Crianças e pais no direito de família

AutorElisa Costa Cruz
Páginas9-78
Capítulo 1
Crianças e Pais no Direito de Família
O direito de família é usualmente estudado a partir de
três subdivisões: entidades familiares, na qual se incluem o
estudo do casamento e da união estável, bem como as situa-
ções jurídicas existenciais e patrimoniais que deles decor-
rem; parentesco e filiação; e, por fim, os institutos assisten-
ciais da tutela, curatela e tomada de decisão apoiada1.
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1 Encontra-se essa organização em: PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Instituições de direito civil: direito de família. 16ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, v. V; e, VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direi-
to de família. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 6. Paulo Lôbo divide o
estudo do direito de família em quatro seções: direito das entidades
familiares, direito parental, direito patrimonial familiar e direito tute-
lar (LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2008).
Rolf Madaleno elenca como objetos de estudo do direito de família o
direito pessoal, direito patrimonial, união estável, tutela e curatela
(MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. Rio de Janei-
ro: Forense, 2013). Guilherme Calmon Nogueira da Gama sustenta
que os objetos de estudo do direito de família são o direito matrimo-
nial e convivencial, o direito parental e o direito assistencial (GAMA,
Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: família. São Paulo:
Atlas, 2008)
Essa estrutura formal é similar à organização das normas
de direito de família no Código Civil, com a seguinte or-
dem: casamento, relações de parentesco, regime de bens,
usufruto e administração dos bens de filhos menores, ali-
mentos, bem de família, união estável, tutela, curatela e
tomada de decisão apoiada. A diferença entre essa formula-
ção doutrinária e a legal reside no fato de que o Código
Civil distingue seus temas entre direitos pessoais e patri-
moniais, mas ainda assim, existem aglutinações em torno
de entidades familiares, relações parentais e institutos as-
sistenciais em um e outro.
Um traço pouco percebido nessas formas de dividir o
direito de família é a adoção de uma perspectiva da pessoa
adulta, que pode exercer a sua autonomia para casar, estar
em união estável e ter filhos. A centralidade que a pessoa
adulta e capaz exerce no direito de família pode ser verifi-
cada na existência de normas que disciplinam o direito e as
condições para o casamento e a união estável, os efeitos
dessas entidades, a formação do parentesco, as regras de
determinação da filiação materna e paterna e as situações
que levam à aplicação da curatela, tutela e tomada de deci-
são apoiada. Não há previsões normativas na direção oposta
em que uma criança seja a titular de situações jurídicas.
A proeminência do adulto no direito de família é o re-
sultado da importância atribuída às categorias jurídicas de
sujeito e direito subjetivo no direito civil. A possibilidade
de agir juridicamente pertence ao sujeito a quem o direito
permite, isto é, que possua capacidade de fato e possa exer-
cer sua autonomia na regulação de seus interesses com os
demais sujeitos2. A criança, embora dotada de capacidade
de direito, não possui capacidade de agir e o exercício de
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seus direitos será realizado de forma indireta por seus rep-
resentantes legais, que, como regra, são os pais.
O resultado é a fragilização do reconhecimento da crian-
ça como detentora de direitos na relação familiar. Contu-
do, de acordo com Pietro Perlingieri, também nos institu-
tos de “direito de família está presente a noção de relação
jurídica, não necessariamente conflitual ou caracterizada
por uma contraposição, podendo ela existir entre situações
que tutelam o mesmo interesse, sem se colocar em aberto
conflito com a outra”3. Ou seja, entre as pessoas que a lei
agrupa em torno do conceito de família se estabelecem
múltiplas situações jurídicas, patrimoniais ou existenciais4,
e a regência legal dessas situações perpassa obrigatoriamen-
te pela composição de todos os interesses envolvidos.
Um segundo problema da estrutura jurídico-formal do
direito de família é a importância ocupada pelo casamento
como fonte de existência de situações jurídicas familiares5.
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2 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucio-
nal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 731.
3 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucio-
nal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 985.
4 Ibidem, p. 986.
5 “O instituto do casamento é o primeiro na ordem cronológica,
pela sua importância, pela sua abrangência e pelos seus efeitos. É o
casamento que gera as relações familiares originariamente. Certo é
que existe fora do casamento, produzindo consequências previstas e
reguladas no Direito de Família. Mas, além de ocuparem plano secun-
dário, e ostentarem menor importância social, não perdem de vista as
relações advindas do casamento, que copiam e imitam, embora as con-
trastem frequentemente. A preeminência do casamento emana subs-
tancialmente de que original dele as relações havidas do casamento,
como a determinação dos estados regulares e paragonais que, sem ex-

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