Decisão judiciária, a autoria e o sentido jurídico: pesquisa empírica comunicativacionista do direito à prisão domiciliar para gestantes e mães de crianças até doze anos/Judicial decision, authorship and legal meaning: empirical communicativist research on the right to house arrest for pregnant women and mothers of children up to twelve years old.

Autorda Silva, Artur Stamford

1 INTRODUÇÃO

Dentre as nossas pesquisas sobre movimentos sociais e direito a partir de decisões jurÃÂdicas, localizamos, no movimento feminista, a questão do encarceramento (WOLA, 2016; Conectas, 2018; Jardim et al., 2019, 309-328). Aumenta a complexidade dessa temática, a prisão domiciliar como alternativa ao encarceramento provisório de gestante e mãe de criança até 12 anos. Este tema ganhou relevo com o Habeas Corpus Coletivo No 143.641/2018, que tramitou no Supremo Tribunal Federal (STF), e com a Lei No 13.769/2018, que acrescentou os artigos 318-A e 318-B ao Código de Processo Penal.

Para pesquisar a construção de sentido jurÃÂdico recorremos àperspectiva teórico-metodológica da comunicativação, para a qual: a lógica circular reflexiva afasta as dicotomias da causalidade e os argumentos consequencialistas como livre arbÃÂtrio, opção de vida, natureza feminina, economicismo e inconsequência da mãe; a transdisciplinaridade dentre saberes jurÃÂdico, linguÃÂstico e sociológico é fundamental para observar a construção de sentido do direito; o sentido é uma operação comunicativa e, como tal, vivencia o processo constante de construção, desconstrução e reconstrução de sentido; autoria não é uma questão de criação, titularidade ou dono do sentido, mas referente discursivo (Stamford da Silva, 2021a).

Esses pressupostos da comunicativação nos leva a tomar o cenário comunicativo como conhecido, afinal todos sabem: que as condições dos estabelecimentos prisionais brasileiros impedem plenamente qualquer pré-natal razoavelmente digno, bem como impedem o desenvolvimento psÃÂquico e social de qualquer criança. Também todos sabemos que crianças sem qualquer culpa estão sendo condenadas a viver nesse ambiente carcerário devido àdecisão judicial. Sabemos também que um ministro do STJ e do STF vota num sentido quando é relator e vota em sentido oposto quando não é o relator de Habeas Corpus que tem por pedido a prisão domiciliar de mulher grávida e mãe de criança até 12 anos. Sabemos que essa realidade decisória é justificada por que é necessário que julgamento seja unânime na Turma para garantir legitimidade das decisões colegiadas.

Esse cenário nos motivou a questionar a função do direito de "estabilizar expectativas normativas" (Luhmann, 2005, p. 283) e a validez como aceitação da comunicação (Luhmann, 2005, p. 155). Também devemos a esse cenário termos desenvolvido estas reflexões com três objetivos: apresentar uma via teórico-metodológica de pesquisa com decisão jurÃÂdica para lidar com a relação movimentos sociais e direito; observar como o direito observa, o que viabiliza observar a construção do sentido jurÃÂdico; desconstruir a perspectiva de autoria como titular, criador, dono do sentido.

Estas reflexões, salientamos, contam com transdisciplinaridade dentre saberes jurÃÂdicos, linguÃÂsticos e sociológicos. Assim se fez indispensável porque a disciplinaridade é insuficiente para lidar com questões de pesquisa empÃÂrica com decisão jurÃÂdica, da construção de sentido e de uma perspectiva autoria condizente com as vivências práticas. Essa transdisciplinaridade viabiliza reconhecer o quanto não só de legislação e jurisprudência vive a decisão jurÃÂdica, bem como o que o sentido jurÃÂdico não é resultante de qualquer autoria, afinal, não é o voto do relator, nem a unanimidade colegiada de um tribunal que estabelece o sentido de um direito. Tratar autoria por qualquer causalidade é tão absurdo quanto atribuir a um falante a existência de um idioma. No caso do direito, consideramos que o sistema jurÃÂdico é constituÃÂdo por um lado marcado (composto pela forma de dois lados: lÃÂcito--Recht/ ilÃÂcito--Unrecht--sistema e ambiente interno) ao mesmo tempo que por um lado não marcado (ambiente externo - Nicth Recht). Como pesquisamos comunicações e não entidades fÃÂsicas ou ideais, o direito é considerado qualquer comunicação que tematiza o meio de comunicação simbolicamente generalizado: licitude (Stamford da Silva, 2021, p. 107).

Introduzidos nossos pontos teóricos, passemos aos metodológicos. Para pesquisar a construção de sentido de situações excepcionalÃÂssimas quanto ao direito àprisão domiciliar de gestantes e mães com filhos(as) de até 12 anos, procedemos levantamento de decisões no site do STJ e no STF, bem como coletamos legislação e a literatura. Para delimitar os corpora da pesquisa, optamos pelo corte temporal de 20 de dezembro de 2018 a 19 de dezembro de 2019, o primeiro ano de vigência da Lei no 13.769/2018. Salientamos que estas reflexões estão limitadas às decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, face àdelimitação de páginas para publicação de artigo.

