Do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade (Arts. 948 a 950)

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas1173-1186
1173
Código de Processo Civil
• Comentário
Reproduziu-se o teor do art. 480 do CPC revo-
gado.
Escorço histórico
Embora seja possível identi car-se no Instrument
of Government inglês (que se opunha à tendência
expansionista de Jaime I) e na doutrina de Coke a
origem moderna da ideação de atribuir-se ao Po-
der Judiciário competência privativa para exercer o
controle da constitucionalidade, não há negar que já
ao tempo das Ordenações reinóis portuguesas essa
competência judiciária se encontrava prevista, ainda
que de maneira algo embrionária.
Com efeito, os textos legais do período revelam
a preocupação do legislador lusitano em exaltar a
supremacia das Ordenações em face dos editos mu-
nicipais, sempre que houvesse, ou pudesse haver,
colisão destes com aquela. Veri cado esse antago-
nismo, competia ao Corregedor declarar a nulidade
da norma inferior (municipal), que era, por isso mes-
mo, considerada írrita, nenhuma.
Mencionemos, como exemplo, o que dispunham
as Ordenações Filipinas, no Livro I, Título 58, n. 17:
“Informar-se-á ex o cio, se há nas Câmaras algumas
posturas municipais prejudiciais ao povo e ao bem
comum, posto que sejão feitas com a solenidade de-
vida, e nos escreverá sôbre elas com seu parecer. E
achando que não forão feitas, guardada a forma de
nossas Ordenações, as declarará por nulas e mandará
que se não guardem” (mantivemos a gra a original).
Essa disposição das Ordenações Filipinas, a pro-
pósito, motivou o Prof. Alfredo Buzaid (Da ação
direta de declaração de inconstitucionalidade no direito
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958. p. 20) a destacar
duas ideias expressivas, que foram intuídas pelo
legislador português da época: a) a existência de
uma ordem hierárquica de normas legais, de sorte
que a inferior deveria submeter-se à autoridade (ou
preeminência) da superior; b) a atribuição de compe-
tência a um órgão judiciário para declarar a nulidade
de lei que fosse incompatível com as Ordenações.
Em outras legislações priscas também se podia
veri car, com maior ou menor intensidade, a pre-
sença do princípio segundo o qual à norma que
estivesse colocada no ápice da pirâmide legal de-
veriam sujeitar-se as demais, sob pena de serem
declaradas nulas: tal era o primado da hierarquiza-
ção das normas legais, consagrado naqueles tempos
e que foi legado aos tempos modernos.
Mal se havia iniciado o século XIC, contudo, quan-
do advém um fato de extraordinária importância
para a consolidação do princípio da supremacia da
lei apical, superior, relativamente à secundárias. Re-
ferimo-nos ao famoso caso entre Marbury e Madison,
que foi decidido pela Suprema Corte norte-america-
na em 1803, sendo oportuno ressaltar, como registro
histórico, que esse tribunal foi criado em 1792.
Esse caso originou-se do seguinte fato: o Presi-
dente Adams nomeou Marbury para o cargo de Juiz
de Paz no Distrito de Colúmbia. Quando Je erson,
o novo Presidente, assumiu, aquela designação de
Marbury, embora estivesse assinada, não se encon-
trava formalmente efetivada. Ciente disso, Je erson
determinou a Madison, Secretário de Estado, que
sustasse a nomeação. Inconformado com a medida,
Marbury requereu à Suprema Corte uma ordem
para que Madison o nomeasse. O pedido de Mar-
bury calcou-se na Secção 13, da Lei Judiciária de
1789, conforme a qual aquele tribunal estaria auto-
rizado a conceder mandado de segurança a pessoas
que ocupassem cargo sob a jurisdição dos Estados
Unidos. O juiz Marshall, contudo, argumentou que a
Constituição havia xado especialmente a jurisdição
original da Suprema Corte, na qual não se incluía
o poder de expedir ordem (mandamus) àqueles que
ocupassem cargos federais, advertindo, ainda, que
o Congresso não tinha poderes para modi car essa
jurisdição. Disto decorre a sua conclusão de que o
objetivo do Congresso em conceder, por meio da Lei
Judiciária de 1789, poder à Corte para expedir man-
dado de segurança contra os ocupantes de cargos da
administração pública federal, parecia não estar am-
parado pela Constituição. Em razão disso, parte da
mencionada Lei foi declarada nula, consagrando-se,
assim, o pensamento de Marshall no sentido de que
o Judiciário poderia declarar a inconstitucionalidade
de atos oriundos do Congresso. Em certo trecho de
seu notável e histórico voto, disse Marshall: “(...) a
fraseologia particular da Constituição dos Estados
Unidos con rma e corrobora o princípio essencial
a todas as Constituições escritas, segundo o qual é
nula qualquer lei incompatível com a Constituição;
e que os Tribunais, bem como os demais departa-
mentos, são vinculados por esse instrumento” (The
constitutional decisons of John Marshall. v. 1. New
York: Da Capo Press. 1971. p. 43).
Como bem ressaltou, mais tarde, Hamilton (O
federalista. LXXVIII, Rio de Janeiro: Nacional de
Direito, 1959. p. 131/134), nenhum ato legislativo
contrário à Constituição pode prosperar, motivo por
que os tribunais foram criados como uma espécie de
corpo intermediário entre o povo e a legislatura, com
Art. 948
CAPÍTULO IV
DO INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
Art . 948. Arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo
do poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a
questão à turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo.

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