A decisão de pronúncia como filtro processual: requisitos formais e critérios de efetividade

AutorFernando Martinho de Barros Penteado
CargoMestre em direito processual penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em direito processual penal pela Escola Paulista da Magistratura. Juiz de Direito no Estado de São Paulo. Santos, São Paulo, Brasil. E- mail: fernandombpenteado@gmail.com. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/1830762220815573. ORCID: 0000- 000...
Páginas268-301
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 2. Maio a Agosto de 2021
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 268-301
www.redp.uerj.br
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A DECISÃO DE PRONÚNCIA COMO FILTRO PROCESSUAL: REQUISITOS
FORMAIS E CRITÉRIOS DE EFETIVIDADE
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THE INDICTMENT DECISION AS A PROCEDURAL FILTER: LEGAL
REQUIREMENTS AND EFFECTIVENESS CRITERIA
Fernando Martinho de Barros Penteado
Mestre em direito processual penal pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Especialista em direito
processual penal pela Escola Paulista da Magistratura. Juiz de
Direito no Estado de São Paulo. Santos, São Paulo, Brasil. E-
mail: fernandombpenteado@gmail.com. Currículo lattes:
http://lattes.cnpq.br/1830762220815573. ORCID: 0000-
0002-0455-6108. E mail: fernandombpenteado@gmail.com
RESUMO: Este artigo analisa a decisão de pronúncia e o juízo de admissibilidade positivo
da acusação emitido na primeira etapa do procedimento do júri. A pronúncia atua como um
filtro processual e visa reduzir o risco de condenações infundadas em plenário. A partir da
revisão bibliográfica, o trabalho visa responder como essa função de garantia pode ser
eficientemente alcançada. O resultado aponta a necessidade de compreensão adequada dos
requisitos formais da pronúncia e a adoção de critérios de efetividade, como o
contraditório, a imediação e o conceito dos standards de provas como auxílio hermenêutico
na definição da suficiência dos indícios de autoria.
PALAVRAS-CHAVE: tribunal do júri; pronúncia; contraditório; imediação; standards de
provas
ABSTRACT: This work analyzes the indictment decision carried out in the first stage of
the jury procedure. The indictment decision acts as a procedural filter reducing the risk of
wrongful convictions by the jury. Through bibliographic review, the work will address the
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Artigo recebido em 28/04/2020 e aprovado em 16/12/2020.
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problem of how this expected function can be fully achieved. In order to perform
substantially, it is necessary to properly understand the legal requirements of the
indictment decision and to adopt certain effectiveness criteria, such as the adversarial
principle, immediacy and the support in the concept of standards of proof.
KEYWORDS: jury; indictment; adversarial principle; inmediacy; standards of proof
1. Introdução
Nos termos do art. 5°, inc. XXXVIII, da Constituição de 1988, a instit uição
do júri é reconhecida constitucionalmente e tem competência para o julgamento
dos crimes dolosos contra a vida.
Por sua vez, o art. 74, § 1°, do Código de Processo Penal atribui ao tribunal
do júri o julgamento dos delitos previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º (homicídio
doloso), 122, parágrafo único (induzimento, instigação ou auxílio a suicídio por
terceiro), 123 (infanticídio), 124, 125, 126 e 127 (aborto praticado pela gestante
ou por terceiro com ou sem consentimento), todos do Código Pena l.
2
A legislação processual prevê um procedimento bifásico, estabelecendo uma
etapa judicial prévia com ampla produção de provas destinada a realizar o exame
de admissibilidade da acusação.
Esse iter prévio, chamado de juízo da acusação,
3
atua com a finalidade de
impedir que acusações infundadas sejam julgadas em plenário, reduzindo o risco
de decisões arbitrárias. Destina-se, pois, a verificar se há lastro probatório
razoável nos termos exigidos em lei para a instauração da fase seguinte.
2
A Lei 13.968, de 26 de dezembro de 2019, alterou o art. 122 do Código Penal e acrescentou o crime de
induzimento, instigação e auxílio à automutilação.
3
Também c onhecido como judicium accusationis, juízo de formação da cu lpa ou sumário da culpa . Explica
Antonio Scarance Fernan des que o sumário da culpa é uma fase intermediária situada entre a investigação
preliminar e o julgamento: “Nos procedimentos que adotaram o sistema misto, além das primeiras atividades
destinadas à colheita de informes a respeito do fato e da autoria, realizavam-se outras, posteriores, para
justificar o encaminhamento do processo a julgamen to e a prisão da pessoa investigada. O conjunto dessas
atividades formava a fase do sumário da culpa ou da instrução provisória” (FERNANDES, Scarance
Antonio. Teoria geral do procedimento e o procedimento no pro cesso penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 88). No procedimento do júri brasileiro, o sumário da culpa é a fase intermediária entre a
investigação policial e o julgamento em plenário.
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O juízo da acusação é constituído de duas partes: a instrução preliminar (artigos 406
a 412 do Código de Processo Penal) e a etapa de julgamento subsequente, onde os
elementos de prova colhidos são aferidos, podendo ensejar ao final quatro hipóteses
decisórias: pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação (arts.
413 a 419 do Código de Processo Penal).
4
A emissão da decisão de pronúncia significa que o juízo de admissibilidade da
acusação foi positivo e enseja o julgamento em plenário perante o conselho de sentença.
Por isso, diz-se que a pronúncia constitui um ato preventivo de preparação e
segurança do ingresso na fase de julgamento final” onde o juiz exerce função
saneadora
5
e de verificação da probabilidade de ser exata a imputação deduzida na
denúncia”
6
, sempre de forma a “preservar a inocência contra as acusações infundadas e o
organismo judiciário contra o custo e a inutilidade em que estas redundariam”.
7
As particulidades do tribunal do júri, notadamente a atuação de juízes leigos, a
soberania dos veredictos e a não exigência de motivação, legitimam a instituição de um
controle judicializado prévio da acusação. Entretanto, questiona-se em que grau o juízo de
admissibilidade positivo da acusação realizado na pronúncia constitui, no plano formal e
material, uma garantia efetiva ao acusado contra excessos acusatórios.
Assim, o objetivo deste trabalho é verificar criticamente o juízo de admissibilidade
realizado na pronúncia a partir de seus requisitos formais e de critérios materiais aptos a
concretizar a função de juízo avançado e qualificado da acusação.
Justifica-se o estudo do tema pelo fato de que, não compreendidos os
requisitos formais em sua exata extensão e olvidados certos parâmetros de
efetividade, a pretendida função de garantia tende a não se materializar, tornando a
primeira etapa do procedimento do júri meramente burocrática e carente de sentido.
4
Não obstante, é comum a compreensão de que a expressão “instrução preliminarseja sinônima do próprio
juízo da acusação. Nesse sentido: IRIBURE JÚNIOR, Hamilton da Cunha. A pronúncia no procedimento
do tribunal do júri brasileiro. 562f. Tese (Doutorado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo, 2008, p. 288.
5
AQUINO, Álvaro Antônio Sagulo Borges de. A função garantidora da pro núncia. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2004, p. 105-106.
6
MARQUES, José Frederico. A instituição do júri. São Paulo: Saraiva, 1963 , p. 57.
7
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1973, p. 17.

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