A metodologia são as primeiras reflexões justamente para situar o leitor na complexidade temática. Em seguida, expomos os argumentos da memória semântica para, depois, apresentar a análise das decisões e tecer considerações finais. Esclarecemos que argumentos de memória semântica são aqueles que desempenham a função de irritar um sistema de sentido a operar comunicações com sentido. No caso desta pesquisa, distinguimos entre argumentos da sociedade mundial (como os da ONU), argumentos legislativos nacionais e argumentos decisionais porque se fez necessário verificar a comunicação em cada uma dessas cenas de enunciação.

2 METODOLOGIA

Distinguindo método, técnica e análise de dados, sugerimos ter por metodologia as atividades realizadas por um pesquisador durante a pesquisa. Com isso, quanto ao método, termos e expressões como método indutivo, dedutivo, hipotético dedutivo etc., não são tratados aqui como disputas pelo signo "saber cientÃÂfico", mas como caminhos trilhados na coleta de dados, o que nos afasta do debate de se é indução ou dedução o que demarca um saber cientÃÂfico (Stamford da Silva, 2021, p. 264-272). Em pesquisa vivenciamos induções e deduções, afinal conhecimentos teóricos e dados coletados circulam reflexivamente. Nestes termos, não é possÃÂvel separar indução de dedução, descrição de prescrição, teoria de prática.

Nosso método, foi coletar decisões em sÃÂtios de Tribunais usando como termos de busca: "13.769", "situação E excepcionalÃÂssima" e "preventiva pela domiciliar". Para definir a amostra, aplicamos como critério temporal o intervalo 2018 a 2019, 2019 porque foi o ano em que catalogamos os dados e porque a Lei no 13.769 foi publicada em 2018. Outro critério aqui aplicado foi delimitar os dados às decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, por serem os Tribunais que detêm a função de centro comunicativo do sistema jurÃÂdico (Luhmann, 2005, p. 359-400).

As decisões que compunham o corpus da pesquisa são as que tinham mulher presa como titular do direito àprisão domiciliar. Coletamos e analisamos decisões colegiadas de mérito, visto que, pela caracterÃÂstica de definitividade em confronto com as monocráticas, as colegiadas são tidas como as que firmam o entendimento das turmas e do próprio tribunal sobre a temática em discussão. Vejamos, se.

A amostra foi constituÃÂda de 197 decisões, sendo 4 decisões do STF e 193 decisões do STJ. Das decisões do STF, 2 foram concessivas e 2 denegatórias, sendo que em uma foi denegada a ordem por situação excepcionalÃÂssima e em outra por estar-se diante de uma hipótese legal de exclusão (art. 318-A, I e II, do CPP). Assim, apenas três fizeram parte do universo amostral. Das 193 decisões do STJ, 119 foram concessivas, 71 denegatórias e 3 que classificamos como "outras decisões". Das 71 denegatórias, em 30 houve motivos de situação excepcionalÃÂssima e em 41 hipóteses legais. Por outro lado, as 3 outras situações dizem respeito a casos que não se relacionam com o objeto da pesquisa, qual seja, analisar a concessão de prisão domiciliar para presas provisórias gestantes e mães de filhos(as) menores de 12 anos: AgRg no HC 525.701-SP, que diz respeito àexecução definitiva da pena; HC 505.450-SP que, por mais que se tratasse de presa provisória, o filho possuÃÂa mais de 12 anos e o RHC 116.662-RS em que o STJ deferiu o pedido, mas para que o TJRS analisasse o pedido de prisão domiciliar, a dizer, o STJ não analisou, neste caso, a concessão da prisão domiciliar.

Para nossa análise, excluÃÂmos as decisões denegatórias por hipóteses legais, visto que nestes casos, os tribunais tão somente aplicam as disposições presentes no CPP em seu art. 318-A, I e II. De igual maneira, excluÃÂmos as decisões que não tinham pertinência com o objeto analisado pela nossa pesquisa. Sendo assim, nosso universo amostral foi constituÃÂdo de: 3 decisões do STF; 30 decisões denegatórias por situação excepcionalÃÂssima do STJ; 92 decisões das 119 do STJ que concederam a prisão domiciliar, escolhidas por método de amostragem que será detalhado quando da exposição das análises.

As categorias analÃÂticas foram: Número do processo; Data de julgamento/publicação; Tribunal, Turma julgadora; Relator/Relatora; Decisão tomada no processo; Tipo penal; Parte fática; Argumentação legislativa; Argumentação doutrinária; Argumentação jurisprudencial; Argumentação fática e Observações. Os dados foram retirados...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT