainda...

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