Desenvolvimento e inclusão às avessas: uma análise dos fundamentos de decisões do STF sobre políticas públicas de educação à luz de John Rawls e Amartya Sen

AutorSamuel Mendonça, Josué Mastrodi Neto, Lais Teixeira Barbosa Sak
CargoProfessor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Mestrado e Doutorado, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas/Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado Acadêmico, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas/Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2021)
Páginas153-174
Direito, Estado e Sociedade n. 61 jul/dez 2022
Desenvolvimento e inclusão às avessas: uma
análise dos fundamentos de decisões do STF
sobre políticas públicas de educação à luz de
John Rawls e Amartya Sen
Development and inclusion upside-down: an analysis of the
ratio decindenda of the Brazilian supreme court`s decisions
on public policies in light of John Rawls and Amartya Sen
Samuel Mendonça*
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas SP, Brasil
Josué Mastrodi Neto**
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas SP, Brasil
Lais Teixeira Barbosa Sak***
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas SP, Brasil
1. Introdução
O presente artigo
1
analisa se, dentre os fundamentos usados pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) nas decisões sobre políticas públicas relacionadas ao direito da educação, foram
adotadas, direta ou indiretamente, a teoria de justiça de John Rawls e a teoria de
desenvolvimento de Amartya Sen. Optou-se por se concentrar a reflexão no Poder Judiciário,
sobretudo pelo contexto atual de intensificação da judic ialização de políticas públicas e do
ativismo judicial. Apesar de tais práticas, em tese, não consistirem formalmente em criação,
tampouco em implementação de políticas públicas já que, em razão da teoria da separação
de poderes, tal função é atribuída aos Poderes Legislativo e Executivo , tais decisões, muitas
* Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Mestrado e Doutorado, da Pontifícia Universidade Católic a
de Campinas. Bolsista Produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Doutor em Educação pela Unicamp (2009). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2918-0952.
** Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado Acadêmico, da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (2008). Orcid:
https://orcid.org/0000-0003-4834-0170.
*** Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2021). Advogada. Orcid:
https://orcid.org/0000-0003-2545-9478.
1
O artigo resulta de pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq,
Bolsa Produtividade de Pesquisa, Processo 311111/2017-3.
Samuel Mendonça
Josué Mastrodi Neto
Lais Teixeira Barbosa Sak
Direito, Estado e Sociedade n. 61 jul/dez 2022
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vezes, inovam a decisão executiva, ou fazem escolhas públicas, tendo, inclusive impactos
sobre o planejamento orçamentário.
Considerando que o Poder Judiciário tem sido chamado a decidir sobre políticas
públicas
2
, tendo assumido, em algumas situações, uma posição ativista e que, nestes casos,
exorbita os poderes judiciários típicos, parte da doutrina considera que tais decisões
constituem, na verdade, uma forma atípica de criação e implementação de políticas públicas
pelo Poder Judiciário em violação à separação de poderes
3
. Nesse contexto, embora bem
intencionadas em promover o direito à educação na esfera do processo específico, é possível
que tais decisões ocasionem uma inclusão e desenvolvimento às avessas. Quer dizer, por
falta duma revisão c rítica de seus fundamentos pautada em paradigmas de justiça como
equidade e desenvolvimento com liberdade, com reflexão de sua aplicação à sociedade
como um todo, é possível que tais as decisões judiciais tenham, dentre seus efeitos práticos
na sociedade, ocasionado uma inclusão pouco inclusiva, acessível pela judicialização o que
obstrui o desenvolvimento pela perspectiva humana, e quiçá econômica. Portanto,
considerando que na prática o Judiciário pode estar atipicamente tomando decisões sobre
políticas públicas, é possível entender que, ao menos indiretamente, o Judiciário tenha a
corresponsabilidade de considerar os parâmetros das teorias de John Rawls e Amartya Sen
em suas decisões, de modo a promover uma justiça como equidade, e que suas decisões
sejam aptas a um desenvolvimento com liberdade. A partir desse ponto é que partiu a
iniciativa deste trabalho, que visa, por conseguinte, esquadrinhar se o Supremo Tribunal
Federal, órgão máximo da jurisdição e guardião da Constituição, tem-se valido de noções
destas teorias para a tomada de suas decisões.
O desenvolvimento deste artigo, pois, terá como condutora a relação entre os tópicos
“Direito”, “desenvolvimento” (e “direito ao desenvolvimento”), “inclusão”, e “teoria da
justiça”. Embora esses tópicos estejam no núcleo das notícias cotidianas de qualquer jornal
de grande audiência, a reflexão sobre o tema no âmbito ac adêmico do Direito não se
encontra esgotada.
Durante os meses de maio e outubro de 2019, foi feita uma revisão sistemática da
literatura sobre o tema para levantar as produções científicas (artigos, teses e diss ertações)
publicadas em revistas de alta reputação (indexadas pela CAPES com Qualis B1 ou superior
no estr ato Direito) com indexação internacional, por meio dos seguintes portais: SciELO,
Portal da CAPES (Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal d e Nível Superior),
e BTD (Biblioteca Digital de Teses e Dissertações)
4
. Este levantamento culminou na conclusão
2
Para este trabalho, considerou-se como políticas públicas, o conceito de BUCCHI, 2002, p. 241, para quem estas
correspondem aos programas governamentais determinados politicamente que têm objetivos socialmente
relevantes. A partir deste conceito, pode-se dizer que as ações governamentais de concretização de direitos
fundamentais, dentre os quais o direito à educação, são feitas por meio de políticas públicas.
3
Nesse sentido, Trindade e Morais: “[...] com a judicialização política[...]”, os tribunais estão protagonizando
competências simultâneas com as dos demais Poderes, assim, por meio de suas decisões, intrometem-se no
território atribuído ao Executivo e Legislativo, intervindo sobre “[...] as políticas públicas e, consequentemente, os
orçamentos públicos[...]” (TRINDADE; MORAES, 2011, p. 155).
4
Este levantamento foi realizado em 4 fases, empregando-se, em todas, filtros para concentrar a análise em
produções na área do Direito (tais como “law”, “Direito”, e “jurídico”), sendo usados os seguintes descritores, em
cada fase: (i) “judicialização” e “políticas públicas”, “desenvolvimento”, e “justiça”, em que se pretendeu usar os
termos relacionados às teorias dos autores pesquisados; (ii) “judicialização”, “políticas públicas”, “Amartya Sen" e
“John Rawls”, em que não foram encontrados quaisquer resultados com tais descritores em conjunto, donde se
decidiu segmentar a pesquisa por cada autor; (iii) “judicialização”, “políticas públicas” e “Amartya Sen”; e (iv)
“judicialização”, “políticas públicas” e “Amartya Sen". Em nenhuma das fases foi encontrado qualquer resultado no
portal da Scielo. As fases (iii) e (iv) culminaram em poucos resultados na área do Direito; no Portal de Periódicos da

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