O dano moral em suas dimensões coletiva e acidentalmente coletiva

AutorElton Venturi e Thaís G. Pascoaloto Venturi
Páginas407-431
O DANO MORAL EM SUAS DIMENSÕES
COLETIVA E ACIDENTALMENTE COLETIVA
Elton Venturi
Visiting Scholar na Universidade da California – Berkeley Law School. Visiting Scholar
na Universidade de Columbia – Columbia Law School. Estágio de pós-doutoramento
na Universidade de Lisboa. Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Professor adjunto dos cursos de graduação e de pós-graduação
do Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná e da Universidade Tuiuti
do Paraná. Procurador Regional da República.
Thaís G. Pascoaloto Venturi
Visiting Scholar na Fordham Law School – New York. Mestre e Doutora em Direito
pela Universidade Federal do Paraná. Professora titular dos cursos de graduação e de
pós-graduação da Universidade Positivo do Paraná e da Universidade Tuiuti do Paraná.
Mediadora titulada pela Universidade da Califórnia – Berkeley. Advogada.
Sumário: 1. Introdução – 2. Breve nota sobre o sistema de tutela coletiva brasileira e a con-
sagração legislativa dos danos morais coletivos – 3. A instrumentalização das funções da
responsabilidade civil no campo dos direitos transindividuais pelos danos morais coletivos
– 4. Dano moral coletivo, prejuízos injustos ou anormais e locupletamento ilícito – 5. Danos
extrapatrimoniais transindividuais: danos morais difusos x danos morais coletivos e o pro-
blema dos fundos reparatórios – 6. Danos morais acidentalmente coletivos? – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O desaf‌io que nos foi proposto para colaboração com a esta obra coletiva – que
se objetiva desvendar os mais relevantes aspectos substanciais e processuais do
emblemático dano moral coletivo –, diz respeito à investigação de suas diversas di-
mensões e, a partir daí, de sua dedução por via das diferentes espécies de demandas
coletivas existentes no sistema de justiça nacional. Tais objetivos nos permitirão
analisar tanto a admissibilidade como o processamento e a f‌inal execução das ações
que veiculam pretensões de compensação por danos morais difusos, coletivos e
individuais homogêneos.
Duas advertências prévias sobre o assunto, todavia, parecem-nos imprescindíveis.
A primeira delas é a de que partimos da premissa fundamental da indiscutibilidade
a respeito da efetiva existência dessa especial categoria jurídica a que se acostumou
a designar danos morais coletivos.1
1. Apesar de inicialmente vacilante quanto ao reconhecimento da indenizabilidade dos danos morais coletivos
(REsp 598.281/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma,
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Em que pese a eloquência dos embates doutrinários que ainda possam subsistir
sobre o tema, fato é que se verif‌ica no sistema de justiça nacional consolidada e cres-
cente jurisprudência dos tribunais superiores consagrando em proveito comunitário,
quer pela reiterada e injustif‌icada prática de ilícitos graves,2 quer pela inescusável
geração de danos graves e anormais,3 o direito à compensação por danos transindi-
viduais extrapatrimoniais.4
A segunda advertência, não menos importante, refere-se à necessidade de com-
preensão do sistema de tutela coletiva nacional, na medida em que é a partir dele e
nele que se dá a dedução jurisdicional da compensação por danos morais coletivos.5
j. 02.05.2006, DJ 01.06.2006), gradativamente a jurisprudência nacional passou a abonar a tese, f‌ixando
precedentes a respeito da necessidade da plena compensação dos danos extrapatrimoniais transindividuais,
mediante a ponderação entre as funções reparatória, punitiva e dissuasória, sem desbordar para o enriqueci-
mento sem causa das vítimas. Nesse sentido, há já inúmeros julgados do STJ solidif‌icando a f‌igura dos danos
morais coletivos, dentre os quais: EDcl no AgRg no AgRg no REsp 1.440.847/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, j. 07.10.2014, DJe 15.10.2014; REsp 1.269.494/MG, Rel. Min. Eliana Calmon,
Segunda Turma, j. 24.09.2013, DJe 1º.10.2013; REsp 1.367.923/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda
Turma, j. 27.08.2013, DJe 06.09.2013; REsp 1.197.654/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma,
j. 1º.03.2011, DJe 08.03.2012. Por ocasião da 5ª edição das Jornadas de Direito Civil, realizadas em 2012
pelo Conselho da Justiça Federal, foi a expedido Enunciado 456, segundo o qual “A expressão ‘dano’ no art.
944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos,
coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas”.
2. Como recentemente assentou o Tribunal Superior do Trabalho, “A jurisprudência desta Corte tem decidido,
reiteradamente, que os danos decorrentes do descumprimento reiterado de normas referentes à segurança
e saúde de trabalho extrapolam a esfera individual, ensejando dano moral coletivo a ser reparado, uma vez
que atentam também contra direitos transindividuais de natureza coletiva (RR – 4501-02.2015.5.12.0005
, Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, j. 23.05.2018, 2ª Turma, DEJT 08.06.2018.
3. “A la multiplicación, fragmentación y ‘af‌inamiento de los perjuicios’, a la ‘complejidad de daños’ que como el
ecológico comprende no sólo cosas, sino ‘relaciones’ de cosas ‘todavía más importantes que las cosas’, en la medida
en que puede traducirse en la ruptura de un equilibrio en los procesos o en los ecosistemas, y f‌inalmente, a que
la curva de agravación de los daños es exponencial, pasamos del tiempo de los accidentes al de las catástrofes y la
ausencia de fronteras espaciales y temporales de la dañosidad introduce una nueva categoría que estaría requi-
riendo un trato diferencial: ‘los daños graves e irreversibles’. Desde esta perspectiva, también se reclama un nuevo
giro de tuerca en los siguientes términos: no se trata aquí de reparar, porque es imposible reparar lo irreparable
ni de volver atrás sobre lo irreversible; se trata de impedir, de prevenir, de tratar con discernimiento para que los
daños no se produzcan, de responsabilizar y de responsabilizarse”. SEGUÍ, Adela M. Aspectos relevantes de la
responsabilidad civil moderna. Revista de Direito do Consumidor, v. 52, out.-dez., 2004, p. 291.
4. Dentre as def‌inições cunhadas pela jurisprudência do STJ, “O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral
de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade
atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo
negativo à moral da coletividade”. Todavia, “nem todo ato ilícito se revela como afronta aos valores de uma
comunidade. Nessa medida, é preciso que o fato transgressor seja de razoável signif‌icância e desborde os
limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suf‌iciente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranqui-
lidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva”, REsp 1.397.870/MG, 2ª Turma,
Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10.12.2014.
5. Conforme André de Carvalho RAMOS, “Devemos ainda considerar que o tratamento transindividual aos
chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da neces-
sidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do
dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo
lugar, no caso do dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que
afetam negativamente toda uma coletividade. Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. Revista de Direito
do Consumidor, v. 25. jan.-mar., 1998, p. 80-98.
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