Direito contemporâneo: a equidade nas diversas legislações

AutorCarlos Aurélio Mota De Souza
Páginas83-101
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Em decorrência de profundas discussões doutrinárias ante-
riores, os séculos XIX e XX conheceram um grande desenvolvi-
mento filosófico e metodológico, produzindo rica variedade de
conceitos jurídicos, inclusive sobre a equidade.Predominam so-
bre esta definições ecléticas, com diversos sentidos, caracterizan-
do-a por um conceito pluralista e complexo.Assim, aparece em
nossa época, como interesse pela individualização e consideração
das circunstâncias do fato; ou como ideia de medida, de adequa-
ção à igualdade relativa; ou ainda com sentido humanístico, e
segundo Enneccerus, somente sob estes tres aspectos, em con-
junto, se caracteriza o direito equitativo1. Por sua vez, Pacchioni
sintetiza os conceitos aristotélico da epiquéia individualizadora,
da aequitas igualitária de Cícero e da benignitas humanitária do
cristianismo, para definir a equidade como propriedade ou quali-
dade da norma jurídica, por atender, na prática, a três exigências
fundamentais:
Primeira, que as coisas e as relações iguais sejam igualmente tra-
tadas e que não sejam, ao contrário, tratadas com igualdade as
coisasa e as relações desiguais ou diversas; segunda, que ao se jul-
gar cada caso singular relação, considere-se escrupulosamente to-
das as particularidades individuais e as circunstâncias que a pre-
cederam e acompanharam; terceira, que dentre as várias soluções
1 Tratado de Derecho Civil (1934), T. I, v. 1º, § 46, p. 194, ap. CASTÁN TOBEÑAS, op.
cit., p. 739.
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lógicamente possíveis, em concreto, seja sempre dado preferência
àquela que resulte mais suave e humana2.
Conclui Castán Tobeñas, em síntese, que o moderno conceito de
equidade gravita em torno a duas ideias bem distintas: um conceito
simples (embora geral e amplo), o da epiquéia aristotélica (norma
individualizada, adaptada às circunstâncias de um caso concreto),
em que se adapta o justo à realidade mediante exata apreciação de
todos os elementos de fato; e um conceito complexo (ainda que mais
restrito), da benignitas, humanitas ou pietas cristã, de mitigação do
rigor da lei para o caso particular, pela adaptação da justiça às parti-
cularidades da espécie, dando-lhe tratamento mais benéco3.
O conceito ideal seria, para o celebrado jurista espanhol, fundir
a concepção aristotélica original com a cristã, epiéikeia e benignitas,
para considerar a realidade do caso e a transcendência do homem:
benigna e humanamente. O que se verica, ao menos no direito eu-
ropeu continental contemporâneo, é um esforço pela denição ou
encontro de uma noção de equidade abrangendo acepções, interpre-
tações e aplicações reduzidas a um princípio simples, senão único4.
4.1. Direito suíço
Dentre as legislações contemporâneas que adotaram a equida-
de como instrumento judicial de aplicação do direito, destaca-se o
2 Diritto Civile italiano, Pádua, CEDAM, 1937, pte. 1ª, v. I, p. 50, apud CASTÁN,
op. cit., p. 740.
3 Ibid., p. 739.
4 Nessa incessante busca registre-se a realização de vários encontros de juristas exclusi-
vamente para discutir a Equidade: o da Faculdade Jurídica da Universidade de Tubin-
gen (Atas no vol. Summum jus summa injuria, Tubingen, 1963); o dirigido por Josef
Esser em Viena, em Setembro de 1963 (Atas no Ermessensfreihei und Billigkeitsspiel-
raum des Zivilrichters, Frankfurt/Berlim, 1964); o promovido pelo Hastings College
of the Law, Universidade da Califórnia, em agosto de 1972 (Atas no vol. Equity in the
World’s Legal Systems, Bruxelas, 1973); Congresso de estudos realizado em Lecce, em
Novembro de 1973 (Atas no vol. L’equità, Milão, 1973); Ciclo de estudos promovido
pelos Colégios de Advogados e Notarial e Academia de Jurisprudência da Catalunha,
Espanha, em 1974. Cf. José J. PINTÓ RUIZ. Sentido de la equidad. In: Ciclo de Con-
ferencias sobre el nuevo Titulo preliminar del Codigo Civil (1975), p. 153; Academia
Matritense del Notariado. Estudios sobre el Título Prelilminar del Código Civil (1977).

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