A desverticalização nos serviços públicos de água e esgoto

AutorMarcos Pinto Correia Gomes
CargoAdvogado e Mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Graduado em Direito pela UERJ e Mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Foi Procurador Adjunto Administrativo no Município de Petrópolis, Procurador-Chefe da Procuradoria de Serviços Públicos, Patrimônio, Meio Ambiente e Urbanismo do Município de Nova Iguaçu, Assessor Jurídico no Município de ...
Páginas429-475
A desverticalização nos serviços públicos de água e esgoto (p. 429-475) 429
GOMES, M. P. C.
A desvertic alização nos servi ços públicos de água e es goto
.
Revista d e Direito Seto rial e
Regulatório
, v. 9, nº 1, p. 429-475, maio de 2023.
A desverticalização nos serviços públicos de água
e esgoto
The unbundling of the public services of water and sewage
Submetido(
submitted
): 20 June 2022
Marcos Pinto Correia Gomes*
https://orcid.org/0000-0002-0819-0537
Parecer(
reviewed
): 5 October 2022
Revisado(
revised
): 23 January 2023
Aceito(
accepted
): 28 Januar y 2023
Artigo submetido à revisão cega por pares
(
Article submitted to peer blind re view
)
Licensed under a Creative Com mons Attribution 4.0 International
Abstract
[Purpose]
In the last years, new models have been observed to organize the provision
of water and sewage services in Brazil.
[Methodology /approach/desig n]
This study covers, from a legal perspective, recent
experiences that have promoted the division of the supply chain for water treatment and
distribution, and also for sanitary sewage, with the objective of assigning each of the
stages to a specific provider.
[Findings]
It is, therefore, the so-called unbundling, a phenomenon that has already
been seen in other public utilities such a s telecommun ication and electricity, but which
presents different contours in sanitation, requiring its own analysis of the regulation and
contracts necessary to regulate th is option.
Keywords
: Sanitation. Water supply and sewage services. Unbundling. Regulation and
Contracts.
Resumo
[Propósito]
Nos últimos anos, observam-se novo s modelos para org anizar a prestação
dos serviços públicos de água e esgoto no Brasil.
[Metodologia/abo rdagem/design]
O presente estudo aborda, pelo viés jurídico, as
experiências recentes que promoveram a divisão da cadeia p rodutiva para tratamento e
distribuição da água e para o esgotamento sanitário, com o objetivo de atribuir cada uma
das etapas a um prestador específico.
[Resultados]
Trata-se, portanto, da chamada desverticalização, fenômeno já verificado
em outros serviços públicos como telecomunicações e energia elétrica, mas que apresenta
*
Advogado e Mestre em Direito da Cidade pela UERJ.
Graduado em Direito pela UERJ
e Mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Foi Procura dor Adjunto Administrativo no
Município de Petrópolis, Procurador-Ch efe da Procuradoria de Serviço s Públicos,
Patrimônio, Meio Ambiente e Urbanismo do Município de Nova Iguaçu , Assessor
Jurídico no Município de Angra dos Reis e no Mun icípio de Belford Roxo, As sessor de
Conselheira da AGETRANSP (RJ) e Assessor do Diretor Jurídico da CEDAE. Ministrou
disciplinas de Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Urbanístico em
instituiçõe s c omo o IBMEC, UNIGRAN RIO, Cândido Mendes e Fundação Ge túlio
Vargas. Endereço: Rua São José 20/1201, Centro, Rio de Janeiro/RJ . E-mail:
marcoscorreiagomes@yahoo.com.br.
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, v. 9, nº 1, p. 429-475, maio de 2023.
contornos diferentes no saneamento básico, razão pela qual demanda análise própria
sobre a regulação e os contratos necessários para disciplinar esta opção.
Palavras-chave
: Saneamento Básico. Serviços de Água e Esgoto. Desverticalização.
Regulação e Contrato s.
INTRODUÇÃO
Suscetíveis a fatores políticos, sociais, econômicos e ainda ao
desenvolvimento tecnológico, os serviços públicos vivem permanentes
mudanças sob a influência dos m omentos históricos e das diferentes condições
geográficas.
1
Não é diferente com o saneamento básico.
