O dano moral coletivo e a reparação fluida (fluid recovery)

AutorJoão Victor Rozatti Longhi e José Luiz de Moura Faleiros Júnior
Páginas377-405
O DANO MORAL COLETIVO
E A REPARAÇÃO FLUIDA (FLUID RECOVERY)
João Victor Rozatti Longhi
Doutor em Direito do Estado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
– USP. Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Foi aluno da Uni-
versidad de Santiago de Compostela, Espanha, pelo convênio bilateral AREX/ORE
– UNESP/USC. Foi Pesquisador Bolsista da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, nível mestrado, e da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, em grau de iniciação cientíca.
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia.
Atua como Professor Convidado em programas de pós-graduação. Foi Professor dos
Cursos de Pós-Graduação da PUC-Rio, da ESA/OAB-RJ e dos Programas Executivos do
IBMEC-Rio. Foi Tutor de Pesquisas da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação
Getúlio Vargas – FGV-Rio. Autor de obras dedicadas ao estudo do Direito Eletrônico.
José Luiz de Moura Faleiros Júnior
Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Pós-graduando
em Direito Civil e Empresarial e Especialista em Direito Processual Civil, Direito Digital
e Compliance pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Graduado em Direito
pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Autor de artigos dedicados ao estudo
do Direito Privado. Advogado.
Sumário: 1. Introdução – 2. O dano moral: 2.1 Breve escorço histórico; 2.2 Funções da
responsabilidade civil – Os exemplary damages e os punitive damages. 2.3 Dosimetria e ar-
bitramento da indenização por dano moral; 2.3.1 Da liquidação individual: as hipóteses do
Código de Defesa do Consumidor; 2.3.2 O dano moral coletivo e suas particularidades – 3.
Da reparação uida (uid recovery) como terceira modalidade de liquidação dos danos: 3.1
Origens do instituto nos Estados Unidos da América; 3.2 A reparação uida como garantia da
ecácia das sentenças condenatórias em processos coletivos no Brasil – 4. Análise do artigo
100 do Código de Defesa do Consumidor – 5. Degorgement e os fundos de direitos difusos
– 6. Conclusão – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O estudo do dano moral sempre representou um desaf‌io para a doutrina, ta-
manha a complexidade de suas intricácias e, quando sua compreensão transcende a
esfera individual e adentra os meandros da coletividade, maiores são os seus efeitos e
também maiores são as dif‌iculdades de seu enquadramento jurídico, de sua completa
cognição, de seu arbitramento e, especialmente, de sua destinação.
Quando se pensa na tutela coletiva, notadamente após a ruptura do arquétipo
político-econômico, que rompeu com o Estado Liberal marcado pela proteção dos
direitos individuais, para dar lugar ao Estado Social e ao primado da coletividade a
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partir da salvaguarda dos direitos e interesses metaindividuais, novos bens jurídicos
passaram a haurir resguardo do próprio ordenamento jurídico.
Dessa forma, a atuação de determinados legitimados ganhou contornos pecu-
liares no tocante à facilitação do acesso à justiça e ao primado da efetividade na busca
pela reparação de danos que não mais se circunscrevem ao plano individual. E, com
isso, diversos institutos jurídicos se aprimoraram, como é o caso do dano moral.
Ao se falar em dano moral coletivo, é inegável a incidência de desdobramentos
práticos de árdua cognição, a começar pela própria compreensão do instituto, antes
vislumbrada somente do ponto de vista anímico, íntimo, adstrito ao indivíduo e,
posteriormente, expandido para contemplar situações que ferem interesses maiores
e que transcendem esta mencionada órbita para garantia da justa reparação de lesões
que atinjam interesses coletivos.
Para além das dif‌iculdades concernentes à quantif‌icação e ao arbitramento do
dano moral coletivo, impõe-se um estudo breve, mas qualitativo, acerca da gênese
do que se convencionou chamar de reparação f‌luida. Suas origens remontam à ca-
suística dos países de tradição anglo-saxã, notadamente às class actions dos Estados
Unidos da América, e sua aplicação prática se dá exatamente nas situações em que
uma ação coletiva pode gerar empecilhos pragmáticos quando uma indenização não
seja integralmente reclamada por todos aqueles que dela se benef‌iciariam.
Atribuir um “bom uso” de eventual saldo remanescente de condenações co-
letivas é o que se denominou, nos tribunais norte-americanos, de f‌luid recovery
(ou cy-près), o que acabou sendo trazido ao Brasil pelo legislador pátrio, quando
da edição da Lei 8.078/1990 – o Código de Defesa do Consumidor – que, em seu
artigo 100, trouxe nuances do instituto original, adaptando-o a certos preceitos
da tradição do civil law.
O presente trabalho, em consonância com o cenário descrito, propõe-se a ana-
lisar a execução no processo coletivo, baseando-se numa análise sistemática que
busca explicar como a f‌luid recovery pode se coadunar com o instituto do dano moral
(coletivo) para a satisfação da tutela coletiva no ordenamento jurídico brasileiro.
A construção doutrinária e a revisão de conceitos obtidos particularmente dos
cases da jurisprudência norte-americana, além da análise crítica de dispositivos legais
é o foco do trabalho, que, ao longo de seus tópicos, procurará abordar, em constru-
ção evolutiva, a f‌ixação das elementares dos diversos institutos investigados para,
ao f‌inal, extrair conclusões acerca do tratamento jurídico que a dogmática civilista
deve atribuir aos bens que compõem a esfera patrimonial dos indivíduos, em seu
sentido coletivo.
Tamanha é a importância do dano moral na sistemática civil hodierna que logo
surge o questionamento acerca da possibilidade de sua existência fora do âmbito dos
direitos da personalidade, e esse assunto gera forte impacto na efetivação da tutela
coletiva.
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