Direitos e deveres Fundamentais relativos à Tributação: Reflexos da declaração de constitucionalidade na compensação tributária

AutorGlaucio Vasconcelos
CargoMestrando em Direitos Humanos pelo Centro Universitário FIEO | UNIFIEO
Páginas46-63

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1 Introdução

Em 27 de maio de 2009 foi publicada a Lei nº 11.941, como conversão da Medida Provisória nº 449, de 2008, com o que se alteraram inúmeros dispositivos da legislação tributária federal.

Por força do disposto em seu artigo 30, acrescentou-se ao artigo 74, § 12, inciso II, da Lei 9.430/96, a alínea "f", nos seguintes termos:

Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. (Redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002)

§ 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

II -em que o crédito: (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

  1. tiver como fundamento a alegação de inconstitucionalidade de lei, exceto nos casos em que a lei:

1 - tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade ou em ação declaratória de constitucionalidade;

2 - tenha tido sua execução suspensa pelo Senado Federal;

3 - tenha sido julgada inconstitucional em sentença judicial transitada em julgado a favor do contribuinte; ou

4 - seja objeto de súmula vinculante aprovada pelo Supremo Tribunal Federal nos termos do art. 103-A da Constituição Federal.

O novo dispositivo legal diz respeito aos temas da compensação e da declaração de inconstitucionalidade em âmbito tributário, e traz importante inovação no ordenamento jurídico, a par de inúmeras difi culdades interpretativas. E sobre isso versa o presente artigo.

2 Considerações iniciais
2. 1 Aspectos gerais do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade atual

O controle de constitucionalidade brasileiro ostenta, atualmente, um nível incomum de complexidade, a par de suas inspirações recaírem nos dois modelos doutrinários básicos existentes, quais sejam, o difuso ou americano, e o concentrado ou austríaco.

Manifesta-se de acordo com essa complexidade JOSÉ PAULO SEPÚLVEDA PERTENCE:

O Supremo Tribunal desempenha nesse altamente complexo sistema brasileiro de jurisdição constitucional duas funções básicas: o de órgão de cúpula da jurisdição constitucional difusa não só no controle da constitucionalidade de normas, mas também por sua competência recursal, sobretudo a recursal extraordinária, mas não só nela, também da interpretação da Constituição e de sua aplicação direta a casos concretos. A isso diz respeito a eventual súmula vinculante.1

Como é cediço, o modelo jurisdicional difuso é aquele em que a constitucionalidade dos atos normativos pode ser aferida por ocasião da análise dos casos concretos sub-

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metidos à apreciação judicial. Dá-se, pois, de modo incidental a fiscalização de constitucionalidade, e pode ser levada a cabo por quaisquer dos órgãos do Poder Judiciário.

No modelo concentrado, por sua vez, o exame da compatibilidade entre atos normativos e a Constituição Federal integra a competência de um órgão único e especializado, o qual faz a análise de constitucionalidade dos atos não apenas nos casos concretos que lhe são submetidos, como também pela via abstrata, e em alguns casos até mesmo de forma preventiva.

A evolução do tema no Brasil guarda relações com ambos os modelos descritos anteriormente. Atualmente, apresenta características que combinam os traços principais destes dois modelos, o que permite ao seu sistema de controle de constitucionalidade receber o qualificativo de misto. Nota-se, também, traços de controle político preventivo e sucessivo.

Constata-se, após as últimas alterações perpetradas com as Leis 9.968/99 e 9.882/99, e com a Emenda Constitucional n.º 45/04, nítida prevalência do modelo jurisdicional concentrado com significativa minimização do controle difuso.

Vejam-se, pois, em linhas gerais quais as características do sistema brasileiro.

Na via difusa, por ocasião da análise de quaisquer lides concretas submetidas à apreciação do Poder Judiciário, é conferido a todos os órgãos judiciais afastar a aplicação de atos normativos por incompatíveis frente à Constituição Federal. Declara-se, assim, eventual inconstitucionalidade de modo incidental no bojo de processos vocacionados à solução de lides entre os jurisdicionados.

O trânsito em julgado de uma decisão desse jaez, que traz efeitos inter partes, vincula-se à previsão contida no n.º 3, da alínea "f", do dispositivo legal sob exame (artigo 74, § 12, inciso II, da Lei 9.430/96).

É possível que tal decisão se origine de julgamento do Supremo Tribunal Federal, ao analisar recursos em ações originadas de outras instâncias judiciais. Nesse caso, o sistema prevê o mecanismo da suspensão da eficácia do ato normativo objeto da declaração de inconstitucionalidade, o que se dá por via de Resolução do Senado Federal, tornando erga omnes os efeitos que até então se restringiam às partes envolvidas.

