Direito à cidade e direitos na cidade: integrando as perspectivas social, política e jurídica / Right to the city and rights in the city: integrating social, political and legal perspectives

AutorVirgínia Totti Guimarães
CargoDoutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora de Direito Ambiental e de Direito Urbanístico da PUC-Rio. Coordenadora Acadêmica do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental também da PUC-Rio. E-mail: virginia@puc-rio.br
Páginas626-665
Revista de Direito da Cidade vol. 09, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2017.27143
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Revista de Direito da Cidade, vol. 09, nº 2. ISSN 2317-7721 pp. 626-665 626
DI RE IT O À CI DA DE E DIR EI TO S NA C IDAD E: I NTEGRAN DO AS PER SP EC TIVAS
SOC IA L, P OLÍ TI CA E JU DICA
RI GH T T O THE CIT Y A ND R IGH TS IN TH E C ITY: IN TE GR AT IN G SO CI AL , P OLI TI CA L
AND L EGA L PER SP EC TIVES
Vir ni a Tot ti G uim ar ães1
Resumo
O artigo trata do direito à cidade, a partir das discussões estabelecidas nos campos jurídico,
social e político, metodologicamente baseado em pe squisa e análise crítica da bibliografia.
Analisam-se as previsões legais sobre direito à cidade, considerando-o como um direito
fundamental, de natureza difusa, composto por outros direitos sociais e difusos, vinculado à
dignidade da pessoa humana e regido pela solidariedade. Entende-se que o dire ito à cidade e
os direitos sociais que o compõem não possuem natureza meramente prog ramática, exigindo-
se que o Estado a dote políticas para sua proteção progressiva. O direito à cidade, contudo, não
é apenas a soma destes direitos e a inter -relação entre eles; ele se relaciona ao poder de
influência e criatividade que as pessoas têm de de terminar aspectos fundamentais sobre a
cidade em que vivem. O conteúdo do direito à cidade deve ser moldado pela perspectiva
política, integrando-o ao poder de decidir e viver o espaço urbano a partir das demandas dos
cidadãos. A análise, em conjunto, das noções de direito à cidade de Lefebvre e do
ordenamento jurídico intensifica o potenc ial de politização, afastando -o de sua utilização como
um conceito vazio e legitimador de uma cidade cada vez mais excludente.
Palavras-chave: Direito à cidade; função social da propriedade urbana; gestão democrática da
cidade; cidade sustentável.
Abstract
This paper addresses the right to the city from discussions in the legal, social and political fields,
methodologically based on research and critical analysis of the field's bibliography. The legal
provisions right to the city are analysed, considering it as a fundamental right, of diffuse nature,
composed of other social and diffuse rights, bound to human dignity and governed by solidarity.
It is understood that the right to the city and social rights that are part of it do not have nature
merely programmatic, requiring that the State adopts policies for its progress ive protection.
However, the right to the city is not only the sum of these rights and the interrelation between
them; it is related to the power of influence and creativity that people have to determine
essential aspects on city in where the y live. The content of the right to the city should be
framed by political perspective, integrating it to the power to decide and live the urban space
from demands of the citizens. The analysis, together with the notions of right to the city of
Lefebvre and the legal system, intensifies the potential of politicization, pushing it away of its
use as an empty and legitimating concept of a city increasingly excluding.
Keywords Right to the city; social function of the urban propriety; de mocratic management of
the city; sustainable city.
1 Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora de
Direito Ambiental e de Direito Urbanístico da PUC-Rio. Coordenadora Acadêmica do Curso de Pós-
Graduação lato sensu em Direito Ambiental também da PUC-Rio. E-mail: virginia@puc-rio.br
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DOI: 10.12957/rdc.2017.27143
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IN TR OD ÃO
No Brasil, desde os anos 1960, presencia-se a formação de um pensamento crítico que
defende a função social da propriedade, gestão democrática da cidade, descentralização e
municipalização da política urbana, relacionando estas demandas à garantia do direito à cidade.