Neste artigo, será tratada situação relativamente nova no setor e que teve
impulso mais forte com a promulgação da Lei Federal nº 11.445/2007 (“Marco
Legal do Saneamento Básico”): a divisão das etapas que integram a distribuição
de água e o esgo tamento sanitário com o propósito de atribuir o exercício de
cada parcela a agente específico. Diante desta opção, haverá dois ou m ais
prestadores que atu arão de forma complementar para prover o atendimento ao
usuário final. As alterações promovidas pela Lei Federal nº 14.026/2020
projetam novos cenários nessa direção, como será abordado mais adiant e.
Fragmentação semelhante já ocorreu em outros serviços públicos, como
nos setores de telecomunicações e de energia elétrica, tendo se consagrado no
Brasil a expressão “desintegração vertical” ou simplesmente
“desverticalização” para lidar com esse modo de organizar os meios de
produção daquelas atividades.
Embora não haja a expectativa de a desverticalização se difundir, nos
serviços de água e esgoto, com a mesma intensidade verificada na geração,
transmissão e distribuição da energia elétr ica,
2
as experiências em curso no
Brasil já se con tam na casa das dezenas. Entretanto, não são usuais estudos de
caso ou análises teóricas sobre o tema, que possui peculiaridades sob os prismas
institucional, operacional, econômico e jurídico.
1
A variação das atividades prestacio nais do Estado ao longo do tempo quadro mais
amplo, mas que também abrange os serviços públicos - é tratada por Alexandre dos
Santos Aragão em
Direito dos Se rviços Públicos
(Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 25
a 74). Caio Tácito traça um painel sobre a história do serviço públic o no Brasil no artigo
O Retorno do Pêndulo: Serviço Públic o e Empresa Privada. O Exemplo Brasileiro
(Revista de Direito Administrativo nº 242, p. 109-118). A esse respeito ainda, cite-se o
artigo de A lmiro do Couto e Silva
Privatização no Brasil e o Novo Exercício de
Funções Púb licas por Particulare s. Serviço Público à Brasileira
(Revista de Direito
Administrativo nº 230, p. 45-74).
2
Os motivos para esta afirmação serão expostos ao longo do artigo.
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Uma vez que a solução tem sido adotada por Municípios e Regiões
Metropolitanas, é essencial suprir a lacuna acima apontada. Certamente, a
melhor compreensão acerca das condições necessárias p ara desverticalizar os
serviços públicos de água e esgoto - aliada ao conhecimento das principais
consequências que decorrem dessa estratégia - permitirá avaliar vantagens e
desvantagens da opção para cada realidade local.
A partir das necessárias reflexões teóricas e práticas, será dado aprimorar
as situações correntes, bem como orientar as futuras escolhas sobre os melhores
modelos, mediante o debate que deverá ocorrer entre titulares, reguladores,
operadores e usuários.
O objetivo deste artigo é expor o panorama sobre as principais
alternativas para a desverticalização dos serviços públicos de água e esgoto no
país, destacando as respectivas condições e as características centrais das opções
existentes, sob o viés jurídico.
Para tanto, serão apresentados, de forma breve, os fenômenos da
verticalização e da desverticalização nos serviços públicos, passando-se em
seguida a tratar da desintegração vertical dos serviços de águ a e esgoto no
Brasil, com análise sintética das principais variáveis encontradas e das normas
legais aplicáveis.
I. VERTICALIZAÇÃO, DESVERTICALIZAÇÃO E SERVIÇOS
PÚBLICOS
É oportuno voltar rapidamente no tempo e também mirar experiências
estrangeiras para entender melhor o que será aqui chamado de desintegração
vertical ou desverticalização no serviço público. Na realidade, é conveniente até
mesmo sair da seara do Direito Público, a fim de buscar a origem dessas
expressões que servem para designar modelos organizacionais para atividades
econômicas produtivas. Evitando-se maiores digressões históricas, esse retorno
ao passado há de ser limitado à industrialização da Era Moderna para avançar,
em seguida, aos dias atuais.
A reunião de todas as etapas necessárias à produção de bem ou serviço
em torno de um único agente foi, na realidade, fenômeno destacado inicialmente
no setor privado dos países pioneiros na Revolução Industrial, sendo usualmente
denominada como integração vertical ou simplesmente verticalização dos meios
de produção.
Para fins deste artigo, por verticalização deve-se entender a
concentração, sob a mesma administração empresarial, das várias fases de
produção voltadas à realização de certa atividade econômica. Nas palavras de
Michael E. Porter (2021, p. 339), a integração v ertical é a combinação de

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