Participação pública e regulação

AutorAlex Cavalcante Alves
Páginas101-143
CAPÍTULO II
PARTICIPAÇÃO PÚBLICA E REGULAÇÃO
A participação pública é inerente ao modelo de regulação,
uma vez ser necessário contemplar a ótica da sociedade, destina-
tária e usuária do serviço público regulado, como forma de se
verificar o adequado funcionamento do modelo, que muito além
de atender a uma exigência de mercado, vem atender a uma de-
manda da população pela melhor prestação de serviços públicos,
em nível mundial. Exemplo disso é o fato de a Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, em sua
Recomendação do Conselho sobre Política Regulatória e Gover-
nança, de 2012, destacar como segunda principal orientação aos
governos nacionais em assuntos de regulação, a necessidade de
participação no processo regulatório:
2. Respeitar os princípios de um governo aberto, incluindo trans-
parência e participação no processo regulatório para garantir que a
regulação sirva ao interesse público e para que seja informado das
necessidades legítimas dos interessados e das partes afetadas pela
regulação. Isto inclui a oferta de canais efetivos (incluindo online),
para que o público possa contribuir para o processo de preparação
de propostas regulatórias e para a qualidade da análise técnica. Os
governos devem assegurar que regulações sejam compreensíveis e
claras e que as partes possam facilmente compreender seus direi-
tos e obrigações.128
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128 ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMEN-
TO ECONÔMICO – OCDE. Recomendação do Conselho Sobre Política
Regulatória e Governança. Paris, 2012.
Essa recomendação implica aos governos buscar compromis-
so com a participação efetiva da sociedade no processo decisório
de seus entes reguladores. A associação entre participação e re-
gulação é intrínseca ao modelo de Agências Reguladoras que foi
adotado no Brasil. Entretanto, a assimilação desse modelo não
foi isenta de dores na população, que não conseguia identificar
adequadamente nas Agências Reguladoras o papel de aliadas dos
consumidores. Ao contrário, desde a época da implantação do
modelo até os dias atuais, há consumidores que enxergam essas
autarquias como algozes de seu bem-estar.
De acordo com Teresa Liporace, em artigo sobre os desafios
da regulação no campo da participação social, os órgãos de defe-
sa do consumidor, durante os primeiros anos de implantação do
modelo brasileiro de Agências Reguladoras, dedicaram grande
parte da sua capacidade a atender consumidores prejudicados
pelas empresas prestadoras de serviços regulados, faltando, ao
mesmo tempo, a devida clareza para os cidadãos sobre quais
funções deveriam ser exercidas pelas Agências.
O novo modelo de regulação no Brasil, que conferiu às agências
prerrogativas especiais de autonomia e desenho institucional dife-
renciado, também procurou assegurar mecanismos de transparên-
cia e de controle social nos seus processos decisórios. Foram insti-
tuídos espaços para o exercício do controle social por meio de
Audiências e Consultas Públicas, Ouvidoria, Conselhos e outras
instâncias de participação. Tais mecanismos visavam assegurar os
direitos do cidadão junto às concessionárias de serviço público
numa nova perspectiva de envolvimento do usuário frente às ativi-
dades do Estado. No entanto, a ausência de definição de critérios
mínimos para o atendimento aos requisitos de transparência e
participação social provocou uma grande distorção no processo de
consolidação desse modelo, ocasionando graves problemas ao ci-
dadão. Embora, conceitualmente, o processo regulatório esteja
aberto à participação dos agentes impactados por ele – setor regu-
lado e consumidores -, na prática, a inserção desses atores é com-
pletamente desbalanceada.129
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129 LIPORACE, Teresa D. Perspectivas e desafios à participação social na
Para Gabriela Azevedo Campos Sales, o risco de retrocesso
causado por um eventual insulamento burocrático dos órgãos de
regulação pode ser atenuado “por meio da instituição de mode-
los normativos que favoreçam a participação popular em seus
processos decisórios e direcionem a busca pelo desenvolvimento
econômico”130. Nesse sentido, é importante compreender o
contexto da reforma gerencial e do consequente surgimento das
Agências Reguladoras no País, bem como a maneira em que foi
concebida e estruturada a participação pública na regulação em
nível federal, verificando como a participação social faz parte
inerente do modelo de regulação implantado no Brasil, não so-
mente como boa prática de empoderamento cidadão, mas tam-
bém como forma de compensar o déficit democrático, expressão
utilizada por diversos autores para se referir à situação gerada
pelo fato de os dirigentes dessas autarquias, que detêm poder de
elaboração de normativos, não serem eleitos pela população.
1. A reforma gerencial do Estado Brasileiro e o surgimento das
Agências Reguladoras
As reformas administrativas foram recorrentemente utiliza-
das por diferentes governos, como instrumentos para melhorar
a prestação dos serviços públicos e garantir mais eficiência ao
Estado. Sucessivas alterações institucionais buscaram ao longo
da história eliminar, ou ao menos mitigar, os efeitos do patrimo-
nialismo, definido por José Reinaldo de Lima Lopes, como siste-
ma que “entende o cargo como uma distinção ou um dom rece-
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regulação. In: PROENÇA, Jadir Dias, PRADO, Carlos Eduardo Resende
(orgs.). Melhoria da regulação no Brasil: o papel da participação e do controle
social. Brasília: Presidência da República, 2011, p. 195.
130 SALES, Gabriela Azevedo Campos. Agências Reguladoras Brasileiras:
estrutura, função normativa e mecanismos de controle. 2002, 94f. Faculdade
de Direito da USP (Monografia), 2002, p. 51.

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