Dimensões Institucionais da Igualdade de Gênero: o Caso Maria da Penha

AutorMarta Rodriguez de Assis Machado, Mariana Mota Prado
CargoProfessora em período integral da FGV Direito SP, onde também é coordenadora do Programa de Mestrado e Doutorado Acadêmico e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena. Pesquisadora permanente do Cebrap. Doutora (2007), mestre (2003) e graduada (1999) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. E-mail: Marta.Machado...
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol.13, N.04, 2022, p. 2404-2443.
Marta Rodriguez de Assis Machado e Mariana Mota Prado.
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/56463| ISSN: 2179-8966
Dimensões Institucionais da Igualdade de Gênero: o Caso
Maria da Penha
Institutional Dimensions of Gender Equality: the Maria da Penha Case
Marta Rodriguez de Assis Machado¹
¹ FGV Direito SP, São Paulo, São Paulo, Brasil. E -mail: Marta.Machado@fgv.br. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-8924-089X.
Mariana Mota Prado²
² Universidade de Toronto. Toronto, Canadá. E-m ail: mariana.prado@utoronto.ca. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-5555-8859.
Artigo recebido em 8/12/2020 e aceito em 4/02/2021.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol.13, N.04, 2022, p. 2404-2443.
Marta Rodriguez de Assis Machado e Mariana Mota Prado.
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/56463| ISSN: 2179-8966
Resumo
Este artigo explora a complexa interação entre a letra da Lei Maria da Penha (Lei
11.340/2006) e o contexto institucional no qual ela funciona. Após detalhar as mudanças
institucionais introduzidas pela lei, analisamos as medidas adotadas pelo governo brasileiro
para implementar reformas, apontando inúmeras deficiências. Ademais, mostramos que os
tribunais brasileiros não têm reconhecido a importância das instituições previstas na lei.
Concluímos o artigo propondo um caminho alternativo, denominado modularidade:
rejeitamos a ideia de que mudanças legais e institucionais operam de forma hierárquica ou
independente, em prol do entendimento de que a L ei e as instituições podem se
complementar ou compensar mutuamente os seus pontos fracos.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Instituições; Modularidade.
Abstract
This article explores the complex interaction between the Maria da Penha Statute (Law
11.340/06) and the institutional context in which such statute operates. After presenting
the details of the institutional changes provided by the Statute, we analyse the measures
adopted by the Brazilian Government to implement reforms, identifying a number of
shortcomings. We also show that the Brazilian courts have neglected the role of institutions
as prescribed by the Maria da Penha Statute. We conclude the article by presenting an
alternative path called modularity: we reject the idea that law and institutions have either a
hierarchical relationship or are independent o f one another; instead, we suggest that they
can be complementary or may compensate for each other weaknesses.
Keywords: Maria da Penha Statute; Institutions; Modularity.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol.13, N.04, 2022, p. 2404-2443.
Marta Rodriguez de Assis Machado e Mariana Mota Prado.
DOI: 10.1590/2179-8966/2021/56463| ISSN: 2179-8966
Introdução
1
A promoção da igualdade de gênero frequentemente requer instrumentos jurídicos. Porém,
esses instrumentos são somente uma peça do quebra-cabeça. As outras peças são
instituições funcionais responsáveis por aplicar, arbitrar e administrar regras jurídicas.
Enquanto mudanças legislativas ou jurisprudenciais podem promover a igualdade de
gênero, instituições funcionais também têm importante papel a desempenhar nesse
processo.
Por meio de um estudo de caso, este artigo explora a complexa interação entre a
letra da lei e o contexto institucional no qual a lei opera. Em 2001, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabilizou o Brasil por violar os direitos de
Maria da Penha Maia Fernandes, uma vítima de violência doméstica, e recomendou que o
país adotasse medidas para combater com efetividade a violência contra as mulheres. Em
2006, o governo federal brasileiro respondeu com a promulgação de uma lei com
mecanismos para reduzir e prevenir a violência doméstica e familiar contra mulheres, a “Lei
Maria da Penha” (Lei 11.340/2006), doravante referida como “a Lei”. A Lei adotou uma nova
definição legal de violência doméstica com sanções penais mais severas e criou “medidas
protetivas” para mulheres em perigo iminente.
A Lei também exigiu uma série de reformas institucionais, incluindo inovações
institucionais tais quais varas especializadas, unidades de investigação especializadas e
equipes multidisciplinares (com assistentes sociais, psicólogos etc.) para fornecer apoio às
vítimas. A L ei também requereu a implementação de delegacias de polícia especializadas e
com funcionárias mulheres em todos os estados do Brasil. Diferentes poderes do Estado
(por exemplo, o Executivo e o Judiciário) e departamentos dentro do Poder Executivo
(serviço de assistência social, sistema público de saúde, polícia) foram incumbidos de
implementar essas inovações. A Lei também trouxe medidas de prevenção, exigindo que o
Poder Executivo adote “medidas integradas de prevenção”, incluindo currículos escolares,
campanhas educacionais, treinamento de funcionários e financiamento de pesquisas. Essas
1
Este texto é uma versão em português do capítulo que será publicado no livro “Frontiers of Gender Equality”,
editado por Rebecca Cook, pela University of Pennsylvania Press, no prelo. Agradecemos a Rebecca Cook e à
editora por permitirem a publicação antecipada em português.

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