Efeitos da despatrimonialização da guarda

AutorElisa Costa Cruz
Páginas139-200
Capítulo 3
Efeitos da despatrimonialização da Guarda
Parental
O status jurídico de pessoa advindo dos direitos huma-
nos em favor da criança a tornam mais do que destinatária
da disciplina da guarda parental. Ela se torna partícipe des-
sa relação. antes, a guarda era um instituto que regulamen-
tava as funções dos pais em relação aos filhos. Ressignifica-
da, a guarda é uma relação tríade, composta por pais e filhos
e funcionalizada para o atendimento dos interesses destes
últimos.
Esses novos eixo e estrutura impossibilitam que os efei-
tos da guarda sejam preservados da forma como estão esta-
belecidos. Faz-se necessário propor novas formas de exercí-
cio, novas modos de relação entre pais e filhos que estejam
em conformidade com o dever de cuidado inerente a guar-
da parental.
Os debates desse capítulo visam a construção de novos
paradigmas para o exercício da guarda. Por essa razão, dis-
cussões e proposições com caráter punitivo não são apre-
sentadas em toda a sua extensão, pois se considera que elas
apresentam um baixo grau de contribuição para o desenvol-
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vimento infantil e para o atendimento do melhor interesse
da criança, que, afinal, é a diretriz de todo o trabalho.
3.1. O fim da guarda como posse e os novos arranjos paren-
tais
A transformação da “guarda de” um filho em “cuidado
com” um filho demanda novos olhares sobre o conteúdo
deste instituto, que, como proposto no capítulo anterior, se
organiza a partir da assistência material, moral e educacio-
nal à criança.
Prefere-se, contudo, usar a expressão assistência pessoal
no lugar de assistência moral. A qualificação da assistência
como moral poderia levar ao entendimento de que se trata
de uma responsabilidade parental restrita ao desenvolvi-
mento de valores norteadores de relações sociais e conduta,
quando, na verdade, se trata de responsabilidades de desen-
volvimento da criança em si, nas relações com os pais e
demais parentes e na sociedade. Assim, a expressão assis-
tência pessoal denota um espectro mais amplo de deveres
que precisam ser realizados.
O artigo 227 da Constituição da República elenca alguns
dos deveres de assistência pessoal que os pais têm obrigação
de realizar para o desenvolvimento da pessoa dos filhos.
Dentre eles tem-se o direito à vida, a saúde, à alimentação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao res-
peito e à liberdade276, ou seja, prestações que têm por ob-
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276 O Título II do Estatuto da Criança e do Adolescente (“Dos direi-
tos fundamentais”) dispõe de modo mais detalhado sobre esses direi-
tos prestacionais devidos à criança.
jetivo assegurar que as crianças alcancem a vida adulta da
melhor forma possível, mediante a prática de atos que cul-
tivem positivamente todos os aspectos da sua vida. Devem
ser incluídas as condutas inerentes ao desenvolvimento afe-
tivo da criança, morais, éticas e regras de socialização.
Ainda nesse âmbito encontra-se, sob forma negativa, o
dever de proteger a criança de situações de violência ou da
supressão de seus direitos fundamentais, porque tais cir-
cunstâncias constituem barreiras ao desenvolvimento in-
fantil. Alguns estudos sugerem que o estresse tóxico pro-
longado, que ocorre quando crianças experimentam fortes,
frequentes ou prolongados períodos de violência, pode cau-
sar rupturas no corpo humano, aumentando o risco de
doenças relacionadas ao estresse e comprometimentos cog-
nitivos na vida adulta277.
A proibição de violência significa a impossibilidade do
uso de qualquer espécie de violência pelos pais contra a
criança, mesmo que de natureza leve e com finalidade cor-
retiva ou educacional. No Código Civil de 1916, a conjuga-
ção do artigo 384, VII, e artigo 395, I, autorizava a conclu-
são de que os pais poderiam castigar os filhos de modo leve
ou moderado para fins educativos. Diante da prevalência da
dignidade da pessoa humana, da doutrina da proteção inte-
gral e do princípio do melhor interesse da criança, essa per-
missividade legal foi excluída do nosso ordenamento278.
141
277 Informação sobre os estudos disponíveis em: https://developing-
child.harvard.edu/science/key-concepts/toxic-stress/. Acesso em
30.nov.2019.
278 SOUZA, Iara Antunes de; BERLINI, Luciana Fernandes. Autori-
dade parental e lei da palmada. Revista Brasileira de Direito Civil,

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