Da gestão de negócios

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36. 1 Considerações introdutórias

Para melhor ilustrar, vejamos um exemplo esclarecedor, aliás, bastante corriqueiro deste fenômeno jurídico: Uma pessoa viaja com sua família para o exterior e, durante sua ausência, sua casa é danificada por uma inundação. Um amigo ou um vizinho, verificando a necessidade de algumas medidas urgentes para evitar a ruína ou danos iminentes, e levado pelo espírito de solidariedade, faz certas reparações, que provavelmente o próprio dono teria feito.

Surge, assim, a figura do gestor de negócio alheio que consiste na inter-venção voluntária de uma pessoa, nos negócios de outra, sem autorização ou sem mandato, com o fim de dirigir segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável em relação a este e às pessoas com quem tratar. No particular, precisa a decisão que segue: "Aquele que age sem mandato de outrem, fica diretamente responsável perante terceiros com quem contratou" (in RT 499/121). A gestão de negócio é, pois, matéria tratada entre os atos unilaterais. É conduta unilateral em sua origem, baseada em uma ação altruística.

36. 2 Conceito

Quando o mandatário excede os poderes do mandato, é tido como gestor de negócios. Para esse excesso, ele está atuando sem procuração segundo o interesse e

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vontade presumida do dono do negócio. In casu, o gestor só obriga o dono do negócio se houver sua ratificação. Aliás, a própria lei considera tal situação equivalente à gestão. É o que se extrai da dicção textual do art. 665 do CC, in verbis: "O mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos".

Na palavra do Prof. Carlos Alberto Bittar, a gestão de negócios se dá "quando alguém, sem mandato, administra interesse jurídico de outrem, consoante sua vontade presumida e sem qualquer contraprestação".329Para Washington de Barros Monteiro, gestão de negócios "é a situação desenvolvida por uma pessoa que, espontaneamente e sem mandato, trata de negócio de outrem".330Jefferson Daibert expõe ser "a prática de atos por alguém, voluntária e oficiosamente, acautelando negócio de outrem, de quem se presume autorizado".331Portanto, o gestor deve agir de acordo com a vontade presumível do dono do negócio. Deve, pois, administrar consoante, presumivelmente o dono do negócio o faria, empregando a diligência habitual. Se o dono do negócio nomeia procurador ou assume o negócio, cessa a gestão.

36. 3 Natureza jurídica

Segundo entendimento de alguns doutrinadores, a gestão de negócios não é contrato por faltar o acordo de vontade. O contrato é um negócio jurídico bilateral do qual depende, no mínimo, de duas declarações de vontade.

O certo é que na gestão de negócios, o gestor não tem autorização para tratar do negócio do seu dono, mas levado pela espontaneidade ou por solidariedade, intervém no negócio, praticando atos conforme o interesse e a vontade presumível do dono. Carlos Alberto Bittar entende tratar-se de contrato com contornos especiais, situado na órbita dos de prestação de serviços, por entender existir acordo de vontade entre as partes, "em relação à ação do gestor, não obstante a do dono de negócio se manifeste posteriormente (ou seja, não ocorra no momento inicial da ação do gestor)".332E argumenta: "A natureza contratual da gestão de negócios encontra apoio, de início, na observação de que não é com a ação do gestor que se institui a obrigação para o dono do negócio. Como opera no interesse deste, a complementação do ajuste se verifica com a sua ratificação, retroagindo os respectivos

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efeitos à data da atuação do gestor". E finaliza: "Desse modo, não há, como de regra nos demais contratos, o acordo de vontades no primeiro momento, ou seja, no da ação do gestor, que toma a iniciativa de administrar interesse alheio, para depois comunicá-la ao titular do negócio. Mas as consequências vinculatórias perfazem-se depois, com a anuência do titular, com a qual surgem as obrigações deste para com o terceiro com quem se tratou e, mesmo, para com o próprio gestor".333Jefferson Daibert tem o mesmo parecer. Eis suas palavras: "É um contrato imperfeito ou sui generis, que não contando com a conjugação das vontades, por ser um ato unilateral e espontâneo, gera direitos e obrigações...

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