A legitimidade para postular a reparação do dano moral coletivo

AutorAdisson Leal
Páginas351-376
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A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL COLETIVO
fator devido à sua gravidade. Por conta da sua relevância, o método bifásico será
esclarecido no item seguinte.
5. O MÉTODO BIFÁSICO
Os critérios de quantif‌icação podem ser aplicados em uma fase só. Por exemplo,
o arbitramento do valor mínimo de um milhão de reais para o dano moral coletivo,
adotado recorrentemente nas ações civis públicas contemporâneas, é escolhido de
uma vez só, sem que haja a criteriosa avaliação do prejuízo social ou do valor neces-
sário para a prevenção de novas transgressões coletivas. Também nos exemplos acima
citados de exclusão do lucro ilegítimo ou de cálculo baseado no investimento ilícito,
tanto no caso de discriminação geográf‌ica no comércio eletrônico, quanto no con-
trole monopolístico abusivo do sistema de bilhetagem eletrônica, a quantif‌icação foi
realizada em apenas uma única fase. Contudo, é possível realizar o cálculo através do
método bifásico nestes casos também. Por exemplo, no caso da demanda para alterar
o sistema de preparação e de serviço ao consumidor de café na cadeia McDonalds,
por conta de setecentos consumidores terem sofrido queimaduras graves entre 1982
e 1992, devido à temperatura excessiva do produto servido no drive-thru (McCANN;
HALTOM; BLOOM, 2001), foi decidido que a base de cálculo seria o faturamento
diário da empresa com a venda do café nos Estados Unidos e, por conta da gravidade
da conduta, os danos punitivos seriam formados através da multiplicação por dois,
chegando-se assim ao valor f‌inal de 2,7 milhões de dólares de danos punitivos.13
O fato é que nossa jurisprudência também alterna entre o método monofásico
e o bifásico para a def‌inição do valor do dano moral coletivo. No REsp 1.487.046/
MT, em que o STJ citou expressamente os critérios elencados por Xisto Tiago de Me-
deiros Neto, uma análise do inteiro teor do acórdão permite verif‌icar que as balizas
propostas pelo referido jurista foram analisadas apenas em uma etapa, como parte
de um procedimento maior. Em verdade, após fazer referência aos REsp 1.473.393/
SP e 1.152.541/RS, o voto do Relator Ministro Luis Felipe Salomão adotou o método
bifásico para quantif‌icar os danos morais coletivos:
Nesse passo, suprimidas as circunstâncias especícas da lesão a direitos individuais de conteúdo
extrapatrimonial, creio ser possível o emprego do referido método bifásico para quanticação
do dano moral coletivo.
Assim, em primeira fase, verica-se que julgados desta Corte, ao reconhecerem dano moral
coletivo em razão de injusta violação de direitos básicos dos consumidores (de informação
adequada, de escolha consciente, de proteção contra a publicidade enganosa ou abusiva), consi-
deraram razoável a xação de valores entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais), o que tem o condão de traduzir a relevância do interesse transindividual
lesado (REsp 1.101.949/DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 10.05.2016, DJe
30.05.2016; REsp 1.250.582/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em
13. Liebeck v. McDonald’s Restaurants, P.T.S., Inc., No. D-202, CV-93-02419, 1995 WL 360309 (Bernalillo County,
N.M. Dist. Ct., August 18, 1994).
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PEDRO RUBIM BORGES FORTES E PEDRO FARIAS OLIVEIRA
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12.04.2016, DJe 31.05.2016; REsp 1.315.822/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma,
julgado em 24.03.2015, DJe 16.04.2015; e REsp 1.291.213/SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 3ª
Turma, julgado em 30.08.2012, DJe 25.09.2012).
Por sua vez, em segunda fase, observadas as nuances do caso concreto (conduta dolosa causa-
dora de dano de abrangência local; ofensor de capacidade econômica mediana; incontroverso
proveito econômico no importe de R$ 90.000,00 – noventa mil reais; recalcitrância no descum-
primento do dever de informação adequada; e signicativa reprovabilidade social da lesão),
considero razoável e adequado à função do dano moral coletivo o arbitramento da quantia de
R$ 20.000,00 (vinte mil reais), que, com a incidência de juros moratórios pela Taxa Selic desde
o primeiro evento danoso apurado (janeiro de 2003), alcança, nesta data, o valor aproximado
de R$ 109.000,00 (cento e nove mil reais), a ser revertido ao fundo constante no artigo 13 da Lei
7.347/85. (BRASIL, 2017, grifo nosso).
O método bifásico foi construído em voto do Ministro Paulo de Tarso Sanseve-
rino no REsp 1.152.541/RS, adotado por unanimidade no acórdão então proferido
pela 3ª Turma do STJ. Em seu voto, Sanseverino destacou que a “reparação dos danos
extrapatrimoniais, especialmente a quantif‌icação da indenização correspondente,
constitui um dos problemas mais delicados da prática forense na atualidade, em
face da dif‌iculdade de f‌ixação de critérios objetivos para seu arbitramento”. Assim,
após rejeitar o critério do tarifamento legal e estabelecer o arbitramento equitativo
pelo juiz como melhor maneira de quantif‌icar os danos extrapatrimoniais, passou a
analisar quais seriam os critérios razoavelmente objetivos para informar tal decisão
quantitativa.
Como o próprio nome sugere, o método bifásico consiste em uma análise em
duas etapas. Na primeira, deve ser estabelecido um “valor básico ou inicial da in-
denização, considerando-se o interesse jurídico lesado, em conformidade com os
precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos)” (BRASIL, 2011,
p. 16. Grifos no original). A grande vantagem na utilização dessa primeira etapa é
assegurar coerência e igualdade no tratamento de todos os casos análogos, que rece-
bem quantif‌icações similares. No segundo momento, deve-se proceder ao ajuste do
valor obtido na primeira fase, de acordo com as circunstâncias particulares do caso.
A partir do conceito de “concreção individualizadora” de Karl Engisch,14 Sanseverino
aponta como principais circunstâncias que devem ser encaradas como elementos
objetivos e subjetivos de concreção:
a) a gravidade do fato em si e suas consequências para a vítima (dimensão do dano);
b) a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (culpabilidade do agente);
c) a eventual participação culposa do ofendido (culpa concorrente da vítima);
d) a condição econômica do ofensor;
e) as condições pessoais da vítima (posição política, social e econômica).
14. Em síntese, a concreção de Engisch seria um processo que visa a atender às regras e princípios normativos
(elementos objetivos) e, igualmente, às circunstâncias do caso concreto (elementos subjetivos). Tal proce-
dimento conf‌iguraria uma atividade cíclica, até que se chegue a uma decisão coerente (ENGISCH, 1968).
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