Democracia, participação (social, popular, pública, cívica ou cidadã) e o estado de bem-estar social

AutorAlex Cavalcante Alves
Páginas45-99
CAPÍTULO I
DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO (SOCIAL,
POPULAR, PÚBLICA, CÍVICA OU CIDADÃ) E
O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL
Diante do caráter acadêmico do trabalho, é importante revi-
sitar alguns conceitos fundamentais à discussão. Falar em parti-
cipação implica em falar em democracia, mas a democracia que
vivemos atualmente, no Brasil e no mundo, pode ser encaixada
nos conceitos clássicos de democracia? Enquanto alguns atores
do cenário político defendem que as instituições estão funcio-
nando perfeitamente frente aos ataques ao modelo, outros ato-
res (e autores) sustentam que a democracia passa por uma crise
e que somente quando deixar de ser um conceito abstrato para
significar ganhos palpáveis (de participação, inclusive), a popu-
lação partirá de forma mais enfática em sua defesa, nas situações
em que o regime se veja ameaçado. Na primeira seção deste ca-
pítulo, busca-se trazer aspectos relevantes do debate sobre o
conceito de democracia e suas crises, bem como os conceitos de
participação, e como estão intrinsecamente ligados os dois insti-
tutos.
Na literatura sobre participação é possível encontrar os ter-
mos “participação social”, “participação popular”, “participação
cidadã” ou “participação pública”. Os materiais oriundos dos
países hispânicos têm dado preferência à expressão participa-
ción ciudadana. Em língua inglesa, é possível encontrar em
maiores quantidades a referência a public participation ou citi-
zen participation. No Brasil, tem prevalecido a referência a par-
ticipação social ou participação popular17. Existem ainda termos
15
correlatos em língua inglesa, como civic engagement ou citizen
engagement (em tradução livre: engajamento cívico ou engaja-
mento cidadão), tomados como sinônimos de participação so-
cial, mas com etimologia mais voltada à efetividade, uma vez
que a palavra engagement pode ser traduzida como envolvimen-
to, comprometimento, compromisso ou até mesmo combate. A
palavra participação, todavia, contempla acepções que podem
sugerir atuações mais passivas por parte dos cidadãos, a exemplo
de quando enxergada como mera possibilidade/faculdade de
participação. Todavia, o também termo correlato stakeholder
engagement (em tradução livre: engajamento de partes interes-
sadas) é menos inclusivo, pois leva ao raciocínio de que somente
os atores diretamente afetados com o assunto em discussão te-
rão oportunidade de participação, e não a sociedade como um
todo.
No título desta dissertação, optou-se por utilizar o termo
“participação social”. Uma vez que o trabalho se propõe a con-
tribuir para a cultura de participação, tanto melhor utilizar em
sua denominação a nomenclatura que permita o maior acesso
possível à pesquisa por parte da sociedade. Todavia, nas diversas
seções do trabalho, elegeu-se utilizar nos títulos a expressão
“participação pública”, por ser aquela com que a ANEEL desig-
nou em Regimento Interno a sua estrutura administrativa res-
ponsável pelo relacionamento com a sociedade18. Não obstante,
16
17 Em pesquisa na ferramenta Google, realizada em 18 de abril de 2021, às
20h20, utilizando os termos entre aspas, foram encontrados os seguintes
quantitativos de resultados: Em Português – participação social: 3.610.000;
participação popular: 1.490.000; participação cidadã: 313.000; participação
pública: 307.000; Em Espanhol – participación social: 3.990.000; participa-
ción popular: 1.480.000; participación ciudadana: 22.200.000; participa-
ción pública: 1.270.000; Em Inglês – social participation: 2.050.000; popular
participation: 980.000; citizen participation: 5.890.000; public participa-
tion: 9.740.000.
18 A Superintendência de Mediação Administrativa, Ouvidoria Setorial e
Participação Pública – SMA.
a força da expressão “participação social” é tão grande que, mes-
mo utilizando “participação pública” em seus documentos for-
mais, o título dado à seção do website da Agência dedicada ao
assunto é “participação social”, conforme é possível constatar na
captura de tela que consiste no Anexo II deste trabalho. Para as
ocorrências ao longo do texto, pede-se vênia para intercalar os
dois termos, de modo a tornar a leitura menos repetitiva e mais
agradável.
1. Reflexões sobre democracia, participação e suas definições
Em palestra realizada em Brasília, intitulada “Constituição e
Democracia”, o constitucionalista português Jorge Miranda con-
ceituou democracia como a forma de governo em que o poder é
atribuído ao povo, à totalidade dos membros daquela comunida-
de política, e é exercido em harmonia com a vontade expressa
pelo povo, nos termos constitucionalmente definidos. Dessa
forma, não é suficiente dizer que o poder em abstrato pertence
ao povo, ou que já lhe pertenceu num momento anterior e que
ele o exerceu em uma oportunidade, legitimando os futuros go-
vernantes a exercê-lo, e nem que a aprovação da Constituição
cabe ao povo, e o exercício do poder os governantes. Muito pelo
contrário: democracia demanda exercício atual, e não potencial,
de poder pelo povo, devendo traduzir a capacidade dos cidadãos
de construírem uma vontade política autônoma, ressaltando
que, sendo os seres humanos detentores de razão e de consciên-
cia, são aptos à participação cívica, para solucionar os seus pro-
blemas “não pela força, mas pelo confronto de ideias e pelo seu
sufrágio pessoal e livre”19.
Para Norberto Bobbio, nos países de tradição democrático-
liberal, há uma espécie de lista de “procedimentos universais” a
17
19 MIRANDA, Jorge. Constituição e democracia. Transcrição de palestra
proferida a convite do Conselho Federal da OAB, em 7 de março de 2017.
Brasília-DF, 2017, p. 34.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT