Da Ação Rescisória (Arts. 966 a 975)

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas1194-1294
1194
Código de Processo Civil
CAPÍTULO VII
DA AÇÃO RESCISÓRIA
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I — se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do
juiz;
II — for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III — resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou,
ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV — ofender a coisa julgada;
V — violar manifestamente norma jurídica;
VI — for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou
venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII — obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência
ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento
favorável;
VIII — for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando
considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os
casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se
pronunciado.
§ 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput, será rescindível a decisão transitada em
julgado que, embora não seja de mérito, impeça:
I — nova propositura da demanda; ou
II — admissibilidade do recurso correspondente.
§ 3º A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão.
§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes
do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no
curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.
§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra
decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos
repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida
no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.
§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao
autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação
particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor
outra solução jurídica.” (NR)
Art. 966
• Comentário
Caput. A matéria era regida pelo art. 485 do CPC
revogado.
Origem da ação rescisória
Conquanto a opinião doutrinária predominan-
te seja de que a ação rescisória proveio da querella
nullitatis romana, Pontes de Miranda adverte, com
acerto, quanto ao equívoco desse entendimento.
Para o notável jurista, a rescisória é oriunda da con-
cepção romana da sentença, mais a concepção de
sententia nulla, perante o juiz privado, recompostas
pelos glosadores e canonistas do século XIII, mais a
correção realizada pelo princípio germânico da for-
ça formal da sentença (Tratado da ação rescisória. 5. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 92).
A ação rescisória também não deriva da querella
nullitatis dos textos italianos da época (século XII).
Essa querella está ligada ao desenvolvimento da
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Código de Processo Civil
atividade comercial das cidades italianas e é pro-
duto da “tendência de todo o processo estatutário
a tornar célere a solução das controvérsias, para a
segurança do direito no interesse do comércio”
(CALAMANDREI, Piero. La cassazione civile. v. I.
Milano, Roma: Fratelli Bocca Editori, 1920. p. 139).
O instituto em exame apresentava, em muitos de
seus aspectos, similitude com a apelação, pois tanto
este quanto aquele eram interpostos a juiz superior
ao que proferira a sentença; além disso, a exaustão
do prazo para o oferecimento da querella fazia da
sentença coisa absoluta e de nitivamente julgada
(CALAMANDREI, idem, ibidem).
O processo medieval europeu, no que respeita à
sanação dos vícios existentes nas sentenças, se sus-
tentava em dois princípios: um, de origem romana,
conforme o qual os erros procedimentais (errores in
procedendo) acarretavam a nulidade (= inexistência)
da decisão, ao passo que os erros de julgamento (er-
rores in iudicando) deveriam ser corrigidos por meio
de recurso; outro, transmitido pelo direito germâ-
nico, que a rmava somente ser corrigível pela via
recursal a injustiça do julgado, proveniente de error
in procedendo ou error in iudicando.
Natureza jurídica
No passado, juristas de nomeada chegaram a
a rmar que a ação rescisória traduzia modalidade
de recurso de natureza especial (Lopes da Costa,
Cândido de Oliveira Filho, Costa Carvalho, Filadel-
fo Azevedo Pereira Braga). Já em 1916 — portanto,
muito antes de entrar em vigor o primeiro código de
processo civil unitário, do País —, contudo, Manoel
Inácio Carvalho de Mendonça, com o peso de sua
autoridade, advertia “não haver cousa mais frequente
do que ouvir repetir que a rescisão dos julgados é
um recurso. Nada entretanto é mais absurdo, uma
vez que às verba juris, à técnica rigorosa, queira-
mos dar seu verdadeiro e legítimo sentido” (Da ação
rescisória. 2. ed., n. 12, p. 328/332), concluindo ser es-
sencial que “não se vulgarize a errada equiparação
da ação rescisória com o recurso, que pode caber das
sentenças e julgados. Como noção, é isto um erro
gravíssimo; como simples imagem, é vulgar e indig-
na dos cultores do direito” (ibidem).
O máximo que se poderia transigir, no tocante ao
tema que constitui objeto de nossa investigação, não
iria além do reconhecimento quanto a ação rescisó-
ria possuir uma certa “alma” de recurso (Liebman),
embora o seu corpo seja, fundamentalmente, de ação.
Com efeito, a corrente de opinião doutrinal que
via nessa ação uma espécie de recurso especial fe-
chava os olhos à particularidade expressiva de que
a ação rescisória instaura uma nova relação proces-
sual, ao passo que a pretensão recursal, em regra, é
exercida na mesma relação jurídica processual que
deu origem ao pronunciamento jurisdicional impug-
nado. Assim o é, porque enquanto a ação rescisória
tem como objetivo desconstituir a coisa julgada ma-
terial, o recurso somente é admissível das decisões
que ainda não produziram a res iudicata.
