A Covid-19 como doença ocupacional: nexo causal e concausal

AutorJosé Antônio Ribeiro de Oliveira Silva
CargoJuiz Titular da 6a Vara do Trabalho de Ribeirão Preto (SP)
Páginas41-58
REVISTA TRABALHISTA DIREITO E PROCESSO — ANO 19 — N. 63
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A Covid-19 como doença ocupacional:
nexo causal e concausal
José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva(*)
Resumo:
O presente estudo demonstra uma compreensão mais acurada sobre a possibilidade de a
Covid-19 ser considerada como doença ocupacional, com a análise do teor das normas do
(i) art. 20, § 1o, “d”, da Lei n. 8.2113/91 e do (ii) art. 29 da MP n. 927/2020, com enfoque
especial à decisão do (iii) E. STF a respeito da (in) constitucionalidade do referido art. 29,
tendo em vista que este, ao excluir aprioristicamente o nexo causal entre o trabalho e a
Covid-19, impôs aos trabalhadores das (iv) atividades essenciais um fardo demasiada-
mente pesado em termos de ônus da prova, praticamente deles exigindo a chamada prova
diabólica. Se, por outro lado, isso implica transferir ao empregador o mesmo absurdo
encargo de prova, propõe-se, ao nal, a utilização do (v) instituto da concausa como fator
de equidade, aplicando-se, dentre outros, o princípio da solidariedade.
Palavras-chave:
Covid-19 — Doença ocupacional — Nexo causal e concausa.
Abstract:
is study presents a more accurate comprehension of the possibility of Covid-19 being
considered as a labor disease, with an analysis of the content of (I) art. 20, § 1o, “d” , of
Law n. 8.2113/91 and of (ii) art. 29 of MP n. 927/2020, with a special focus on the (iii)
STF’s decision about the (un) constitutionality of the mentioned article 29, as this one,
when excluding the causal link between Covid-19 and work, imposed on (iv) specialized
activities workers a heavy burden in terms of proof onus, almost requiring a “diabolical
proof”. If, otherwise, this would transfer the same absurd burden of proof to the employer,
its proposed, in the end, the use of the (v) contributing cause institute as an equity factor,
applying, among others, the solidarity principle.
Key-words: Covid-19 — Labor disease — Causal link — Contributing cause.
Índice dos Temas:
1. Introdução
(*) Juiz Titular da 6a Vara do Trabalho de Ribeirão Preto (SP).
Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela
Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM), na Espanha –
Título revalidado pela Universidade de São Paulo (USP).
Mestre em Direito Obrigacional Público e Privado pela
UNESP. Professor Contratado do Departamento de Direito
Privado da USP de Ribeirão Preto (2017 a 2019) e da Escola
Judicial do TRT-15.
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REVISTA TRABALHISTA DIREITO E PROCESSO — ANO 19 — N. 63
1. Introdução
A humanidade está a passar por um período
sem precedentes. Ainda que já tenha havido
várias pandemias no curso da história — ten-
do sido bastante recordada a provocada pela
chamada gripe espanhola, de 1918 —, por certo
que a pandemia da Covid-19 tem gerado uma
situação caótica, em nível universal. Até mes-
mo por conta do alto progresso tecnológico
alcançado, sobretudo no campo da geração
e transmissão das informações, praticamente
em tempo real, de canto a canto do planeta a
humanidade sente os efeitos nefastos da refe-
rida pandemia.
No campo das relações de trabalho os ree-
xos imediatos do isolamento social e por vezes
do lockdown são absurdamente intensos, tra-
zendo à tona o tema da centralidade do trabalho
humano. Empresas que não conseguem honrar
as obrigações trabalhistas de seus empregados,
trabalhadores informais que cam à mercê de
programas governamentais, autônomos que
se veem completamente sem renda e uma in-
nidade de situações de empobrecimento da
população, que não estão no objeto de estudo
deste breve artigo.
De outra mirada, inúmeros trabalhadores
que não podem parar, por prestarem labor em
atividades consideradas essenciais à manutenção
da mínima organização social e, sobretudo, ao
imediato socorro às vítimas do insidioso vírus,
em hospitais, farmácias e congêneres. Por
que não dizer, também os trabalhadores que
se veem forçados a trabalhar por imposição
de seus empregadores, sob pena de perder o
posto de trabalho numa situação de gravíssima
estagnação e/ou retração econômica.
Uma das maiores preocupações que o Esta-
do e a sociedade precisam ter em relação a esses
trabalhadores que continuam prestando seus
serviços é a que diz respeito à proteção de seu
bem maior: sua saúde laboral, extensão física
de seu próprio direito à vida, o mais essencial
de todos. Daí que se tornam absolutamente
necessárias medidas de proteção e scalização
dos ambientes de trabalho, a m de se evitar
os acidentes laborais em sentido lato: acidentes
típicos e doenças ocupacionais.
Contudo, de todo sabido que acidentes
ocorrerão e doenças serão adquiridas nesse
período tenebroso, inclusive a temível doença
do tempo presente: a Covid-19. O problema é:
como o trabalhador irá conseguir comprovar
que adquiriu essa doença por ocasião do
exercício de seu trabalho? De outra mirada, a
se presumir que, simplesmente por estar traba-
lhando, a pessoa adquiriu a referida doença no
trabalho — quando se sabe que é praticamente
impossível denir com exatidão quem foi o
transmissor e o momento da transmissão da
doença —, isso poderia signicar a total der-
rocada das empresas, que já se encontram em
situação de grave crise nanceira.
Pois bem, foi com o propósito de equacionar
essa difícil questão que o Governo Federal, ao
editar a MP (Medida Provisória) n. 927, optou
2. Acidente do trabalho e as doenças ocupacionais
2.1. Exclusões legais: as doenças endêmicas
2.2. A pandemia da Covid-19
3. A MP n. 927 e a exclusão apriorística do nexo causal
4. A decisão do E. STF sobre a questão
5. A ratio decidendi no que concerne às chamadas atividades essenciais
6. A concausa como fator de equidade; aplicação do princípio da solidariedade
7. Conclusão
8. Referências
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