Cursos e Manuais de Eficácia Limitada: a função social da dogmática constitucional a partir da análise do tema 'normas constitucionais'

AutorBreno Baía Magalhães
CargoDoutor em Direito pela Universidade Federal do Pará. Professor de Direito Constitucional e Internacional da Universidade Federal do Pará. Menção honrosa no prêmio CAPES de tese 2016
Páginas8-36
Direito, Estado e Sociedade n. 61 jul/dez 2022
Cursos e Manuais de Eficácia Limitada: a
função social da dogmática constitucional a
partir da análise do tema “normas
constitucionais”
Limited Effectiveness textbooks: the social function of
constitutional dogmatics from the analysis of the theme
“constitutional rules”
Breno Baía Magalhães*
Universidade Federal do Pará PA, Brasil
1. Introdução
O estudo das normas constitucionais faz parte de um conjunto amplo de temas dos quais se
ocupa a dogmática brasileira no âmbito da teoria da Constituição. A partir da década de
1960, seu estudo no Brasil pautou-se pela monografia de José Afonso da Silva sobre a
aplicabilidade das normas constitucionais. Não obstante esteja próxima de completar
sessenta anos, sua influência na produção científica contemporânea permanece e, sem
sombra de dúvidas, faz parte de um seleto grupo de leituras obrigatórias para os estudiosos
(as) da Constituição brasileira. Sua importância extrapolou, inclusive, o campo científico e a
classificação proposta por José Afonso da Silva
1
passou a influenciar a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (STF).
Sem embargo do merecido desta que e impacto histórico, a discussão sobre normas
constitucionais a partir e desde Silva limitou-se à sua categorização ou classificação daquelas
normas quanto a sua aplicabilidade e eficácia. Outros assuntos pertinentes ao tópico
parecem escapar da análise dogmátic a contemporânea, como, por exemplo, a viabilidade
dos critérios class ificatórios empregados por Silva para compreender as normas
constitucionais brasileiras, seja a partir de sua capacidade explicativa da prática
jurisprudencial do STF, ou, até mesmo, a solução de casos constitucionais complexos que
* Doutor em Direito pela Universidade Federal do Pará. Professor de Direito Constitucional e Int ernacional da
Universidade Federal do Pará. Menção honrosa no prêmio CAPES de tese 2016. E-mail:
brenobaiamag@gmail.com.
1
SILVA, J. 2007.
Cursos e M anuais de Eficácia Limitada: a função social da dogmática
constitucional a partir da análise do tema “normas constitucionais”
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envolvem a junção de várias normas com diferentes graus de aplicabilidade para seu
deslinde.
O presente estudo pretende realizar uma análise da discussão sobre as características
da dogmática constitucional, mas que surtirá efeitos sociológicos e pedagógicos colaterais, a
partir de um recorte temático específico: a posição do estudo das normas constitucionais no
âmbito da teoria da Constituição brasileira. Nossa análise partirá do pressuposto de que a
construção sobre o que significam as normas constitucionais no Brasil está, intimamente,
ligada à epistemologia construída e mantida pelos materiais de acesso universal destinados
a condensar o pensamento jurídico sobre uma determinada disciplina: os cursos e manuais
de Direito Constitucional
2
. A escolha desse material justifica-se pela sua difusão no campo
social jurídico e por seu acolhimento jurisprudencial
3
. Portanto, ao acessar ess es manuais
entraremos em contato com as características da epistemologia de nossa dogmática
constitucional.
Se o senso comum sobre o direito constitucional brasileiro está representado em
nossos materiais dogmáticos, investigar como esse conhecimento constitucional se constrói
e quais são suas características será nosso objetivo principal neste artigo. A investigação
dogmática proposta, centrada na busca sobre quem produz esses materiais, o que citam
como doutrina e como utilizam a jurisprudência do STF, nos permitirá, ademais, delimitar e
formular quais propósitos cumprem nossa dogmática constitucional e, por derr adeiro, sua
função social.
Foram selecionados 10 (dez) livros de Direito Constitucional editados no Brasil para
extrair, a partir do estudo de seus capítulos sobre normas constitucionais, as seguintes
informações
4
: 1) Identificação do (a) autor (a): naturalidade, formação acadêmica (titulação
2
No texto, os termos “Manual” e “Curso” serão empregados indiscriminadamente.
3
No artigo, criticaremos a utilização esparsa da jurisprudência do STF por parte dos manuais e cursos, isso não significa
que as categorias clássicas sobre normas constitucionais não sejam citadas por decisões judiciais. Trata-se de pontos
distintos.
4
Os livros são: 1) BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros; 2) SARLET, Ingo; MARINONI,
Luiz G.; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constituci onal. São Paulo: Saraiva; 3) BARROSO, Luis Roberto. Curso de
Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva; 4) NUNES JUNIOR, Vidal Serrano; ARAUJO, Luiz Alberto
David. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Verbatim; 5) TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Saraiva; 6) MORAES, Alexandre de. D ireito constitucional. São Paulo: Atlas; 7) LENZA, Pedro. Direito
Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva; 8) BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo:
Saraiva; 9) MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva
e 10) NOVELINO, Marcelo, Direito Constitucional. Editora Método. Sou, enormemente, grato às alunas Aimée Martins
e Maressa Freitas que realizaram a coleta desses dados e pela elaboração de relatório circunstanciado sobre eles.
A escolha dos livros foi feita com base no cruzamento de cinco conjuntos de dados, coletados de pesquisas já feitas ou
de pesquisas realizadas por nós. Foram selecionados os dez livros de autores que apareceram em maior quantidade
de vezes em mais de uma das cinco bases de dados. A seguir, elencamos os conjuntos de dados e os autores
selecionados pela pesquisa. Pelo tamanho dos resultados, seria inviável reproduzir todos os autores que compunham
tais bases de pesquisa. 1) A vendagem do livro no ano de 2018 (LE NZA, BARROSO e MENDES); 2) Constitucionalistas
considerados referência na área por magistrados que compõem tribunais superiores (MORAES E BARROSO); 3) Autores
mais citados no STF entre 1988-2012 (MENDES, MORAES, BONAVIDES, BULOS, SARLET, TAVARES); 4) Autores com o
maior número de edições e atualizações de seus manuais ou cursos até o corrente ano (2019), contabilizados a partir
de 10 edições: NOVELINO (14ª edição) , BONAVIDES (34ª edição), MORAES (35ª edição); LENZA (23ª edição); MENDES
E BRANCO (13ª EDIÇÃO); TAVARES (17ª edição) e ARAÚJO e SERRANO (22ª edição) e 5) Consulta ao plano de ensino da
disciplina Direito Constitucional ou correspondente em 27 Universidades Públicas Federais: a) UFPA - Teoria da
Constituição (BONAVIDES); b) UNIR - Direito Constitucional I (BARROSO, BULOS, BONAVIDES e MORAES); c) UFAM (não
disponível no sítio eletrônico); d) UNIFAP - Direito Constitucional I (ARAÚJO e SERRANO, BONAVIDES, LENZA, MENDES;
BRANCO e MORAES); e) UF AC Direito Constitucional I (MENDES; BRANCO); f) UFT - Teoria geral do Estado e Teoria
da Constituição (BONAVIDES e TAVARES); g) UFRR (prejudicado); h) UnB (prejudicado sem bibliografia básica no
ementário); i) UFMS - Direito Constitucional I (ARAÚJO; SERRANO e TAVARES); j) UFRGS (indisponível no sítio
eletrônico); k) UFSC - Direito Constitucional I (SARLET e BARROSO); l) UFPR - DIREITO CONSTITUCIONAL “A” (MENDES;

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