Criptomoedas: inovação tecnológica x ausência de legislação específica ? enfrentamento das demandas submetidas ao Poder Judiciário

AutorRita de Cássia Ramos de Carvalho
Páginas109-146
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CAPÍTULO 5
Criptomoedas: inovação
tecnológica x ausência de
legislação específ‌i ca —
enfrentamento das demandas
submetidas ao Poder Judiciário
Rita de Cássia Ramos de C arvalho
1. INTRODUçãO
As criptomoedas surgem para a ciência especializada no mercado f‌i nancei-
ro globalizado como um instrumento de grandes polêmicas, dando vazão
a fartas discussões e debates relativos ao tema.
Nascidas como fruto da inovação tecnológica e da nova dinâmica
econômica e social surgida através da internet, hoje as criptomoedas já
dividem espaço como objeto de estudo ao lado dos grandes fenômenos
econômicos contemporâneos, oferecendo desafios que conduzem a uma
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TÓPICOS EM DIR EITO E ECONOMI A
crescente necessidade de produção científica, no afã de edificar suas es-
truturas teóricas e delimitar o devido tratamento científico a ser dispen-
sado às problemáticas circundantes.
O corrente estudo analisará o fenômeno das criptomoedas sob a ótica do
Direito, sem olvidar o racioc ínio econômico, empregando o marco teórico
da Law & Economics para tecer comentários a respeito das celeumas que
envolvem a ausência de sua regulamentação no Brasil, bem como as dif‌icul-
dades enfrentadas pelo Poder Judiciário no tratamento de suas demandas.
O aludido marco teórico adotado visa analisar o objeto de estudo das
criptomoedas sob os conceitos econômicos, tecendo um raciocínio crítico
de que devem ser tratadas pelo ordenamento jurídico de modo a mini-
mizar ao máximo possível os efeitos econômicos negativos que eventual
atuação estatal possa causar. Afi nal, as criptomoedas surgiram na intenção
de se mostrar mais f luidas e desprendidas das limitações estruturantes
impostas pelo Estado. Parte-se da hipótese de que uma regulamentação
legislativa se faz necessária, mas com a devida cautela, para não causar
efeitos econômicos indesejáveis.
A pesquisa recorreu à análise de discurso da doutrina especializada e
dos precedentes judiciais do Superior Tribunal de Justiça, produzindo-se,
epistemologicamente, uma pesquisa de gabinete, com uma abordagem
teórica calcada no raciocínio econômico e jurídico, com vista s a efetuar
uma descrição técnica do fenômeno e das dif‌iculdades que a ausência de
uma legislação específ‌ica em relação a essa inovação tecnológica causa no
enfrentamento das demandas submetidas ao Poder Judiciá rio.
2.  MOEDA E DINHEIRO:
SURGIMENTO E DEfINIçãO
Embora, segundo o senso comum, dinheiro e moeda sejam tratados como
sinônimos, não o são de fato. Qualquer objeto ou registro verificável e
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CRIPTOMOEDAS
socialmente aceito na troca de bens e serviços pode ser considerado di-
nheiro. A moeda, por sua vez, para ser constituída, depende de regulação
estatal e do cumprimento de suas funções, sujeitando-se, obviamente, à
aceitação social e à utilização para se tornar, na prática comercial, uma
forma de dinheiro. Essa simbiose é interessante quando se observam,
por exemplo, as situações em que mercado e Estado divergem a respei-
to do que representa dinheiro em determinados momentos históricos.
Assim, por exemplo, têm-se situações de hiperinflação ou de guerra em
que é comum haver fuga de capital, assim como as transações passa-
rem a ser firmadas em moeda estrangeira em substituição à nacional,
consistindo em interessante fenômeno de comportamento monetário:
existe a moeda nacional, mas a sociedade começa a ter dificuldade em
aceitá-la em todas as operações.1
Torna-se relevante destacar que “dinheiro” é um termo mais amplo,
e que passa pela própria noção daquilo que as sociedades aceitam e ele-
gem como tal: a moeda é uma das espécies de dinheiro, cuja história est á
diretamente ligada à da própria humanidade e continua evoluindo com
ela. Nesse sentido, não há uma origem determinada para o dinheiro. Sa-
be-se apenas que ele surgiu para ser um ativo de troca e um marcador
de hierarquia e status social. Afinal, o homem se relacionava (e ainda se
relaciona) economicamente com a intenção de ascender na estratifica-
1. O Brasil não autoriz a a realização de pagam ento e transações em moed a estrangeira desde a v i-
gência do Decreto nº 23. 501, de 27 de novembro de 1933, com destaque para seu a rt. 2º: “a parti r
da publicação deste de creto, é vedada, sob pena de nul idade, nos contratos exequívei s no Brasil,
a estipulação de pa gamento em moeda que não seja a corrente, pelo se u valor legal”. Contudo,
nos momentos históri cos de inf‌lação acelerada ou de hiperi nf‌lação, a moeda nacional sofreu
reiteradas desv alorizações, e muito s preços e produtos passara m a ser medidos através do parâ-
metro de uma moeda e strangeira (dólar americ ano). O pagamento muitas vezes poder ia até ser
feito em moeda corrente, ma s na quantidade correspondente à moe da estrangeira, que pa ssava
a funcionar como o p arâmetro de valor (SANTOS, L uis Paulo Ferreira dos. Inf‌l ação e hiperin-
f‌lação. Utili zação das funções da moeda como fe rramentas para a estabi lização dos preços. O
caso brasil eiro de 1994, Revista Jurídi ca Luso-Brasileira, ano 6 , n. 3, p. 1.255. Lisboa: Faculda-
de de Direito da Universidade d e Lisboa, 2020. Disponível em: ht tps://www.cidp.pt/revistas/
rjlb/2020/3/2020_ 03_1239_1343.pdf. Ace sso em: 19 jun. 2020).

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