Corrupção

AutorLeandro Mitidieri Figueiredo
Páginas25-119
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CAPÍTULO I
A teorização em torno da ideia de um governar de forma
corrompida é bem antiga. No presente capítulo serão reunidas algumas
concepções de corrupção. Além das concepções, as causas da
corrupção também são analisadas sob as diferentes abordagens
sociológica, econômica e psicológica. Essa matéria se insere no tópico
intitulado teoria da corrupção.
A partir das concepções mais elementares de corrupção é
possível a distinção entre corrupção em sentido amplo e em sentido
estrito. Outras classificações também são elencadas, sempre na
perspectiva de se enxergar melhor a complexidade do fenômeno da
corrupção.
Mas esse fenômeno também deve ser analisado como se
apresenta no mundo e no Brasil. No mundo, há casos emblemáticos,
como o italiano, que merecem menção. Já a corrupção no Brasil será
estudada como aparece na literatura nacional, no pensamento
brasileiro, sua relação com a questão eleitoral e seu caráter sistêmico.
1. CORRUPÇÃO
1.1. Teoria da Corrupção
1.1.1.
Abordagem Sociológica
A filosofia chinesa, na figura um tanto lendária de Confúcio
(forma latinizada de Kung-Fu-Tzu), por volta de 500 a.C., época em
que o território chinês encontrava-se fragmentado em um grande
número de estados constantemente em guerra, permeado de corrupção
em todos os níveis de poder e grande miséria, já abordava a questão da
honestidade no governo.
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Para Confúcio, inspirado nas ideias de virtude e exemplo,
“Governar é ser reto. Se diriges com retidão, quem ousaria não ser
reto?”2. Ainda, se opondo a um legalismo da época, entendia que o
povo devia ser guiado pela virtude e não por manobras políticas, leis e
castigos, que não desenvolviam um senso de vergonha e participação3.
Cético em relação à solução por meio da legislação, defendia que a
coesão social seria obtida pelo “rito”, ou seja, os bons costumes e
hábitos herdados dos ancestrais. Nessa linha, o pré-requisito para o
exercício do poder eram qualidades morais e éticas, alcançadas por
meio de uma rígida educação (meritocracia), antídoto contra a
corrupção e a degradação (reforma social pela educação, aprendizado
da moral)4.
ARISTÓTELES, no século IV a.C., com base em formulações
anteriores, como a de Heródoto um século antes, realizou sua definição
clássica de seis tipos de governo, três deles justos e três versões
corrompidas deles. A monarquia governo de um só -, a aristocracia
governo de uns poucos, dos melhores homens e o governo
constitucional de uma grande parte dos cidadãos teriam como
característica visarem ao bem comum. As suas versões corrompidas se
caracterizariam justamente por perseguirem interesses particulares: a
tirania, o interesse do monarca, a oligarquia, o interesse dos ricos e a
democracia, o interesse dos pobres5.
Extrai-se de ARISTÓTELES, assim, a concepção de corrupção
como a sobreposição, no governo, dos interesses particulares sobre o
2 CONFÚCIO. Os Analectos. Tradução André Bueno. Disponível em:
<http://chines-classico.blogspot.com.br/>. Acesso em: 21 set. 2016. Diálogo
12.17. No diálogo 12.19: “Se desejas o que é bom, o povo será bom. O poder moral
do cavalheiro é vento, o poder moral do homem c omum é grama. Sob o vento, a
grama tem que ser curvar.”
3 Ibid. Diálogo 2.3: “Guia-o por meio de manobras políticas, contém-no com castigos
(e leis): o povo se tornará dissimulado e desavergonhado. Guia-o pela virtude,
contém-no pelo ritual: ele desenvolverá um senso de participação.”
4 BUENO, André. Sinologia e confucionismo: a importância dos estudos confucionistas p ara a
compreensão da civilização chinesa. Disponível em:
<http://sinografia.blogspot.com.br/2012/10/sinologia-e-confucionismo.html>.
Acesso em: 21 set. 2016.
5 ARISTÓTELES. A política. Brasília: Editora da UnB, 1985, Livro III, Cap. V.
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bem comum. A sobreposição das vantagens pessoais e desejos ao bem
comum tornaria o governo corrompido na medida em que a ordem
daria lugar às paixões6.
MAQUIAVEL, no início do século XVI, ao discorrer sobre a
corrupção em Roma, apesar de conhecido por se distanciar da ética
cristã da época, também identificava a corrupção com a prevalência dos
interesses particulares na gestão da coisa pública:
“Mas, quando os cidadãos se corromperam, a
instituição ficou sujeita a numerosos
inconvenientes: os homens poderosos
passaram a propor leis, não no interesse da
liberdade, mas no do seu próprio poder; e ninguém
ousava falar contra esses projetos, devido ao temor
que seus proponentes inspiravam. De modo que o
povo, enganado ou constrangido, se via obrigado
a decretar a própria ruína.”7
Uma visão mais realista sobre o tema parece admitir que o
fenômeno da corrupção está sempre presente, ameaçando qualquer
forma de governo. O enfoque é na estruturação dos governos, de
modo a evitar essa prevalência dos interesses públicos sobre o bem
comum.
ESPINOZA, em 1670, na sua obra “Tratado Político”, adverte
que o homem é mais dominado pela paixão do que pela razão e
inclinado mais para a vingança do que para a misericórdia, isto é, mais
para o mal do que para o bem. Necessário, então, no momento em
que se colocam os fundamentos do Estado, ter olho atento nas paixões
humanas. Frisa a causa que faz agir os seres humanos: o amor da glória.
Descreve suas fraquezas e termina dizendo que eles não são deuses,
isto é, que não têm a necessária força para resistir às seduções de toda
espécie. Assim, são exigidas instituições de tal jeito bem constituídas
6 FILGUEIRAS, Fernando. A teoria política da corrupção. Disponível em:
<http://www.ecsbdefesa.com.br/fts/TPC.pdf>. Acesso em: 9 out. 2016.
7 MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Brasília :
Editora da UnB, 1985, p. 76.

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