Do ponto de vista estritamente objetivo, é inegável
que a rescisória não se apresenta como recurso, pois
o art. 994 do CPC não a inclui no elenco dos meios
de impugnação às decisões judiciais, tratando-a como
autêntica ação desconstitutiva (arts. 966 a 975). Logo,
o processo da ação rescisória se inicia por petição, que
deve atender aos requisitos previstos no art. 968, sob
pena de ser indeferida; exige citação da parte contrá-
ria, em prazo variável (art. 970); e enseja a produção
de todas as provas em Direito admitidas (art. 972).
Conceito
Sendo a rescisória uma ação, é elementar que o
seu conceito não se afasta, em essência, daquele que
assinala as ações judiciais em geral. Se levarmos em
conta, todavia, também a nalidade da ação rescisó-
ria, veremos que a sua de nição apresenta elementos
particulares, que a individualizam no concerto das
demais ações.
Antes de emitirmos um conceito pessoal dessa
ação, vejamos como a doutrina vem se manifestan-
do sobre o assunto: é aquela que tem por objetivo
declarar a nulidade da sentença que transitou em
julgado” (Alcides de Mendonça Lima); “aquela que
tem por objeto ajuizar pedido de anulação de sen-
tença passada em julgado. Remédio por excelência
para a anulação dos efeitos da sentença passada em
julgado, a ação rescisória é de natureza constitutiva,
uma vez que tem por m extinguir a situação jurídi-
ca consubstanciada na decisão que se busca anular”
(José Frederico Marques) “é a ação pela qual se pede
a declaração da nulidade da sentença” (Luiz Eulálio
de Bueno Vidigal); “ação pela qual se pede a decre-
tação de nulidade ou ilegalidade de uma sentença
que extrinsecamente passou em julgado e, por via
de consequência, o novo julgamento da espécie nela
examinada” (Jorge Americano); “é a ação pela qual
se pede a desconstituição de sentença trânsita em
julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da
matéria nela julgada” (José Carlos Barbosa Moreira).
Conquanto estejamos cientes da advertência que
vem das fontes romanas, segundo a qual omnia de-
nitio in iuris civilis periculosa est, abalançamo-nos
a formular o seguinte conceito abreviado de ação
rescisória: é aquela por meio da qual se pede a des-
constituição da coisa julgada, nos casos previstos em
lei, podendo haver novo julgamento da causa.
Dissemos:
É aquela por meio da qual se pede, porque, mesmo
em sede de ação rescisória, vigora o princípio da
inércia jurisdicional (ou da demanda). A esse respeito,
o CPC de 1973 dispunha que nenhum juiz prestaria
a tutela jurisdicional a não ser quando a parte ou o
interessado a requeresse “nos casos e forma legais”.
O Código atual diz a mesma coisa por outras pala-
vras: “Art. 2º O processo começa por iniciativa da
parte e se desenvolve por impulso o cial, salvo as
exceções previstas em lei”. Desta maneira, mesmo
que a sentença haja, por exemplo, afrontado a coisa
julgada ou violado literal disposição de lei, somente
poderá ser rescindida por iniciativa do interessado
(parte ou terceiro), nunca pelo juiz, em atuação ex
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o cio. O emprego do verbo pedir, no enunciado do
conceito que esboçamos, atende, por outro lado, ao
requisito constante do art. 319, inc. IV, do CPC.
A desconstituição, pois a nalidade da ação res-
cisória é desconstituir, desfazer, a coisa julgada
material, como qualidade (e não efeito) da senten-
ça ou do acórdão não mais sujeitos a recurso, ordinário
ou extraordinário. Incorreram, pois, a nosso ver, em
manifesto deslize técnico os autores que viram no
objetivo dessa ação a declaração ou decretação de nuli-
dade do pronunciamento jurisdicional rescindendo.
Em nosso sistema jurídico só se declara a inexistên-
cia ou ine cácia do ato. Mesmo na vigência do CPC
de 1939, cujo art. 798 fazia equivocada referência à
sentença nula (em vez de rescindível), o uso do verbo
declarar, pela doutrina, era passível de censura, pois
ainda que “nula” fosse efetivamente a sentença, a
hipótese seria de desconstituição e não de declaração.
Pode-se falar, também, em rescisão da sentença, pois
o verbo rescindir (do Latim rescindo, is, scidi, scissum,
scindere) signi car desfazer, ab-rogar, cortar. Ade-
quado por isso, o adjetivo rescisória que se pespegou
ao substantivo ação, por forma a compor o nomen
iuris: ação rescisória.