Nesse particular a vinculação se prende à previsão contida no n.º 2, da alínea "f", do texto legal sob exame (artigo 74, § 12, inciso II, da Lei 9.430/96).

Também por ocasião do controle concreto, difuso, e após reiteradas decisões exaradas pelo mesmo Supremo Tribunal Federal, permite-se no sistema brasileiro a edição de Súmulas Vinculantes, nos termos do artigo 103-A, da Constituição Federal.

Trata-se da hipótese constante no n.º 4, da já mencionada alínea "f". Quanto ao n.º 1 do mesmo dispositivo, a referência se dá ao controle concentrado de constitucionalidade.

Acerca da síntese do controle difuso, vejam-se os termos em que ANNA CANDIDA DA CUNHA FERRAZ expõe o tema:

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"O controle difuso, com suas características básicas extraídas sob a inspiração do modelo americano de controle - controle do caso concreto, provocado pelo titular do direito violado por ato inconstitucional; controle exercido por todo e qualquer juiz ou tribunal e, em última instância pelo Supremo Tribunal Federal, com efeitos inter partes e ex tunc - é instrumento por excelência de proteção de direitos fundamentais. A universalidade do acesso favorecendo o princípio constitucional do acesso à justiça a todo e qualquer titular de direito violado por ato ou norma inconstitucional alarga a abrangência do controle e o democratiza, concretizando o princípio constitucional de que nenhuma lesão de direito será retirada da apreciação do Poder Judiciário (art. 5.º, XXXV, CF). A decisão proferida em sede de controle difuso só alcança as partes, mesmo se proferida pelo Supremo Tribunal Federal, e não tem, em princípio, efeitos vinculantes nem para o Judiciário nem para os demais poderes políticos; todavia, ante a reforma do Poder Judiciário provocada pela Emenda Constitucional n.º 45, de 08/12/2004, poderá o Supremo Tribunal Federal, por intermédio da súmula vinculante, atribuir efeitos dessa ordem em ações originadas no controle difuso. Não obstante, reforça, ainda que de maneira tênue e pálida, a eficácia das decisões nessa via de controle e remessa da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal ao Senado Federal (art. 52, X, CF) que poderá, à sua discrição (segundo entendimento majoritário do STF e da doutrina) expedir Resolução suspendendo a execução de ato ou lei declarados inconstitucionais em decisão defi nitiva e, via este mecanismo, estender o alcance da decisão erga omnes. A despeito dessas 'vantagens', a decisão, em sede de controle difuso, pode se tornar menos eficaz em razão da demora na tramitação processual para se lograr obter decisão final do STF, pelo que se impõe a necessidade de aprimoramento desta modalidade de controle."2

Compete ao Supremo Tribunal Federal, a par de fi gurar como órgão de cúpula do Judiciário pátrio, julgar as ações por meio das quais se exerce a fi scalização abstrata da constitucionalidade dos atos normativos.

Nestas hipóteses previstas no sistema, o controle se dá no bojo de processos objetivos, em que inexiste lide entre jurisdicionados a analisar. O objeto de referidas ações se prende exatamente à apreciação em abstrato da compatibilidade das espécies normativas face à Carta Maior.

Dois mecanismos, dentre outros que existem, constam do dispositivo legal em foco, isto é, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e ação declaratória de constitucionalidade (ADC). Declarada que seja a inconstitucionalidade de certo ato normativo por uma dessas duas vias, tem-se o caso subsumível à previsão do n.º 1 em questão.

São decisões, vale observar, que também espraiam efeitos erga omnes, ao lado de seus efeitos vinculantes.

Vejam-se algumas colocações da autora retro citada a título de síntese sobre o assunto:

"O controle concentrado é instrumentalizado pela ação direta de inconstitucionalidade, pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pela ação declaratória, pela ação interventiva e pela arguição de descumprimento de preceito fundamental.

De modo geral, os dois primeiros instrumentos de controle concentrado se destinam precipuamente à defesa da Constituição e da normalidade constitucional, não visando, ao menos de modo direto, à proteção dos direitos fundamentais.

O primeiro e mais utilizado instrumento de controle concentrado - a ação direta de inconstitucionalidade ADI - tem características que o torna poderoso instrumento de fi scalização constitucional, quais sejam: controle em tese e processo objetivo; objeto razoavelmente abrangente (leis e atos norma-

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tivos federais e...

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