Desacordos morais razoáveis e controle de constitucionalidade

AutorLuiz Guilherme Marinoni
CargoProf.essor Titular da Universidade Federal do Paraná. Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional. Membro Honorário do Presidium da International Association of Procedural Law
Páginas25-61
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DESACORDOS MORAIS RAZVEIS E CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE
REASONABLE MORAL DISAGREEMENTS AND
CONSTITUTIONALITY CONTROL
Luiz Guilherme Marinoni
Prof.essor Titular da Universidade Federal do Paraná.
Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional.
Membro Honorário do Presidium da International
Association of Procedural Law.
E-mail: guilherme@marinoni.adv.br
https://orcid.org/ 0000-0002-7891-3083
RESUMO
O presente artigo pretende demonstrar que existem questões morais que, a princípio, devem ser
resolvidas exclusivamente pelo Legislativo, embora isto não possa excluir, em abstrato, o con-
trole de constitucionalidade diante dos desacordos morais razoáveis, especialmente em virtude
de a Corte, ao eventualmente decidir, sempre estar sujeita a reação popular e parlamentar.
Palavras-chave: Desacordos morais razoáveis; Objetividade moral; Controle de Constitucionali-
dade; Diálogo institucional.
Recebido: 25/04/2022
Convidado
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Revista Direito.UnB |Janeiro – Abril, 2023, V. 07, N.1 | ISSN 2357-8009|
ABSTRACT
This article intends to demonstrate that there are moral issues that, in principle, must be
resolved exclusively by the Legislative, although this cannot exclude, in the abstract, the
control of constitutionality in the face of reasonable moral disagreements, especially due
to the fact that the Court, when eventually deciding, will always be subject to popular and
parliamentary reaction.
Keywords: Reasonable moral disagreements; Moral objectivity; Constitutionality Control;
Institutional dialogue.
1. INTRODUÇÃO
Fala-se em direito à tutela jurisdicional de direitos morais, o que corresponde a dizer
que, mediante o direito de ação, é possível exigir do Juiz não apenas a implementação
dos direitos afirmados na lei, mas também dos direitos morais não reconhecidos pelo
Legislador. O texto legal, neste sentido, não é fonte exclusiva dos direitos. A partir dos
princípios e da consideração da história, da tradição e dos precedentes, o Judiciário pode
admitir pretensões à tutela de direitos mesmo na ausência de lei1. Isto confere ao Juiz, a
partir de normas constitucionais indeterminadas, não só poder de afirmar um direito que
não deriva da lei ou das palavras da Constituição, mas também de invalidar a lei que os
parlamentares acreditam não contradizê-la.
Este poder, no entanto, enfrenta um problema de legitimidade democrática, na
medida em que o próprio significado da Constituição, indispensável para a aferição da
correção do trabalho do Parlamento, passa a estar nas mãos do Judiciário2.
Tenta-se justificar a transferência do poder à Corte ao se imaginar um Juiz-
1 Ronald Dworkin, A matter of principle, Cambridge: Harvard University Press, 1985, p. 9 e ss.
2 Lembre-se do alerta de Robert Dahl: “But the more it (the Supreme Court) moves outside this realm –
a vast realm in itself – the more dubious its authority becomes. For then it becomes an unelected legislative
body. In the guise of interpreting the Constitution – or, even more questionable, divining the obscure and
often unknowable intentions of the Framers – the high court enacts important laws and policies that are the
proper province of elected officials” (Robert Dahl, How Democratic is the American Constitution? New
Haven: Yale University Press, 2003, p. 153-154).
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Hércules3, um Juiz inabalavelmente comprometido com a integridade do direito4 e,
sobretudo, incapaz de ser removido do desejo de buscar a decisão capaz de realizar a
justiça substancial, única que teria aptidão para responder à democracia constitucional,
que então se sobreporia à democracia vista como maioria.
Entretanto, o fato de existir, nesta tentativa de legitimação da “supremacia do
Judiciário”, a não percepção de que mesmo Hércules nunca será capaz de substituir o
poder do povo, possui relevância. Não importa saber se a Corte tem ou não as melhores
condições para discutir os princípios e para alcançar a “decisão correta” diante de
questões que apenas e tão somente podem ser decididas pelas pessoas e, assim, pelo
voto da maioria dos seus representantes. Há questões que simplesmente não podem
ser resolvidas de forma legítima e democrática por outros que não aqueles que têm
expectativas sobre elas.
Porém, falar em desacordo moral razoável, para sustentar a “supremacia do
Parlamento”, pode encobrir situações em que há discriminação ou, no mínimo, violação
de direito fundamental à participação na deliberação parlamentar. Na verdade, os
desacordos morais razoáveis trazem dificuldade em virtude da complexidade do seu
conteúdo e, portanto, do feixe de diferentes questões que podem envolvê-los. Vale dizer
que, dentro daquilo que se tem como um desacordo moral razoável, existe uma questão
essencialmente moral que não impede o surgimento de outras questões jurídicas. Isto
ocorre especialmente porque, ainda que o Parlamento se depare, a princípio, com uma
questão meramente moral, há sempre a possibilidade de precipitações ou desvios que
não podem isentar o controle de constitucionalidade.
Além disso, sabe-se que não há como pensar em “última palavra” do Judiciário
sobre a interpretação constitucional, sendo indispensável, especialmente nos casos em
que direitos são afirmados na penumbra dos direitos fundamentais, o desenvolvimento
de um diálogo institucional capaz de responder aos fatos constitucionais ou à verdade do
Estado Constitucional5.
Pretende-se demonstrar, mediante o presente texto, que embora as questões
morais devam ser resolvidas exclusivamente pelas pessoas e, assim, pelo Parlamento,
3 Hércules, de acordo com Dworkin, é um juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-humanas,
que aceita o direito como integridade (Ronald Dworkin, Law’s empire, Cambridge: Harvard University
Press, 1986, p. 262).
4 Segundo o direito como integridade, as proposições jurídicas são verdadeiras se constam ou
derivam dos princípios de justiça, equidade e devido processo legal que oferecem a melhor interpretação
constitucional da prática jurídica da comunidade. O direito como integridade, para Dworkin, é tanto produto,
quanto fonte, da interpretação abrangente da prática jurídica (Ronald Dworkin, Law’s empire, p. 248 e ss).
5 Peter Häberle. Os Problemas da Verdade no Estado Constitucional. Porto Alegre: Fabris, 2008,
esp. p. 112 e ss.
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