Originalmente desenvolvido na obra de Lefebvre, o direito à cidade, que logo é incorporado nas
demandas de movimentos sociais por reforma urbana, parece ter sido transformado em uma
bandeira. Mas não há consensos em relação ao direito à cidade. Ao contrário, é um conceito
em disputa, permeado de constante conflito, tal como o próprio espaço urbano.2
A análise, em conjunto, das noções de direito à cidade de Lefebvre e do ordenamento
jurídico pode demostrar limitações existentes em sua previsão e aplicação no direito brasileiro,
mas, ao mesmo tempo, intensificar o potencial de politização, afastando-o de sua utilização
como um conceito vazio e legitimador de uma cidade cada vez mais excludente, do ponto de
vista territorial e social.
A busca da isonomia e justiça social, nas cidades brasileiras, parece nunca ter estado tão
distante. A segregação social, com suas marcas impressas na ocupação territorial, é tão
evidente na sociedade brasileira que se coloca quase como natural e, portanto, impossível de
ser questionada. Neste cenário, com o atual processo de mercantilização das cidades, com
graves consequências para a vida urbana, e, por outro lado, reforçando o lugar da política no
espaço urbano, parece imperioso analisar: afinal, é possível definir o direito à cidade? O que se
propõe, assim, é uma análise capaz de conjugar diversos elementos do direito à cidade que
inclua aspectos trazidos por Lefebvre , buscando-se o alargamento dos direitos e garantias que
o integram, voltando-se ao questionamento das bases e pilares capitalistas. Alé m disso,
procura-se a noção mais ampla do direito no ordenamento jurídico brasileiro, com destaque
para elementos que se consideram fundantes: a função social da propriedade pública e privada,
a gestão democrática das cidades e a sustentabilidade dos espaços urbanos.
2 Harvey          T      
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com a luta por materializá-      vante ou politicamente sem potência (HARVEY,
2014, p. 20 e 244).
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PE RS PE CT IV A SO CI AL E PO TI CA DO DI RE IT O À C IDA DE , A PART IR DA OB RA DE
HEN RI L efe bv re
O direito à cidade não possui apenas um conteúdo jurídico e por isso não está, de modo
algum, restrito aos estudos do Direito. Ao contrário, exigências a ele relacionadas são
recorrentes nos movimentos sociais e organizações que trabalham com temas ur banos. Henri
Lefebvre foi quem primeiro formulou o conceito de direito à cidade e ainda hoje influencia este
uso recorrente, destacando, em sua obra, Direito à Cidade (1968) e Revolução Urbana (1970).
Neste item, serão apresentados seus principais conceitos e o diálogo como outros a utores,
objetivando, a seguir, propor uma integração de sua perspectiva social e política com a jurídica.
Lefebvre considera o surgimento de uma sociedade urbana, trabalhando questões
filosóficas, políticas e metodológicas, para entender o fenômeno urbano.3 Para ele, revolução
urbana constitui-se pela passagem         
decisivamente, em que a busca das soluções e das modalidades próprias à sociedade urbana
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O autor entende que cidade é um nível específico da realidade social, que não deve ser
analisada pelo pressuposto da continuidade histórica ilusória,4 mas que se transforma em
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 LEFEBVRE, 2001, p.58).
A cidade de Lefebvre está ligada ao espaço da política, na qual não há uniformidade ou
consenso, mas contradições, diferenças e encontros; e a prática social irá determinar a
integração de s eus elementos, preparando novas formas da vida urbana. O espaço urbano 
3 Metodologicamente, o autor reconhece a existência de níveis e dimensões que devem ser introduzidos
na análise. A proposta é que se parta de um nível mais próximo, por ele denominado como nível P, que
corresponderia ao habitar, para se entender o nível G ou global (poder do Estado, política, representação,
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(LEFEBVRE, 1999, p. 77-79).
Para Lefebvre, a cidade situa-           
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suprassensível e transcendente na aparência, concebida dentro das ideologias    A
cidade é uma mediação entre as mediações. Contendo a ordem próxima, ela a mantém; sustenta
relações de produção e de propriedade; é o local de sua reprodução. Contida na ordem distante, ela se
sustenta; encarna-a; projeta-a sobre um terreno (o lugar) e sobre um plano, o plano da vida imediata; a
cidade inscreve essa ordem, prescreve-a, escreve-a, texto num contexto mais amplo e inapreensível
        LEFEBVRE, 2001, p. 52).
4 P              
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