Da coisa julgada, porque o escopo da ação rescisó-
ria é o desfazimento da e cácia que tornou imutável
e indiscutível, na mesma relação processual, a sen-
tença ou o acórdão (CPC, art. 502). Neste ponto,
destaca-se um dos traços distintivos da ação rescisó-
ria, quando cotejada com os recursos: enquanto estes
somente podem ser interpostos dos pronunciamen-
tos jurisdicionais ainda não transitados em julgado,
aquela, ao contrário, só pode ser dirigida a pronun-
ciamentos passados em julgado. Eventual exercício
da ação rescisória sem que a decisão que lhe consti-
tua o objeto tenha passado em julgado fará com que
o autor seja declarado carecedor da ação por falta
de interesse processual (CPC, art. 17). A propósito, o
exercício da ação rescisória não está condicionado à
exaustão dos recursos, ou seja, à anterior interposi-
ção de recurso da decisão que se pretende rescindir,
como elucida a Súmula n. 514, do STF.
Nos casos previstos em lei, porquanto as causas de
rescisão dos julgados são, apenas, aquelas relaciona-
das nos incisos I a VIII, do art. 966 do CPC. Estando
a coisa julgada material a serviço do propósito po-
lítico de preservação da estabilidade das relações
jurídicas e sociais, torna-se inevitável reconhecer
que o exercício da ação rescisória não poderia ser
amplo, ilimitado, sob pena de haver frustração do
objetivo a que há pouco aludimos. Assim, teria
agido com insensatez o legislador se houvesse reser-
vado ao prudente arbítrio do interessado o manejo
dessa ação desconstitutiva. Em suma, a enumeração
das causas de rescindibilidade dos pronunciamen-
tos jurisdicionais, feita pelo art. 966 do CPC, traduz
numerus clausus, de tal modo que não se permite o
exercício da ação rescisória fora desses casos.
Podendo haver novo julgamento da causa. Quando
alguém ingressa em juízo com ação rescisória, a
sua pretensão consiste no desfazimento da senten-
ça, na desconstituição da coisa julgada, en m. Este
é o iudicium rescindens. Em determinadas situações,
contudo, deseja-se não somente essa desconstitui-
ção, mas um novo julgamento da lide: é o iudicium
rescissorium. Costuma-se falar, nesses casos, em re-
julgamento, conquanto este vocábulo não se encontre
dicionarizado.
Mais adiante, iremos examinar, com maior pro-
fundidade, o iudicium rescindens e o rescissorium. Por
enquanto, é conveniente acrescentar que a atuação
do segundo deve ser requerida pelo autor, na ini-
cial, como revela o art. 968, inciso I, do CPC, embora
certo setor da doutrina venha admitindo a possibili-
dade de esse juízo ser realizado ex o cio, ou seja, por
iniciativa do juiz.
Poderíamos ter apresentado um conceito mais
largo de ação rescisória, nele introduzindo todos os
elementos que se situam na órbita dessa ação, como:
legitimidade, juízo competente e o mais. Esse descer às
minúcias, entretanto, serviria apenas para apoquentar
os nossos leitores, sem qualquer resultado prático; eis
por que preferimos enunciar um conceito objetivo,
contendo unicamente os elementos essenciais.
Uma observação nal é necessária, para que a
disciplina legal pertinente à ação rescisória seja
adequadamente compreendida. Envolvendo, essa
modalidade de ação “constitucionalizada” (Const.
Federal, art. 102, inciso I, letra “l”), autêntico julga-
mento de julgamento, o seu surgimento, na verdade,
é pré-processual, conquanto ela se desenvolva em
face da decisão rescindenda. É certo que ao des-
constituir essa decisão, a rescisória pode penetrar
no mérito da pretensão deduzida em juízo na ação
anterior, ainda que, nesse novo exame, não reins-
taure a antiga relação jurídica processual. Destarte,
realizando, ou não, a nova cognição do mérito, é in-
discutível que a ação rescisória instaura uma nova
relação jurídica processual.
Pressupostos
Introdução
A ação rescisória foi, teleologicamente, instituída
para desfazer a coisa julgada (material). A autoridade
e a intangibilidade da res iudicata não representam,
portanto, valores absolutos, porquanto o mesmo tex-
to constitucional, que ordena o respeito às sentenças
passadas em julgado (art. 5º, XXXVI), faz expressa
referência à rescisória (art. 102, I, j), que, como dis-
semos, é o instrumento que o nosso ordenamento
processual reserva para o ataque (= desconstituição)
aos pronunciamentos da jurisdição em relação aos
quais já se esgotaram as vias recursais.
O trânsito em julgado da sentença (ou do acórdão)
gura, conseguintemente, como pressuposto para o
ajuizamento da rescisória. O simples fato de a decisão
haver passado em julgado não basta, porém, para au-
torizar o exercício de uma pretensão dessa natureza;
para isso, é imprescindível que o provimento juris-
dicional tenha ingressado no exame do mérito. Sob
este aspecto, chega a ser enfática a redação do art.
966, do CPC.
Art. 966

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