Diálogo entre gênero e cárcere - o acolhimento de mulheres trans e de travestis no sistema prisional com base nas resoluções 348 e 366 do CNJ

AutorDiego Paolo Barausse
CargoJuiz de Direito no Tribunal de Justiça do Paraná
Páginas221-240
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XVII – n. 23 – Maio 2022
Diálogo entre gênero e cárcere – o acolhimento de
mulheres trans e de travestis no sistema prisional
com base nas resoluções 348 e 366 do CNJ
Diego Paolo Barausse1
Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Paraná
Introdução
O   tem como nalidade analisar a relação entre o di-
reito e as questões de gênero, ou seja, como o sistema de justiça crimi-
nal se relaciona com as pessoas que desaam a noção binária de gênero
(a transgeneridade), sobretudo a tensão entre as mulheres trans e as
travestis e o sistema prisional2.
A história é farta em apontar os interesses da sociedade capitalis-
ta como edicadores da tese da heterossexualidade natural ao denir
quem integraria a categoria de homens e de mulheres no processo civi-
lizatório. Ocorre que essa mesma sociedade sempre conviveu com pes-
soas que desenvolvem expressões de gênero dissidentes. Existe, portan-
to, uma pluralidade de interpretações e construções subjetivas, dando
sentido ao corpo que não necessariamente atende a expectativa do “ser
esperado”3.
A partir do momento em que o ideal binário de gênero estabeleci-
do por uma visão profundamente androcêntrica e patriarcal começa
a sofrer ssuras, as questões referentes ao sexo, ao gênero e ao desejo
exigem constantes reexões nos campos da medicina, das ciências so-
ciais, da psicologia, da psicanálise e não podem mais escapar da lente
dos operadores do direito.
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O Brasil é marcado por inúmeras violências praticadas em face de
grupos minoritários, incluindo as pessoas que resolvem manifestar gê-
nero para além do determinismo biológico, na medida em que, desde o
ano de 2008, é o país que mais mata as mulheres trans e as travestis em
todo o mundo, segundo informações do Dossiê – Assassinatos e violên-
cias contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2021, elaborado pela
Associação Nacional de Travestis e Transexuais.
Na condição de sujeitas criminalizadas, as identidades plurais tam-
bém sofrem inúmeros atos atentatórios à privacidade, à personalidade
e ao direito de existirem. Torna-se fundamental, então, investigar como
as agências de controle social, inclusive o sistema prisional, têm tratado
a conhecida população LGBTQIA+, com atenção especial às mulheres
trans e às travestis4.
Com base no entendimento xado pelo Supremo Tribunal Federal,
na ADPF 527, e nas Resoluções 348/2020 e 366/2021, do Conselho
Nacional de Justiça, pretende-se demonstrar quais os parâmetros re-
comendados para o acolhimento das mulheres trans e das travestis no
sistema de justiça criminal quando custodiadas, acusadas, rés, conde-
nadas, privadas de liberdade ou em cumprimento de alternativas pe-
nais ou monitoradas eletronicamente.
1. Pluralidade de gênero, violência e sistema penal
O sistema penal guarda perfeita sintonia com as questões de gênero
ao controlar corpos e pessoas que são estruturantes para a manutenção
da sociedade e tem como ideologia a manutenção dos meios de produ-
ção estruturados com base no patriarcado. Em seu interior, destarte, é
produzido, reproduzido e legitimado, dia após dia, um poder de ordem
classista, racista e sexista (ANDRADE, 2012, p. 140).
Assim, em um plano profundamente ideal e discursivo, o sistema de
justiça criminal, através de instituições formais (lei, polícia, Ministério
Público, juízes) e informais (família, costumes, religião, mídia, medici-
na e o mercado de trabalho) foi edicado para raticar o controle social
(binário), combater a criminalidade, proteger bens jurídicos e garantir
a segurança pública (SANTOS, 2018, p. 3-20).
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