Guarda parental no código civil

AutorElisa Costa Cruz
Páginas79-138
Capítulo 2
Guarda Parental no Código Civil
Na língua portuguesa, guarda é utilizada para indicar vi-
gilância, cuidado, preservação, retenção, responsabilidade
pelo depósito de uma coisa163. O sentido jurídico de guar-
79
163 No dicionário eletrônico Houaiss, encontramos as seguintes defi-
nições: “1. ação ou efeito de guardar, vigilância, cuidado, guardamen-
to; 2. ação de ser depositário de um bem, responsabilizando-se pela
sua inteireza, cuidado, proteção; custódia; 3. grupo cujo serviço é o de
vigiar e velar pela segurança de um lugar ou alguém; serviço de prote-
ção e vigilância feito por um corpo de tropa ou por uma sentinela; 4.
(fig.) algo que oferece amparo ou acolhimento; proteção, abrigo; be-
nevolência; 5. vigilância sobre pessoa retida para impedi-la de evadir-
se; 6. ação de preservar valores intelectuais ou morais; 7. vara compri-
da com rebentos que, após a poda, se deixa na videira; 8. (desp.) em
boxe ou em esgrima, maneira de postar o corpo e posicionar os braços
ou a arma de modo a aparar os golpes do adversário; 9. (enc.) cada
uma das folhas (brancas, de cor ou estampadas) us. Para reforço e
acabamento da encadernação, e que são coladas unindo a capa ao mio-
lo, no início e no fim do volume; folha de guarda; 9.1. (enc.) a parte
da folha assim dobrada que fica colada a um dos lados internos da
capa; 10. (jur.) obrigação que possuem certas pessoas de zelar pela
conservação de bens que lhe são confiados.” Disponível em:
da, em um primeiro momento, não se distancia dessa ideia
de vigilância. De Plácido e Silva a define como “obrigação
imposta a certas pessoas de ter em vigilância, zelando pela
sua conservação, coisas que lhe são entregues ou confiadas,
bem assim manter em vigilância e zelo, protegendo-as, cer-
tas pessoas que se encontram sob sua chefia ou direção”164.
A guarda como dever de vigilância e cuidado de algo que
se detém aparece com grande clareza no contrato de depó-
sito. No direito de família, os contornos da guarda são me-
nos nítidos e mais complexos, pois se trata de instituto que
impacta direitos de crianças e, por essa razão, precisa con-
siderar o regulamento jurídico aplicável a elas. A mesma
palavra é utilizada para dar conteúdo a situações jurídicas
patrimoniais e existenciais.
Este capítulo parte dessa complexidade da existência de
guarda que se projeta sobre pessoa – no caso, a criança –
para definir um conteúdo que atenda à doutrina da prote-
ção integral, ao princípio do melhor interesse e à parentali-
dade responsável.
2.1. O significado de guarda: como o tema se apresenta no
direito de família
Existem dois grupos de temas em que o Código Civil
usa a expressão guarda. De um lado, em dispositivos perti-
80
https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v3-3/html/index.php#
1. Acesso em: 28.out.2019
164 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 31ª ed. Rio de Janei-
ro: Forense, 2014.
nentes a contratos e a direitos reais sobre coisas alheias165.
De outro lado, no direito de família, como um dos deveres
inerentes às responsabilidades parentais. O primeiro grupo
tem uma lógica patrimonialista e apresenta conteúdo eco-
nômico, enquanto o segundo é pautado por situações exist-
enciais onde há os interesses de uma criança. Apesar de
estarmos diante de polos temáticos diferentes, o Código
Civil usa a posse e vigilância como cerne da guarda em todas
essas situações, mesmo nas situações inerentes ao direito
de família166.
O contrato de depósito oferece a melhor oportunidade
para se entender a estrutura da gu arda no C ódig o Ci vil, que
é elemento essencial desse negócio jurídico167.
81
165 São os seguintes dispositivos: artigos 422 e 765 atribuindo o de-
ver de observância do princípio da boa-fé objetiva aos contratantes,
sendo o último específico do contrato de seguro; artigos 497, 580 e
588 que atribuem regime especial aos bens de pessoas sujeitas a cura-
tela, tutela ou administração de patrimônio alheio; artigos 627 a 646
no contrato de depósito; artigo 751 com a determinação de aplicação
das regras do contrato de depósito às coisas depositadas ou guardadas
em razão de contrato de transporte; artigo 1.194 e o dever de guarda
da escrituração pelo empresário; artigo 1.348 e o dever de guarda do
síndico em relação às partes comuns do condomínio; artigos 1.431 e
1.489 com o dever de guarda no penhor e na hipoteca.
166 São os seguintes dispositivos: artigos 1.566, 1.583 a 1.590,
1.612, 1.634 e 1.724 com a atribuição da guarda aos pais; e artigos
1.805 e 1.819 e a atribuição da guarda ao administrador provisório e
ao curador de bens no âmbito sucessório; artigo 1.890 com a guarda
do testamento marítimo pelo comandante da embarcação; e, artigo
2.021 com a guarda de bens a serem objeto de sobrepartilha no inven-
tário.
167 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES,

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