Corrupção e desigualdade

AutorLeandro Mitidieri Figueiredo
Páginas121-172
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CAPÍTULO II
No presente capítulo adentra-se na questão da relação entre
corrupção e desigualdade social. Primeiramente, são estudados
aspectos da desigualdade social no mundo e no Brasil.
Em seguida, é abordada a peculiaridade de nossa lei maior
abordar a questão da desigualdade, estampando o objetivo fundamental
constitucional de redução da desigualdade.
O capítulo é concluído com a reunião de estudos sobre a
corrupção e seus efeitos econômicos e sociais, em que é abordada a
relação da corrupção com o crescimento econômico, com o
desenvolvimento humano e com a desigualdade social.
2. CORRUPÇÃO E DESIGUALDADE
2.1. Desigualdade Social
Falar de desigualdade é falar de justiça social. JOHN RAWLS,
como já abordado, entendia que a justiça seria extraída de um acordo
hipotético em que todos estariam em uma posição original de equidade.
Sob esse “véu de ignorância” 247, em que as pessoas não saberiam as
posições que ocupariam na sociedade, elas definiriam o que é justo.
Dessa posição original de equidade, emergiriam dois princípios de
justiça: definição das mesmas liberdades básicas para todos os cidadãos
247 RAWLS, John. Uma teoria da justiça . Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981,
p. 33: “Melhor seria que a ide ia principal fosse que os princípios de justiça para a
estrutura básica da sociedade são o objeto do acordo original. Estes princípios são os
que as pessoas livres e racionais, re unidas pelos mesmos interesses, adotariam
inicialmente quando todos estivessem numa posição de igualdade, para definir os
termos fundamentais da associação que estariam fazendo. Estes princípios irão
regular todos os fu turos entendimentos; iriam especificar os gêneros de cooperação
social que poderiam vir a ser incluídos no governo, assim como determinariam as
formas de governo. A esta maneira de ver os princípios de justiça chamaremos de
justiça como equidade”, como já citado anteriormente.
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e permissão apenas de desigualdades sociais e econômicas que de
alguma forma beneficiassem os menos favorecidos. Ele acreditava que
todos concordariam com o princípio que fundamentaria alguma forma
de redistribuição248.
Enquanto RAWLS via a justiça social associada com o acesso a
bens primários, ou seja, coisas que um homem racional supostamente
queira, não importando o que mais ele quiser, AMARTYA SEN,
ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, propôs que
deveríamos focar nas “capacidades” ou capabilities”, no sentido de
oportunidades abertas para pessoas segundo seus propósitos, ou seja,
do que os bens podem fazer pelas pessoas em situações particulares.
Trata-se não apenas dos resultados, mas também da diversidade de
oportunidades, que SEN considera essencial à liberdade pessoal. Daí
o título de seu livro: “Desenvolvimento como liberdade”249.
A ideia de “capabilities” ampliou as dimensões de análise do
desempenho social e econômico, influenciando notadamente o
surgimento do índice de desenvolvimento humano, criado por Mahbub
ul Haq, com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, em
1990. O objetivo da criação do Índice de Desenvolvimento Humano
foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o
produto interno bruto (PIB) per capita, que considera apenas a
dimensão econômica do desenvolvimento. O IDH parte de um
conceito simples: o desenvolvimento significa alargar as escolhas
humanas atribuindo maior destaque à riqueza das vidas humanas, e não,
de forma redutora, à riqueza das economias250.
248 SANDEL, Michael J. Justiça o que é fazer a coisa ce rta. Tradução Heloisa Matias e
Maria Alice Máximo. 21ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, p. 48
e 64-65.
249 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 32.
250 Além de computar o PIB per capita, depois de corrigi-lo pelo poder de compra da
moeda de cada país, o IDH também leva em conta dois outros componentes: a
longevidade e a educação. Para aferir a longevidade, o indicador utiliza números de
expectativa de vida ao nascer. O item educação é avaliado pelo índice de
analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. A renda é
mensurada pelo PIB per capita, em dólar PPC (paridade do poder de compra, que
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Inspirados na ideia de desenvolvimento humano,
MUHAMMAD YUNUS, banqueiro e economista de Bangladesh,
premiado com o Prêmio Nobel da Paz em 2006, fundou o Grameen
Bank, um banco do povo251, que aplicava seus conceitos de
microcrédito e microfinanças252. Kailash Satyarthi, ganhador do
Prêmio Nobel da Paz em 2014, com base no fato de que grande parte
da população mundial, especialmente nos países pobres, é composta
por crianças e jovens, entendia que era fundamental que seus direitos
fossem respeitados. Assim, travou uma luta pacífica para impedir que
crianças fossem exploradas pelo trabalho, em vez de frequentarem a
escola, contribuindo para o desenvolvimento de convenções
internacionais sobre os direitos da criança253.
O IDH leva em conta renda, educação e saúde, mas não a
distribuição de renda. No tocante especificamente à desigualdade
econômica, uma importante medida é o índice de Gini, criado pelo
matemático italiano Conrado Gini, em 1912. Instrumento para medir
o grau de concentração de renda em determinado grupo, aponta a
diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos,
variando de zero a um (ou zero a cem), com zero representando a
situação de igualdade total254.
elimina as diferenças de custo de vida entre os países). Essas três dimensões têm a
mesma importância no índice, que varia de zero a um. Disponível em:
<http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr15_overview_pt.pdf>. Acesso em: 30
jan. 2016.
251 YUNUS, Muhammad. Banker to the poor: micro-l ending and the battle against world
poverty. Londres: Aurum Press, 1998, passim.
252 STIGLITZ ataca a ideia da economia de fomento indireto, afirmando ser uma
falácia a de que o 1% mais rico impulsiona a inovação. No mundo todo, há rique za
de criatividade, abundância de empreendedorismo caso haja uma demanda adequada.
Assim, defende políticas de aumento de renda das famílias. STIGLITZ, Joseph E.
O grande abismo: sociedades desiguais e o que podemos fazer sobre isso. Rio de Janeiro: Alta
Books, 2016, p. 380.
253 Disponível em:
<https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/peace/laureates/2014/satyarthi-
facts.html>. Acesso em: 30 jan. 2016.
254 Disponível em:
<https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/peace/laureates/2014/satyarthi-
facts.html>. Acesso em: 30 jan. 2016.

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